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Noam Chomsky entrevistado por Ronaldo Mota

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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Avram Noam Chomsky é, de forma inquestionável, o maior lingüista vivo. De fato, mais do que isso, ele é o principal responsável por elevar a ciência das linguagens à categoria de ciência teórica efetiva. Nascido na Filadélfia, em 1928, é Professor Pleno do prestigiado Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) desde 1955. Além de lingüista, o Professor Chomsky é um dos mais importantes ativistas políticos do mundo contemporâneo. Como crítico social e ativista político, Chomsky tornou-se conhecido pela sua crítica contundente e consistente da política americana (interna e, especialmente, externa), tendo escrito diversos livros sobre temas contemporâneos. Ronaldo Mota é físico, Professor Titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria. Aproveitando a sua participação, apresentando dois trabalhos na área de física, no Encontro da Sociedade de Ciências dos Materiais, recentemente ocorrido em Boston, teve a rara oportunidade de entrevistar o Professor Chomsky, considerado um dos últimos ícones vivos do séc. XX. Nessa entrevista a ênfase é no significado do Fórum Mundial Social a ocorrer em Porto Alegre no final de janeiro de 2001, mas os assuntos tratados foram muito mais abrangentes, envolvendo o papel das Universidades, questões ambientais, eleições americanas e, até mesmo, o significado da vida no sentido mais amplo do termo. A entrevista ocorreu no dia 01 de dezembro de 2000, no gabinete do Prof. Noam Chomsky (NC) no MIT. As questões formuladas pelo Prof. Ronaldo Mota (RM) aparecem em negrito.


RM - O Fórum Mundial Social, a ocorrer em janeiro de 2001, em Porto Alegre, será uma nova oportunidade para a criação e intercâmbio de projetos sociais e econômicos visando a promoção de direitos humanos, justiça social e desenvolvimento sustentável. O que o Professor Chomsky espera desse evento?


NC - Naturalmente esse não é o primeiro esforço nessa direção. Alguns países em 1977 estiveram envolvidos em criar um programa de uma nova ordem econômica. A partir desse programa, pretendiam dedicar mais atenção às necessidades da maioria da população. Eles não conseguiram levar adiante o programa proposto. Uma nova ordem internacional estava em curso baseada na organização chamada neoliberal, muito mais poderosa, e de alguma forma o resto do mundo foi dispensado de participar.


Isso aconteceu de novo, recentemente, neste ano, há alguns meses. Em abril, cento e dois países, representando a maioria da população do planeta, recuperaram aquela idéia de 1977 e tiveram um encontro de alto nível em Havana, com etapa preparatória anterior na Colômbia. Foi o mais importante evento até então. Houve propostas muito concretas, boas sugestões acerca de uma possível nova ordem. De forma alguma eram organizações radicais. No entanto, o encontro era dirigido por países do terceiro mundo e, até onde eu estou informado, acho que fui o único a destacar esse assunto nos Estados Unidos. Houve três frases no New York Times. Isso é ridículo, estavam lá representados oitenta por cento da população do planeta, inclusive representações conservadoras, mas nenhuma atenção foi concedida pela imprensa internacional. De fato, há somente uma voz no mundo. Não houve repercussão. Nenhum outro intelectual respeitável fez manifestações acerca disso, ou mesmo entendeu a importância daquele evento. Podemos conferir nossa base de dados sobre isso. Não há nada.


O Fórum Mundial Social é diferente e isso pode ser relevante. O momento internacional deve fazer com que ele seja muito mais significativo. O terceiro mundo tem feito propostas contra essas organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial por anos e anos. Isso começa a surtir efeitos. Tem os sem-terra no Brasil. Os indígenas e fazendeiros no México têm protestado em todos os lugares acerca das conseqüências dos ajustes estruturais propostos por aquelas organizações, via políticas econômicas. Tem sido impossível para os Bancos ignorarem essas manifestações. Tem ocorrido reações, algumas mudanças nessas políticas. Quando essas manifestações de fato atingem o ocidente, como em Seattle, eles não podem mais ignorar completamente. A principal resistência não tem sido aqui nos Estados Unidos, mas quando algo acontece aqui eles não podem mais desprezar.


