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Denúncia social ou apologia ao crime?

Autor original: Flavia Mattar

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Ao exibir o clipe "Soldado do Morro", que mostra crianças participando do tráfico e usando armas nas favelas brasileiras, o rapper MV Bill foi acusado, judicialmente, de estar fazendo apologia ao crime organizado. Por ironia, depois de assistir ao mesmo clipe, o subsecretário da África do Sul, Olara Ottono, declarou que aquele era um documento bastante sério e único, que mostra que no país existem crianças em situações similares a uma guerra.


Assim, MV Bill poderá receber a qualquer momento um convite oficial para ser o representante da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, no assunto "criança em área de conflito". A Rets esteve presente à comemoração dos oito anos do Grupo Cultural Afro Reggae, realizada no Teatro Glória, Zona Sul do Rio, no dia 23 de janeiro, e conversou com o rapper.


Rets - Qual foi a sua reação ao saber da possibilidade de ser convidado para ser representante da ONU no Brasil no assunto "criança em área de conflito"?


MV Bill - Ainda não recebi um convite oficial sobre o assunto, portanto acho que ainda está muito cedo para falar sobre isso. Quando vierem falar comigo, eu vou estudar melhor essa possibilidade. Não sei se aceitaria, pois não me vejo como a pessoa mais indicada para o cargo. Não sei ao certo o que pretendem de mim neste cargo. Antes de tomar qualquer decisão, vou me informar bem sobre o cargo e sobre que tarefas teria que desenvolver.


Rets - Por que você não se julga a pessoa mais indicada para o cargo? Você não tem projetos na área social?


MV Bill - Projetos eu tenho muitos. Um deles já está em desenvolvimento. O nome é "Mãe, desarme seu filho". Trata-se de uma parceria com o Afro Reggae e o Viva Rio. O objetivo é unir várias mães que tiveram os seus filhos vitimados pelo crime ou que têm filhos a serviço do tráfico e, no Dia das Mães, em maio, levá-las até Brasília e pedir para que o governo olhe mais para as comunidades e para as crianças de todo o Brasil.


Vamos começar a dar andamento a um segundo projeto a partir do dia 8 de fevereiro, quando haverá uma reunião em que estão convidados o cineasta Cacá Diegues, o juiz de menores Siro Darlan, o Afro Reggae, o Rubem César, do Movimento Viva Rio e associações de moradores de várias localidades. Estamos convidando também o Ministro da Justiça, e um representante de Garotinho para participar do encontro. Queremos criar um documento, para enviar para Brasília, para promover a melhoria das comunidades. Seria um documento dizendo que já estamos cansados de pedir e que agora queremos ver as coisas acontecerem. Em Brasília está o poder. Lá estão as condições de mudar a realidade desse país.


Rets - Você acredita que a realidade brasileira pode ser mudada?


MV Bill - A realidade tem que começar a ser mudada através de nós. Todos esses projetos começaram a surgir a partir do clipe "Soldado do Morro". Eu acho que não há mais muito o que comentar sobre ele, pois já cumpriu o seu papel, que foi o de chamar a atenção. O fato de nós estarmos podendo discutir a pobreza, a violência nas favelas é devido a iniciativas de coragem e honestidade como o clipe, que simplesmente retratou uma realidade. Não adianta querer me hostilizar por causa disso Não dá para mostrar um Brasil que não existe, em que as crianças sorriem, onde as pessoas são felizes, onde ninguém passa fome e não tem analfabeto. Existe uma parte bonita também, mas é bem menor. Eu sou contra o tráfico de drogas, contra a violência e contra as armas, mas também sou contra a demagogia e a hipocrisia de não poder falar a realidade.


Rets - Você está se mostrando uma pessoa muito envolvida com a questão social. Como esse processo surgiu na sua vida?


MV Bill - Mesmo antes de eu me formar politicamente, eu já tinha desenvolvido projeto social sem saber. Durante um tempo eu ensinei rap em uma escola da Cidade de Deus. Sempre tive preocupação com o próximo. Nunca me conformei com uma realidade com a qual eu não concordo. O rap me deu a força para eu tentar resolver as coisas na minha cabeça e para eu tentar mudar o mundo. Mas, o que eu queria mesmo era desenvolver um grande projeto social que não envolvesse só música e esporte, mas também tivesse estudo. Gostaria que a comunidade pudesse entrar em contato com computadores e Internet. Queria que as crianças e adolescentes das favelas vissem que estudar e se formar também é uma arte.


Rets - Como o rap surgiu na sua vida?


MV Bill - Depois que eu vi o filme "Colours: As Cores da Violência". Quem fazia a trilha sonora era o Ice-T. Peguei uma revista chamada Show Bizz, na época era só Bizz, com a letra do filme traduzida, e aquilo me chamou muito a atenção, pois era uma realidade muito parecida com a nossa. O primeiro rap nacional que eu vi foi do Taíde, um cara lá de São Paulo, que é um dos percursores da cultura hip hop no Brasil.

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