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A difícil tarefa de administrar sonhos

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Luiz Carlos Merege*


Crescimento do 3º setor exige gestão reformulada


A grande maioria das organizações do Terceiro Setor nasceu tendo como referência um projeto bastante específico. Na realidade, tais projetos se constituem na materialização de um sonho de seus idealizadores que passam a dedicar todas suas energias para uma determinada causa.


São verdadeiros empreendedores que, indignados com a situação social em nosso país, decidiram dedicar o seu trabalho para a transformação de pessoas e proporcionar melhoria nas condições de vida da população mais carente. Ao implementarem o seu projeto deparam-se com uma demanda que ultrapassa de longe suas capacidades de atendimento.


Se pensarmos em categorias clássicas como oferta e demanda, não existe mercado mais desequilibrado no Brasil do que o mercado dos chamados bens públicos. A acelerada urbanização que o país vivenciou nos últimos cinqüenta anos resultou em parcelas crescentes de nossa população que não tem acesso a serviços essenciais para uma vida digna.


Este desequilíbrio seria uma das explicações para o rápido crescimento do Terceiro Setor nas últimas décadas, tendo em vista as inúmeras oportunidades que oferece para aqueles que desejam dedicar suas vidas a serviço da coletividade.


A forte e crescente pressão por mais serviços ocasionou uma situação particular nas entidades do Terceiro Setor. As organizações, até agora, vinham focando suas ações prioritariamente nas atividades-fim para sua missão. Neste modelo a maior preocupação era com a qualidade dos serviços e com a captação de recursos que garantissem a sua sobrevivência.


Atualmente, além das pressões da demanda por mais serviços na comunidade onde atua, as organizações estão sendo procuradas por governos e pela iniciativa privada para parcerias em projetos que clamam pela ampliação de sua capacidade de atendimento. Sem contar que importantes organismos de financiamento internacional decidiram incrementar suas transferências de renda e investimentos para o terceiro setor.


Estas pressões estão exigindo uma nova forma de administrar a sustentabilidade das organizações, tanto na ponta da prestação de serviços como na sua retaguarda administrativa. E os dirigentes das organizações conscientizaram-se rapidamente de que há uma premente necessidade de revolucionar a forma de gestão no terceiro setor.


Esta conscientização aparece claramente no aumento considerável da procura por cursos de gestão social em nosso país. Exemplo desta demanda crescente é o número de inscrições no curso que é oferecido pela FGV em São Paulo. Este número está entre os dois maiores dentre mais de 30 cursos oferecidos pelo Programa de Educação Continuada. A relação de candidatos por vagas tem sido de quatro para uma, indicando uma grande vontade dos dirigentes de entrar em contato com conhecimentos que resultem em um melhor desempenho administrativo de suas organizações.


Considerar as atividades-meio tão importante como as atividades-fim para a sustentabilidade das organizações, se constitui num grande desafio para combinar a realização de sonhos com técnicas. Muitos dirigentes reagem a essa proposta temendo que novas técnicas e métodos administrativos possam diminuir o idealismo das missões a que se comprometeram.


Por tratar-se de um enfoque mais sistêmico, ou seja, sair de um caso particular de oferta de um determinado serviço para uma abordagem institucional, os desafios são de fato enormes. Um exemplo desta dificuldade aparece quando se solicita aos dirigentes que elaborem um plano estratégico institucional. Para aqueles que nunca trabalharam com tal técnica, este desafio, não raras vezes, é confundido com a elaboração de um projeto específico e o conteúdo de tal exercício acaba refletindo os formulários que geralmente são preenchidos para se captar recursos junto a órgãos financiadores.


A abordagem sistêmica significa uma grande mudança qualitativa no papel dos dirigentes. O primeiro grande desafio surge com o abandono da forma passiva de administrar, isto é, de resolver problemas que já aconteceram para uma atitude preventiva e pró-ativa.


O conhecimento e familiaridade com os conceitos de planejamento estratégico institucional tornam-se essenciais para se iniciar o processo de mudança na forma de gestão. Eles permitirão uma análise metodológica dos contextos interno e externo, que acaba indicando quais as mudanças administrativas necessárias assim como quais oportunidades devem ser abraçadas e transformadas em projetos.


Desta forma os projetos passam a fazer parte de uma estratégia institucional, deixando de ser iniciativa autônoma para se constituir em objetivo tático no cumprimento da missão. A lógica deste procedimento é tão forte que quando colocada sob a forma de um pequeno documento - o plano estratégico -, tem dado excelente resultado na captação de recursos.


As organizações que já passaram por tal processo de mudança acabaram descobrindo que cuidar metodologicamente das questões administrativas significa evitar grandes turbulências em sua trajetória de vida, liberando os seus dirigentes para dedicar mais energia na luta pela causa que abraçaram.


Luiz Carlos Merege, 58, é coordenador do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Centro de Estudos do Terceiro Setor-CETS da FGV/EAESP.


Este artigo foi publicado no Jornal Valor - http://www.valoronline.com.br/, em 13/02/2001.

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