Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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O Marketing Cultural é um dos mais proveitosos e revolucionários instrumentos de redução tributária de que pode dispor o empresariado. No entanto, como incentivo fiscal e instrumento de fomento da cultura nacional, é algo ainda relativamente novo em nosso país, e um ilustre desconhecido para muitas empresas.
Para termos uma visão ampla do alcance desta ferramenta legal, é importante analisarmos dois contextos que correm em paralelo à esta realidade: a elevada carga tributária brasileira e a ferrenha competitividade comercial do mundo moderno.
Há tempos se ouve falar da necessidade urgente de se implementar uma reforma tributária no país, criando um sistema mais justo e digno de arrecadação e distribuição dos recursos fiscais. Em recente pesquisa realizada pela FIEP – Federação das Indústrias do Paraná, 77,80% do empresariado classificou a elevada carga tributária como a principal dificuldade para ter competitividade em seu setor. Os tributos em cascata como o PIS e a COFINS, que incidem sobre todas as etapas da produção, alíquotas altas, e uma infinidade de taxas, além do número absurdamente alto de tributos, fazem a tarefa de administrar uma empresa um verdadeiro trabalho de Hércules.
O outro ponto é que, com a estabilização da moeda e a globalização dos negócios, o empresário teve uma significativa redução de sua margem de lucro, e passou a enfrentar uma competitividade de mercado nunca antes vista. Com isso as estratégias de marketing passaram a ser um dos principais instrumentos de diferenciação da empresa nessa eterna luta pelo cliente. E o Marketing Cultural é uma de suas mais novas e promissoras vertentes.
Dentro dessa realidade, seria ideal a utilização de um instrumento jurídico capaz de permitir uma redução tributária para o empresário, criando um diferencial em sua contabilidade, e consequentemente em seus custos, e que ao mesmo tempo fosse uma boa estratégia de marketing, no sentido de atingir seu público alvo e divulgar o nome e a marca de sua empresa. Isso é o que permite o Marketing Cultural, através das Leis de Incentivo à Cultura.
Aspectos jurídico-tributários
A Constituição Federal de 1988 previu em seu artigo 215 que, “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”No mesmo artigo, em seu parágrafo 3º, previu que “A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.” Três anos depois, este artigo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 8.313/91, que instituiu o PRONAC – Programa Nacional de Apoio à Cultura, entidade com o objetivo de fomentar a produção artística e cultural do país. Dois anos depois, foi também aprovada a Lei nº 8.685/93, que tem por objetivo o incentivo e o fomento das áreas ligadas ao audiovisual.
O PRONAC, que tem por finalidade captar e canalizar recursos para o setor de cultura, atua através do FNC – Fundo Nacional de Cultura; do FICART – Fundos de Investimento Cultural e Artístico; e dos incentivos fiscais a projetos culturais, método também conhecido como Mecenato. No presente artigo daremos ênfase ao mais conhecido e utilizado meio atual de fomento cultural, que é o Mecenato.
O sistema jurídico do Mecenato (homenagem aos antigos mecenas, patronos e protetores das artes), tem como dispositivo básico a possibilidade de aplicação em projetos culturais, de recursos que inicialmente seriam destinados ao recolhimento de Imposto de Renda. Por esse sistema, a empresa calcula o montante a ser recolhido aos cofres públicos a título de Imposto de Renda, e reverte parte deste crédito tributário para o incentivo de projetos. Os valores aplicados pela empresa entram na declaração e recolhimento do Imposto de Renda sob a forma de doações e patrocínio, e devem ser comunicados à Receita Federal.
A lei define em seu artigo 23, II, o conceito de patrocínio como “a transferência de numerário, com finalidade promocional, ou a cobertura, pelo contribuinte do Imposto de Renda, de gastos, ou a utilização de bem móvel ou imóvel de seu patrimônio, sem a transferência de domínio, para a realização, por outra pessoa física ou jurídica de atividade cultural com ou sem finalidade lucrativa prevista no artigo 3º desta lei.” Portanto, pode enquadrar-se no conceito de patrocínio, para efeitos de dedução fiscal de Imposto de Renda, a transferência de valor, a cobertura de gastos ou o arrendamento de bens, sempre com a finalidade de incentivar eventos culturais aprovados pelo PRONAC e suas comissões, não sendo esses valores sujeitos à incidência do Imposto de Renda na Fonte, conforme determina o parágrafo 2º do mesmo artigo.
É muito importante salientar que, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 23, é vedada a obtenção de lucro ou vantagem material pela empresa em decorrência do projeto da qual ela está sendo incentivadora, sob pena de pagamento do valor atualizado do Imposto de Renda devido, além de outras penalidades.
São também consideradas doações, a distribuição de ingressos de eventos culturais, feita pela empresa para seus empregados e dependentes, e as despesas efetuadas com o objetivo de conservar ou restaurar bens de sua posse ou propriedade tombados pelo Governo Federal.
Foram também delimitados pela lei, os percentuais de abatimento de que poderão gozar as pessoas físicas ou jurídicas, que decidirem se beneficiar de incentivos fiscais ligados à Cultura. No caso de pessoas físicas, poderá ser abatido do Imposto de Renda, 80% dos valores da doação e 60% dos valores referentes a patrocínio. Para pessoas jurídicas com Imposto de Renda tributado com base no lucro real, poderão ser abatidos 40% dos valores de doação e 30% dos valores de patrocínio, podendo abater esses valores como despesa operacional.
Em 1995, o Governo Federal editou o Decreto nº 1.494, de 17/05/1995. Este Decreto teve a finalidade de regulamentar aspectos da Lei nº 8.313/91, também chamada Lei Rouanet, modificando sua forma de aplicação, bem como a sistemática de dedução dos incentivos fiscais.