As demonstrações de Washington, por exemplo, foram um pouco depois de abril. Elas coincidiram com a Lei Marcial na Bolívia, decorrente de protestos naquele país contra a privatização do serviço de abastecimento de água, de acordo com as exigências do Banco Mundial. Alguns meses antes daqueles eventos, grandes conglomerados internacionais haviam participado daquela privatização e podiam agora definir preços mais realistas. Ocorre que a maior parte da população não desfrutava sequer do sistema público de abastecimento de água, anteriormente existente. Aconteceu de coincidirem as manifestações na Bolívia com a demonstração de Washington e todas as atenções estavam voltadas para a capital americana. O povo na Bolívia fez uso inteligente da rede mundial de computadores, aproveitou bem a manifestação de Washington para divulgar a sua situação, e isso fez a diferença. O governo da Bolívia teve que recuar.


Mesmo uma ditadura não pode desconsiderar uma confusão no país. Hitler, por exemplo, tinha um programa assistencial muito forte e eficiente visando manter a população alemã quieta. Mesmo a mais forte ditadura tem que responder a pressões. A ditadura que administra o mundo não é diferente. De qualquer maneira, o Fórum Mundial Social é parte do movimento de larga escala que pode discutir essas questões.


RM - Professor, que tipos de estratégias internacionais podem ser criadas para um desenvolvimento sustentável visando a erradicação da pobreza e da fome e, simultaneamente, proteger o meio ambiente?


NC - Primeiramente, desenvolvimento sustentável tem que ser assumido objetivamente. Não podem ser somente estratégias. Neste momento, a questão ambiental não é tratada de forma objetiva. Por exemplo, a não ser por parte de alguns, tratados como “fanáticos”, a questão do aquecimento global não é tratada como um fato. Ocorre que as devastações podem atingir tanto o sul do planeta como também o norte da Europa, no Círculo Ártico. Em perspectiva, isso pode trazer problemas até para a sobrevivência de algumas espécies. Mas mesmo uma coisa simples como essa não aparece no sistema de mercado. As estruturas existentes parecem incapazes de tratar adequadamente esse assunto.


O mercado não está preocupado com a destruição do meio ambiente. No sistema de mercado, todo indivíduo pretende maximizar o seu ganho pessoal. Nessa visão de produto e consumo, não é de supor-se que o indivíduo preocupe-se com isso. Entretanto, há questões que não podem ser respondidas pelo mercado porque não há vozes nele para tanto. Por exemplo, as futuras gerações, elas não têm voz na lógica do mercado. Pelos mais elementares princípios, seus interesses são eliminados. Pelos limites com que o mercado está funcionando, marginalizando ou eliminando as preocupações com as futuras gerações, o desenho de um desenvolvimento sustentável é uma impossibilidade.


Uma coisa precisa ficar clara. Os ricos e poderosos nunca aceitaram para eles mesmos de forma total as regras do mercado. Elas são mais para os outros. Veja a história econômica global. Voltemos ao séc. XVIII. Em 1860, a Inglaterra obrigou a China a aceitar seus produtos manufaturados, muito embora o processo tecnológico de manufatura chinesa fosse na época em muitos aspectos mais avançado do que na Inglaterra. Era questão de eliminar competidores. Na Índia também. Em suma, da maneira como as coisas foram feitas modelou-se a história econômica.


Mais recentemente, os Estados Unidos tiveram um desenvolvimento poderoso, de forma também intervencionista. Os militares americanos foram, de fato, mais dinâmicos do que a própria economia americana. Nisso tudo, o terceiro mundo ficou relegado a um oceano de liberalismo. Os países que se desenvolveram tiveram que infringir regras, não foi certamente seguindo regras dos outros. As regras do mercado, seguidas rigorosamente, não podem coexistir com desenvolvimento sustentável.


Desenvolvimento sustentável exige planejamento social, preocupação com o futuro, um tomar conta do outro.... O que existe hoje é um enorme esforço para não permitir isso. Por exemplo, o caso dos Estados Unidos hoje. Há um grande ataque ao sistema de previdência. Por que tal ataque? A coisa é totalmente fabricada. Qualquer economista pode mostrar isso em cinco minutos. O ataque é porque a securidade social é baseada em princípios éticos. Tais princípios precisam ser destruídos. Ninguém deve preocupar-se com o outro. A preocupação com o outro é hoje a mais profunda e revolucionária idéia. Segundo eles, isso tem que ser eliminado.


