Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Roseli Fischmann*
As propostas de envolvimento de empresas em atividades sociais são recentes no Brasil. Precedidas por propostas isoladas, desenvolvidas em particular por multinacionais que já tinham experiências semelhantes em outros países, como o caso do Instituto C&A (com a instalação de uma cozinha industrial na Casa de Passagem, em Recife), da Xerox (por exemplo, com atividades de educação complementar em Chapéu Mangueira, no Rio), as primeiras iniciativas foram marcadas por dedicação ao campo cultural. São exemplos: o patrocínio da Shell ao Corpo, companhia de dança de Minas; ou uma das iniciativas mais antigas, a dos concursos literários da Fundação Nestlé; a preservação de patrimônio dos acervos de museus, desenvolvida pela IBM, em particular no Rio e em São Paulo.
Alguns grupos nacionais envolveram-se também em atividades culturais - como o Museu Marc Chagal, mantido pela Fundação Ioschpe, no Rio Grande do Sul -, ou atividades mistas, culturais e sociais, como a Fundação Odebrecht, na Bahia. Outros foram inovadores no campo da reivindicação de direitos, como a Fundação Abrinq, nascida no meio do empresariado de mentalidade progressista, defendendo os direitos das crianças e dos adolescentes. Empresas à época estatais, como a Petrobras, a Telesp, o Banco do Brasil, também remontam aos primórdios das atividades.
As iniciativas pioneiras, de diferentes origens, articularam-se com tradicionais agências financiadoras internacionais em atividade no Brasil, como as fundações Ford, Kellog, Vitae, MacArthur, visando à articulação de esforços em uma associação. Nasceu, assim, em 1995, articulado desde 1989, o Gife - Grupo de Instituições, Fundações e Empresas, que tem desempenhado papel relevante no cenário brasileiro. Por essa época começava a se consolidar, no país, o conceito de ''terceiro setor'', com estudos desenvolvidos pelo Iser, do Rio.
Propunha-se, também, a discussão da expressão ''filantropia empresarial'', buscando encontrar termos mais apropriados para a realidade brasileira. Como se sabe, entre nós o termo filantropia esteve associado, historicamente, a atividades beneficentes, em um sentido paternalista, e a nova abordagem que se implantava no Brasil buscava outros caminhos. O uso da expressão ''responsabilidade social'' procura suprir a demanda. Vem também sendo feito o autoquestionamento voltado para práticas havidas no interior das empresas, como faz o Instituto Ethos.
A consciência crescente dos problemas do Brasil, sobretudo da flagrante injustiça social, geradora do quadro vergonhoso de miséria em que ainda vive grande parte da população, levou ao fortalecimento da temática estritamente social. Aí, saúde e educação têm sido as mais contempladas. Embora crucial para a democracia, muito lentamente abre-se o campo da diversidade como tema para financiamento.
É interessante observar que, na educação, têm recebido maior atenção programas de educação complementar - como o Acelera, Brasil, desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna - que iniciativas voltadas para pensar a relação entre a escola e a sociedade. Ou seja, de certa forma, é como se a maior parte dos projetos desenvolvidos pelo terceiro setor repetisse práticas do primeiro e do segundo, gerando aspectos conflitivos e não raro contraditórios ao colocar recursos privados em benefício do público.
Por um lado, seguem conceitos estruturais do Estado, colocando em departamentos estanques o que poderia merecer tratamento intersetorial, prática que, embora propalada pelo primeiro setor, apenas lentamente se estabelece em programas interministeriais, tanto por problemas políticos como burocráticos. Por exemplo, ainda não se conseguiu pensar uma ''lei Rouanet'' para o campo social.
Por outro, sendo limitados os recursos financeiros, estabelecem-se práticas próprias do mercado entre instituições e indivíduos parceiros ou prestadores de serviços, em particular no que se refere à concorrência - prática que, em princípio, não deveria ser encontrada em trabalhos voltados para a solidariedade.
Por se tratar de campo novo no Brasil, há portanto inúmeras questões que entrelaçam limites e possibilidades, que precisam ser identificadas, analisadas, enfrentadas ou, mesmo, suscitadas. Iniciativas como o Prêmio Bem Eficiente, desenvolvido por Stephen Kanitz, o Top Social, da ADVB, o selo Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq, são iniciativas que cooperam para padrões de qualidade e excelência.
Final de ano é bom tempo para refletir sobre o conceito de responsabilidade social, que apenas começa a se estruturar no Brasil. Agregar iniciativas que cuidam de diferentes campos - cultural, educacional, social como um todo - em projetos multissetoriais, com foco definido em prioridades temáticas, pode ser um caminho interessante de irradiação de novas propostas e de desenvolvimento de atividades inovadoras.
Um ponto que exige atenção é que a expressão ''responsabilidade social'' tem sido empregada, quase exclusivamente, em relação a empreendimentos coletivos, empresariais. Contudo, nos estertores do segundo milênio, vale refletir sobre a responsabilidade social que se coloca a cada cidadão e como desenvolvê-la, solidariamente. Sem dúvida, aí se encontra a fonte da possível transformação duradoura do social, porque se impregnará nas estruturas a partir dos indivíduos - em quem se encontra a possibilidade de refletir sobre contradições, visualizando a forma de avançar, construindo cotidianamente a história.
* Roseli Fischmann é professora de pós-graduação na USP e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenadora do Instituto Plural e membro do Júri Internacional do Prêmio Unesco de Educação para a Paz.
Este artigo foi publicado no Correio Braziliense em 18/12/2000
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