Ficou determinado pelo Decreto, que os percentuais acima mencionados (que se mantiverem os mesmos), não poderiam ultrapassar o percentual de 10% do total a ser recolhido a título de Imposto de Renda. Para exemplificar, se tivéssemos uma pessoa jurídica que decidiu investir em projetos culturais através de patrocínio, 30% do valor transferido ao beneficiário poderia ser abatido do Imposto de Renda, desde que esse valor não ultrapassasse 10% do tributo devido. Hoje esta limitação está reduzida pela Lei nº 9.532/97, a 4% do tributo devido, o que é um percentual extremamente baixo para deduções. Cria-se a situação de que somente empresas com alto recolhimento de Imposto de Renda podem investir, pois como o limite de renúncia fiscal é baixo, para que 4% seja um valor razoável, a empresa incentivadora deve recolher grandes valores do imposto.
Não há dúvida de que faz-se necessária a união de entidades e pessoas de todas as áreas ligadas e beneficiadas com o marketing cultural, para que se exponha ao Governo Federal a premente necessidade de aumento do seu limite de renúncia fiscal, em benefício e para o fomento da cultura brasileira. Principalmente agora, que a Receita Federal comemora recordes de arrecadação a cada semestre, a cada ano.
O Decreto determinou também, que não constitui vantagem material ou financeira do incentivador, o recebimento de produtos e direitos de projetos, até o limite de 25%, para ser utilizado em distribuições e cessões gratuitas com fins promocionais. Os direitos autorais não estão incluídos nesta cessão, devendo ser ajustados com os próprios artistas detentores dos direitos.
Medidas provisórias e diversas reedições regularam aspectos da lei nos anos seguintes, até que em 1999, foi promulgada a Lei nº 9.874/99, com a finalidade de regular e alterar dispositivos da Lei Rouanet, e consequentemente, também do Decreto nº 1.494/95. Dentre essas modificações, compete-nos chamar a atenção dos leitores para os três pontos mais significativos desta nova lei: o limite de dedução do patrocínio/doação, a dedução como despesa operacional para pessoas jurídicas e a figura da intermediação.
O primeiro aspecto é um avanço e uma boa oportunidade de marketing cultural. A Lei nº 9.874/99 inseriu 03 parágrafos no artigo 18 da Lei nº 8.313/91. De acordo com o parágrafo 1º e 3º, passa a ser permitido o abatimento de 100% no Imposto de Renda, dos valores repassados como doação ou patrocínio, desde que o projeto incentivado verse sobre artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; circulação de exposições de artes plásticas; ou doações de acervos para bibliotecas públicas e para museus. Esta medida demonstra o interesse do Governo em fomentar mais essas áreas da cultura, e abre uma espetacular oportunidade para artistas e produtores culturais dessas áreas, bem como para as empresas em geral, que passam a poder trabalhar com marketing cultural com incentivo fiscal total, uma vez que o abatimento no imposto é integral.
O segundo trata de uma controvérsia criada pelo parágrafo 2º deste artigo. Ele prevê que as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real não poderão abater os incentivos culturais como despesa operacional. No entanto, o parágrafo 1º do artigo 26 da Lei Rouanet é claro ao dispor que “a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá abater as doações e patrocínios como despesa operacional.” Fica então a controvérsia, com dois artigos de lei dizendo exatamente um o oposto do outro. O empresário, sendo ele o contribuinte do Imposto de Renda e quem fica no meio da discussão, não pode ser prejudicado em face de um erro ou de uma controvérsia legislativa, pelo que opinamos favoravelmente à possibilidade de dedução dos valores de incentivo como despesa operacional.
O terceiro ponto, que sempre suscitou inúmeras dúvidas entre os que atuam no mercado do marketing cultural, é sobre a legalidade da contratação de pessoa para serviços de intermediação de negócio e captação de recurso. Após anos de discussão sobre a legalidade desse serviço, mas também forçado pela realidade do mercado, que já possuía inúmeras pessoas desenvolvendo esta atividade, o Governo se viu obrigado a regular a matéria.
O artigo 28 da Lei Rouanet proibia qualquer aplicação de recursos feita através de qualquer tipo de intermediação, dispondo que “Nenhuma aplicação dos recursos previstos nesta Lei poderá ser feita através de qualquer tipo de intermediação.”. No entanto, a Lei nº 9.874/99 inseriu um parágrafo único no artigo, prevendo que “A contratação de serviços necessários à elaboração de projetos para a obtenção de doação, patrocínio ou investimento, bem como a captação de recursos ou a sua execução por pessoa jurídica de natureza cultural, não configura a intermediação referida neste artigo.” Com a inserção deste parágrafo, foi então regulada e legalizada a figura da pessoa que é contratada ou oferece seus serviços para elaboração de projetos e captação de recursos para projetos culturais.
Conclusão
Esta é uma avaliação jurídica da Lei Rouanet, instrumento legislativo que regulamenta o marketing cultural. Ferramenta singular, é um potente fator de movimento econômico e social, uma vez que gera milhares de empregos diretos e indiretos; movimenta a economia do país, trabalhando em parceria com diversos setores econômicos, como o turismo e a publicidade; gera riquezas; e fortalece a identidade cultural do país, educando e despertando a cidadania de crianças e adultos brasileiros através das artes.
É preciso uma reflexão aprofundada da lei por parte do empresariado brasileiro, que por desconhecimento ou menosprezo, ainda não conseguiu enxergar o enorme potencial desta ferramenta de marketing e incentivo fiscal. Seus benefícios são inúmeros. Basta usá-la.
* David Bessa Alves é advogado em Curitiba e especialista em Leis de Incentivo à Cultura.
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