É o mesmo com a privatização do que é público. Todas as privatizações em curso são baseadas na idéia de eficiência. Naturalmente, se você tem uma forma governamental de operar corrupta e entrega para um conglomerado internacional, certamente este será mais eficiente. Há também exemplos diferentes, o cobre no Chile tem sido bem administrado pelo governo. Na Coréia do Sul produz-se aço de forma estatal mais eficiente do que o resto do mundo. Em suma, não há essa correlação direta entre eficiência e público ou privado. Por outro lado, a importância da privatização, por parte daquelas forças internacionais é a exigência de retirar do público as decisões e eliminar a idéia de que possam existir nessas instituições preocupações diferentes do que maximizar lucros. A questão da privatização/nacionalização da fabricação do aço no Brasil pode ser ineficiente no sentido econômico. Eles não mediram os benefícios do pessoal trabalhando lá. Não é importante que eles estejam produzindo por preços menores do que os do mercado. É preciso trazer em conjunto todas essas preocupações. Não é claro se realmente traz benefícios. Às vezes sim e às vezes não. Mas isso tornou-se um “mantra”.


Eu acho que em tudo isso o interesse maior é minar a idéia de solidariedade. É interessante observar que, historicamente, os princípios liberais do séc. XVIII, com Adam Smith, assumiam como certos os princípios de solidariedade e a preocupação com os outros. Incrível que sejam essas hoje nossas grandes batalhas. O Fórum Mundial Social tem que pensar sobre isso profundamente.


RM - O Brasil está entre os países que têm sido fortemente afetados pelas políticas econômicas globais. Ao mesmo tempo, diferentes setores da sociedade brasileira têm criado alternativas econômicas interessantes, tanto no meio rural como urbano. Como o Professor Chomsky vê a situação brasileira atual?


NC - Eu hesito um pouco em falar porque não conheço tanto, mas há coisas que me impressionam. O MST, por exemplo, é um movimento conhecido no mundo hoje.


RM - Por falar nisso, a carta que o Senhor enviou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso teve uma grande repercussão na imprensa nacional.


NC - Bom saber disso. Eu recebi uma carta, um ataque de um Presidente de uma organização brasileira. Uma grande denúncia, é bastante divertida a carta. Eu mostro depois (Obs.: ler comentário ao final da entrevista). Há problemas, mas é uma grande organização. Não é somente assentar as pessoas na terra, mas também a cooperação.


Eu devo dizer que quando estive no Brasil, há poucos anos, vi uma coisa que realmente impressionou-me. Eu estava com algumas pessoas, Lula inclusive, em um lugar próximo de um rio. Eu não me lembro e não é importante onde. Tinha muita gente nas ruas. Eu não entendo português bem, eu consigo parcialmente entender. Pessoas do local, inclusive uma jovem, ela era como se fosse uma das atrizes, com um microfone, pessoas sentadas nos bares, crianças nas ruas, as pessoas interagindo. Esse tipo de comunicação não existe aqui. Enfim, as pessoas estavam desenvolvendo uma intensa comunicação, feita por elas mesmas. É impressionante.


Nessa mesma viagem visitamos favelas. Argentinas, nesse caso, arredores de Buenos Aires. As pessoas falavam guarani. A organização era feita basicamente por mulheres. Elas que se preocupavam com a questão das drogas afetando as crianças. Elas que garantiam que as crianças tivessem um teto, evitassem as drogas e fossem para a escola. Uma pequena organização, mas elas tinham a intenção que as pessoas desenvolvessem habilidades. Tenho visto coisas assim em todo o mundo. Veja a Índia, por exemplo. Em West Bengala, um colega meu aqui do MIT tornou-se o Ministro da Agricultura. Fiquei muito surpreso com o que eu vi. É uma região pobre, mas os programas estão sob controle popular. É de entusiasmar, problemas de gênero são tratados. Com relativamente pouco financiamento do governo, a população está tratando de resolver o problema da água. Um sistema bastante cooperativo. Isso tudo numa região muito violenta. Impressionou-me muito.


RM - Professor Chomsky, qual é, ou deveria ser, o papel principal de uma Instituição como a Universidade, especialmente a pública, em um país como o Brasil?


NC - Universidades têm muitas funções. Importante é o que você faz, por exemplo. É função da Universidade aprofundar o conhecimento, fazer pesquisa....Ao mesmo tempo, dirigir essa pesquisa para o que as pessoas precisam. Também ela deve ser administrada internamente de forma democrática. Isso envolve também os estudantes e funcionários. Deve ser uma Instituição livre, na qual o programa educacional e o jeito que os pesquisadores trabalham devem ser dirigidos no sentido que as pessoas não devam ser passivas, e sim ativas e criativas. Aqui no MIT não nos limitamos a professores no quadro e alunos tomando notas. Eles juntos devem trabalhar, estudando as coisas, interagindo. É assim que a ciência funciona. Todos devem sentir-se parte da comunidade. É divertido. A interação é possível.


