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Boca de rua tem muito a dizer

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor

Desde junho do ano passado, as jornalistas Rosina Duarte e Clarinha Glock vêm se reunindo com 12 jovens moradores de rua numa praça de Porto Alegre para saber o que eles têm a dizer. E conseguiram o que parecia impossível: produziram um jornal, que é vendido pelos próprios jovens – hoje repórteres, redatores, ilustradores, fotógrafos. Assim nasceu o “Boca de Rua”, cujo número zero circulou em janeiro.

Os 11 rapazes (e mais uma única moça que integra o grupo) são semi-alfabetizados, e contam com o apoio e o estímulo dos jornalistas para articular suas idéias e expressá-las em palavras - em texto. Aqueles que encontram mais dificuldade nesta tarefa, conseguem se expressar fazendo reportagens fotográficas ou mesmo desenhando - a logomarca do jornal foi criada por um dos rapazes.


Os jovens registram a sua realidade: fotografam os lugares onde dormem, gravam suas próprias vozes, assumem em seus textos as práticas do seu dia-a-dia. Sem hipocrisia. Contam sobre as suas experiências com as drogas e os assaltos, por exemplo. Rosina lembra que o grupo resistiu à idéia de escrever - preferiam ser entrevistados. "Pouco a pouco, eles foram criando intimidade com os gravadores, e passaram a entrevistar uns aos outros. Depois, nós os estimulamos a transcrever as entrevistas, destacar as informações mais importantes no texto, auxiliamos na revisão. Hoje, eles fazem reportagens - e, muitas vezes, sem se dar conta disso" diz a jornalista.


Conquistar a confiança dos jovens não foi fácil. Eles são sobreviventes de um grupo grande, que foi dizimado – muitos morreram por causa das drogas, alguns foram presos, outros foram assassinados. Segundo Rosina, este grupo já havia passado por vários projetos – um livro, que eles nunca viram; uma pesquisa, da qual não souberam os resultados. Isso, ao mesmo tempo que os uniu, também causou um descrédito diante de propostas novas. Entretanto, os jornalistas têm conseguido se afinar cada vez mais com o grupo. Um exemplo disso é o ritmo da produção: para fazer o primeiro número do Boca de Rua, foram necessários seis meses de encontros. Para a segunda edição, foram necessárias apenas três reuniões para aprontar a publicação.


Rosina e Clarinha são integrantes da Alice – Agência Livre para a Infância, Cidadania e Educação – uma ong formada por jornalistas. O propósito da organização é promover a discussão da imprensa de forma crítica, consciente, além de incentivar projetos sociais ligados à comunicação. Segundo James Görgen, um dos fundadores da ong, "essas pessoas querem ter um canal" e cita o exemplo de um dos integrantes do grupo, que registrou seu próprio drama: o rapaz fotografou a si mesmo utilizando drogas injetáveis. "Eu nunca tinha visto uma pessoa se expor assim" diz James. "Além disso, ele fez todo um mapeamento do local onde dorme, fotografando detalhes da rua. Ele fez uma reportagem impressionante".


As máquinas fotográficas utilizadas são descartáveis e foram doadas por uma loja de material fotográfico. O gravador é dos próprios jornalistas que integram a Alice e a impressão do jornal foi feita com o apoio da Fundação Mauricio Sirotsky Sobrinho. O Boca de Rua também recebe apoio da Lavoro C&M. O jornal é vendido nas ruas pelos próprios jovens repórteres - que ficam com todo o dinheiro arrecadado com as vendas -pelo preço de R$ 1,00 .


Para entrar em contato com a Alice, basta enviar uma mensagem para o e-mail alicebr@bol.com.br

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