Autor original: Daniela Muzi
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A situação dos direitos das mulheres no Brasil está longe da ideal. Mercado de trabalho, saúde, aborto e violência são alguns temas que ainda precisam ser aprofundados para que se alcance a igualdade de gêneros. A Rets conversou sobre isso com Célia de Jesus, integrante do Setor de Gênero do MST e uma das organizadoras da Marcha de Mulheres Sem Terra que acontecerá no Rio, no dia 8 de março. Célia fala sobre mudanças, lutas diárias e paz para as mulheres.
Rets - Há mais de 100 anos as mulheres lutam por seus direitos. Ainda assim, somos (junto com as crianças) as principais vítimas de desequilíbrios econômicos, sociais e violência. Como se comemora o Dia Internacional da Mulher no 3º milênio? Há o que festejar?
Célia de Jesus - Bem, na nossa visão não há o que comemorar. Temos que cada dia mais lutar por transformações. Nós temos que nos movimentar para que as mudanças possam acontecer. Por mais que a gente já venha lutando muito, ainda existe muita falta de respeito com relação às mulheres - e aos homens, também - que muitas vezes não têm o direito de se expressar porque o próprio sistema impede isto.
Rets - O tema que marca o Dia Internacional da Mulher este ano é "As mulheres e a Paz". As mulheres do MST pretendem abordar esta questão? Há paz para a mulher brasileira?
Célia de Jesus - Não existe paz para nós mulheres. Vivemos uma guerra, 24 horas por dia. O que existe é uma luta para que a paz um dia venha. A mulher do campo ainda esquece de si mesma, se dedicando à educação dos filhos e a sustentar a casa. Nós ainda lutamos para conscientizar as mulheres do direito à divisão de tarefas dentro de casa - muito poucas têm essa clareza, a maioria é muito oprimida. Nosso trabalho é constante para levar à famílias esta consciência: queremos uma família sólida, com relações equilibradas. Sem isto, não há paz na vida das mulheres - e nos lares. Sem respeito e justiça não há paz.
Rets - Qual vai ser o tema principal da Marcha do dia 7?
Célia de Jesus – Nosso trabalho é no sentido de construção de um novo Brasil feito pelas mulheres trabalhadoras rurais. Nós temos que mostrar às novas gerações e aos nossos filhos que podemos viver com liberdade, sem dependência e com igualdade. Na verdade, os homens são muito mais dependentes da mulher do que o contrário. O que se pretende é passar para as futuras gerações que nós somos emancipadas. A mulher do campo já tem a clareza do que pode fazer, do que é capaz. Mas o capitalismo impede essa livre expressão, até por questões econômicas. Os salários são menores, o trabalho feminino é desvalorizado, mesmo quando a mulher exerce atividades iguais às dos homens. Queremos conscientizar os jovens, os nossos filhos, do nosso direito à igualdade, para que eles construam uma nova sociedade.
Rets - Que caminhos vocês vislumbram para um maior equilíbrio nas relações de gênero em nossa sociedade?
Célia de Jesus - Na minha visão, o que pode levar a esse caminho é o respeito – sem ele, não se chega a lugar nenhum. Educação também é um dos passos principais. Além da educação, é fundamental trabalhar a auto-estima das mulheres. Elas têm que criar dentro de si essa confiança para partir para a luta pela igualdade. Elas quase não acreditam no seu direito à igualdade – por questões culturais, pela criação que recebem no campo. Elas sabem, têm clareza do seu potencial, mas por causa do domínio dos homens elas ainda não se prontificaram a agir, e esperam muitas vezes a iniciativa masculina. Para criar essa auto-estima, nós trabalhamos muito – em encontros, palestras, mostrando exemplos de mulheres que conseguiram seu espaço. O ideal seria que houvesse mais recursos para essa conscientização.
Rets – Na sua opinião, que questões fundamentais devem ser discutidas sobre a situação das mulheres no Brasil?
Célia de Jesus – Acho que ainda é a questão da violência, que continua sendo muito grande. É um dos primeiros passos. Não sei ainda que caminho pode ser tomado para amenizar esse problema. A violência contra as mulheres no campo ainda é grande, elas têm pouco conhecimento sobre os seus direitos e são muito violentadas.
Rets – As demandas e necessidades das mulheres do campo são diferentes das mulheres da cidade em que aspecto?
Célia de Jesus – Tanto as mulheres do campo quanto as da cidade têm uma dimensão de conhecimento muito limitados. Eu não vejo muita diferença entre as mulheres do campo e da cidade. A violência ocorre da mesma forma. Apesar das mulheres da cidade terem mais acesso à informação, isso não faz muita diferença nos problemas que elas enfrentam.
Rets – As mulheres têm tido cada vez maior participação na política brasileira. Como isso reflete para o país?
Célia de Jesus – A participação da mulher na política ainda é pequena. Elas estão ocupando um espaço que deveria ser mais aberto, mas eu não vejo a devida participação das mulheres entre os políticos. A atuação das companheiras poderia ser maior. No meio político, quando se tem um trabalho de gênero, a gente acaba ouvindo muitas promessas, mas na prática, nem sempre o trabalho é levado em conta.
Rets – Um país onde as mulheres tenham a devida representatividade tem mais chances de superar mazelas sociais? Por quê?
Célia de Jesus – Acho que se deve pensar não apenas na participação das mulheres na política, mas numa transformação mais profunda do papel da mulher em toda a sociedade. É preciso ir além. Quando a mulher tiver uma participação social efetiva, quando houver a reviravolta cultural que trará uma sociedade mais justa e equilibrada, igualitária na participação de homens e mulheres, aí sim se constrói um país novo.
Rets: Que recado você deixaria para as mulheres - do campo e da cidade - nesta época de comemoração do Dia Internacional da Mulher?
Célia de Jesus - O recado que eu deixaria é que lutem, porque só através da luta e da formação de uma nova consciência, é que a gente vai fazer um mundo novo - no lar, na rua, na criação dos filhos – em todos os momentos. Basta creditar em si mesma. Autoconfiança é o primeiro passo.
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