Agora, algumas coisas não podemos ignorar, não geramos riqueza. No entanto, estamos imersos num mundo de interesses poderosos, os interesses privados estão presentes o tempo todo tentando forçar a Universidade no sentido de seus interesses. É uma batalha difícil, não é tão diferente da questão dos direitos humanos. A Universidade Pública é uma Instituição em que há interesses poderosos dispostos a minar suas estruturas. Agora, ela existe, eles não podem dizer que ela não está lá.


RM - Qual a sua opinião acerca da proteção e preservação de terras indígenas e de suas culturas? Poderia também falar-nos sobre as propostas recentes de internacionalização da Amazônia?


NC - Eu me preocupo muito com essa idéia de internacionalização da Amazônia porque em termos objetivos significa colocá-la nas mãos dos interesses do tesouro americano e do Banco Mundial. Isso é o que eles chamam internacionalização. No entanto, eu penso que a preservação da riqueza humana, da vida e a questão da diversidade biológica devam ter extrema prioridade.


Da última vez que eu estive no Brasil, eu estava em Belém quando alguns indígenas me procuraram, ficamos juntos por alguns dias. Eles têm muita boa vontade, são boas pessoas, mas a impressão que eu fiquei é que eles dependem muito do poder central. São comunidades isoladas, sem contato umas com as outras, sendo todas as comunicações via Brasília. Eles passaram-me um material para ler. Eu esperava algo direto dos índios. Quando se lê aquele material, ele é obviamente escrito por pessoas preparadas, intelectualizadas. Não eram as palavras e o tipo de coisa que os índios escreveriam. De qualquer forma....Certamente eles estão sob forte ataque.


Esse plano da Colômbia agora. Certamente não vai parar na fronteira. Vai envolver toda a Amazônia. O que vai acontecer quando começarem os ataques biológicos? Não há fronteiras para efeito de refugiados, isso tudo acaba espalhando-se pela Amazônia. Então, a internacionalização da Amazônia faz parte da política internacional. Os Estados Unidos não vão dar financiamento aos países da América Latina que não cooperarem na questão da Colômbia. Os países da região não aceitam participar e a União Européia também. Os Estados Unidos irão adiante de qualquer maneira, a menos de uma oposição interna, aqui dentro. Esse caso não tem nada a ver com drogas. Eles sabem como tratar com isso, e não é dessa maneira. Isso é somente uma fina cobertura, um disfarce. Na verdade há vários interesses, a começar com instalações de bases militares em toda aquela região. Já existe no Equador, eles têm acordo com os holandeses acerca de base em Aruba, já têm em El Salvador. Trata-se de um grande sistema de bases, como os Estados Unidos já têm no Oriente Médio.


Os efeitos na Amazônia podem ser muito severos. Em toda a região amazônica as comunidades indígenas terão muitos problemas. À medida que o Brasil concentra boa parte da riqueza daquela região, é um país rico. O Brasil poderá também agravar seus problemas entre donos de terra e os povos indígenas. O governo vai ter que superar esses problemas, vai precisar de base material para tanto, isso vai exigir cooperação. Certamente, isso tudo não será fácil.


RM - Professor, como podemos esperar que o Fórum Mundial Social possa contribuir para a organização contra a discriminação racial e com a questão de gênero?


NC - Uma forma de organizar contra discriminação é energizando onde essas questões estão sendo enfrentadas. Por exemplo, na Índia algumas organizações, sob controle popular, estão ajudando a enfrentar problemas de castas, de gênero. É impressionante vermos mulheres da baixa casta participando ativamente, dando a impressão de que elas de fato superaram coisas muito fortes na cultura delas. Há também muita história que já ocorreu aqui nos Estados Unidos. Havia muito racismo dentre os trabalhadores. Entre brancos e negros. Dentre os brancos, contra os irlandeses. Esses conflitos foram muito severos. Eles foram parcialmente superados por ações também dos sindicatos. Essas questões estão presentes na história dos trabalhadores. Esses limites, se não podemos dizer que foram superados, foram ao menos reduzidos.


RM - Professor Chomsky, falando sobre algo que está acontecendo hoje. Como o Senhor avalia o resultado e o processo das eleições presidenciais em curso nos Estados Unidos?


