Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
José Paulo Kupfer*
Se a renda do trabalho é uma boa medida-resumo da integração das pessoas numa sociedade moderna e urbana, a discriminação de raça e gênero, no tropical e miscigenado Brasil, continua acentuada - cada vez menos, é certo, no caso das mulheres, mas absolutamente inabalável, no caso dos negros. As conclusões são de um interessante estudo recém-concluído pelo pesquisador do Ipea Serguei Suarez Dillon Soares.
Com base nos microdados padronizados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), colhidos no período que vai de 1987 a 1998, Serguei Soares estabeleceu como norma os rendimentos mensais padronizados de homens brancos e comparou-os com os de homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. A comparação obedeceu a uma metodologia peculiar, que consistiu em "vestir" (ou "pintar") de homens brancos cada um dos outros grupos e medir o diferencial entre os rendimentos com e sem o artifício.
No caso das mulheres brancas, por exemplo, a diferença de rendimentos em relação aos homens brancos, em setembro de 1998, alcançava 21%. Mas esse era o espelho de uma situação que vinha melhorando. Uma dúzia de anos antes, a diferença chegava a 32% e, a partir de então, veio recuando a uma taxa média de 1 ponto percentual ao ano. Mantido o ritmo, em 30 anos não haverá mais discriminação salarial contra mulheres brancas.
Além disso, se o processo de diferenciação salarial entre duas pessoas pode ser dividido em três partes - qualificação, inserção e rendimento -, a discriminação contra as mulheres brancas se concentra no último item. "As mulheres brancas são tão ou mais qualificadas que os homens brancos, mas seus contracheques são menores do que os dos homens", diz Serguei Soares. "Elas sofrem uma discriminação puramente salarial e não em razão de sua formação ou de inserção no mercado de trabalho, como ocorre com os negros".
Não só o perfil da discriminação de negros e mulheres é diferente, como a dinâmica é outra - e desalentadoramente desfavorável para os negros. Homens negros teriam mais do que dobrar seus rendimentos para se igualar aos homens brancos. E, se fosse reproduzida, no futuro, a evolução efetivamente registrada entre 1987 e 1998, jamais chegariam a se igualar aos brancos. No período analisado, os rendimentos dos homens negros oscilaram num intervalo entre 46% e 50% dos rendimentos dos homens brancos, com tendência à estabilidade em torno do ponto de maior diferença relativa.
As razões da discriminação salarial entre negros e mulheres brancas também são distintas. Enquanto estas se igualam aos homens brancos em qualificação pessoal e inserção profissional, ficando para trás na hora da definição do rendimento, homens e mulheres negros já começam perdendo a briga no item qualificação. "Ao saírem da escola com uma formação capenga", diz Serguei Soares, "homens e mulheres negros são mal inseridos no mercado de trabalho". Segundo o pesquisador, dois terços das diferenças de rendimentos entre homens brancos e negros são explicados pelas deficiências de formação dos negros.
Em seu estudo, Serguei Soares mediu, com números, a atitude discriminatória da sociedade em relação aos homens negros. "Quanto mais bem posicionado está o indivíduo na distribuição de renda dos negros", escreveu o pesquisador, "maior é a discriminação". Homens negros mais pobres, mostra ele, pouco teriam a ganhar, em termos de rendimento, com o fim da discriminação - algo em torno de 5% a 7%, enquanto os negros mais ricos ganham quase um terço a menos do que ganhariam se fossem brancos.
"Minha interpretação é a de que, quanto mais o negro ficar ´no seu lugar´, menos será discriminado", afirma Serguei Soares.
Essa história conhecida e vergonhosa não será revertida sem um grande esforço da sociedade. Até porque a própria escola, onde se espera que estejam os alicerces da mudança, teria de passar por mudanças que a deixassem menos discriminatória. Em outros levantamentos ainda preliminares, Serguei Soares tem constatado que alunos negros de escolas públicas estão em desvantagem em relação às crianças brancas. "Em grupos com a mesma origem social, a taxa de repetência dos negros é maior´" diz ele.
Tudo isso aponta, como lembra o pesquisador, para a necessidade da adoção de políticas públicas que atuem em sentido contrário ao da tendência natural. "Se a sociedade está restringindo o acesso dos negros à boa educação e aos bons postos de trabalho, então cabe ao poder público garantir esse acesso, com algum tipo de política afirmativa, na linha das cotas ou a difusão de programas de bolsa-escola para alunos negros" conclui Soares.
*José Paulo Kupfer é jornalista e colunista do jornal Gazeta Mercantil.
Artigo publicado na Gazeta Mercantil, em 18/12/00, pág. A3
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