NC - Há uma afirmativa sociológica que funciona muito bem aqui: quanto menos importante uma coisa é, mais atenção vai ser focalizada nela. Uma enorme atenção tem sido colocada em questões técnicas, as quais têm na prática significância nula. Há assuntos significativos sim nas eleições que não têm sido discutidos. Os cientistas sociais sabem, por outro lado, que não há de fato eleição. É mais um jogo de cara e coroa, onde a escolha de um dos lados não significa muita coisa. Tudo está dentro de um erro estatístico. É um ruído dentro das coisas importantes do sistema. Não há nada realmente de importante a ser resolvido. De fato, é totalmente irrelevante. Por outro lado, o que seria interessante analisar é porque esse empate. Vejamos, metade da população com direito a voto sequer vai votar. A população inteira, quem vai e quem não vai votar, trata a eleição como uma espécie de jogo. Agências de relações públicas dos candidatos moldam os candidatos para dizerem isso ou aquilo. Em geral a população não consegue saber o que de fato eles pensam dos assuntos. É totalmente criado para ser assim mesmo. Os debates em geral tratam de assuntos menores. O mais importante então é o que realmente resulta. Não houve de fato eleição via posições conflitantes apresentadas. O resultado final retrata que as pessoas não se importam. Portanto não é surpreendente que resulte um empate. A maioria do povo votou aleatoriamente. Não importa baseado em que eles tomaram essa decisão. Isso tudo é somente um ruído no sistema. Agora, se você quer se preocupar com números, há de fato algo significativo. Gore deveria ter tido uma grande vitória eleitoral na Flórida e em outros estados em que isso não aconteceu. Durante os oito anos de Clinton-Gore, e mesmo antes começando em Reagan, há um grande contingente de pessoas que devido aos ajustes estruturais do programa neoliberal formam uma população supérflua, pessoas que não contribuem para os lucros do sistema. Dentro da política de limpeza social, uma parte dessa população termina na cadeia. Penas são fabricadas. Desde Reagan, a percentagem de encarcerados tem crescido fortemente. Ao final da década de oitenta esse percentual era igual ao de qualquer outra nação industrializada, hoje é muito maior nos Estados Unidos do que a média das demais nações. Quem eles aprisionam? Negros e hispânicos. Pessoas que tradicionalmente votariam 90% em Gore. Então, de certa forma, eles decidiram claramente colocar seus próprios eleitores na cadeia. E as leis são muito punitivas. Na Flórida, por exemplo, se você foi prisioneiro um vez, você não pode votar jamais. Jamais. Creio que em torno de 30% de negros e hispânicos não podem votar. Se eles tivessem oportunidade de votar teriam mudado tudo. Essa é a grande história das eleições americanas. Isso é transparente. Não é preciso ser um Einstein para decifrar isso. Tenho um amigo que analisou o quanto disso tem sido discutido nos Estados Unidos e a resposta é praticamente zero. É um ruído no sistema. Um artigo eventualmente em um jornal da Califórnia. Essencialmente nada. Estatisticamente insignificante. Os assuntos da política neoliberal tendem a eliminar a importância das eleições. Quem dirige o sistema não importa-se muito com o que está acontecendo. Ao invés de um Rei da Inglaterra, é como se tivéssemos dois Reis. Vamos ver se um deles tem um sorriso melhor do que o outro. Tudo o que tem sido discutido na imprensa, de forma coordenada, é para ser mesmo insignificante. Eles estão discutindo questões técnicas que não têm, e nem terão, uma resposta. Os poucos votos de diferença atestam sim é o caráter aleatório das eleições.


RM - Professor Chomsky, em sua mensagem final para todos no Brasil, deixe-me fazer uma questão bem geral: qual o significado da vida?


NC - Eu não creio que haja uma resposta. O significado da vida para mim hoje é interagir com meus netos, por exemplo. O significado da vida é estar apto a desenvolver um trabalho criativo, solidário, junto aos seres humanos, ajudando a fazer um mundo melhor para os nossos filhos, netos e que todos possam viver melhor.


Observações finais do entrevistador:


- Ao terminar a entrevista o Professor Chomsky fez questão de mostrar-me a correspondência assinada pelo Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, datada de 10 de novembro de 2000, a qual agradecia, de forma aparentemente irônica e sarcástica, a preocupação do Prof. Chomsky com as investigações em curso no Brasil para detectar possíveis irregularidades na cobrança de pedágios por parte do MST no Brasil.


- O entrevistador assumiu com o Professor Chomsky o compromisso de divulgar essa entrevista no Brasil da melhor maneira possível. Assim sendo, ela está disponível gratuitamente para reprodução, em parte ou no todo, por pessoas, instituições ou órgãos de comunicação, desde que citadas as fontes.  A responsabilidade pela transcrição ao português é de inteira responsabilidade do entrevistador.


- Para maiores informações acerca do Forum Social Mundial


- Sobre o entrevistado Prof. Noam Chomsky


- Sobre o entrevistador Prof. Ronaldo Mota (mota@ccne.ufsm.br)

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