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Elas não estão dominadas

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Nesse Dia Internacional da Mulher, o Centro de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cemina) e a RedeH resolveram festejar menos e agir mais. Na verdade, decidiram reagir contra a onda de desrespeito à mulher que vem inundando nossos ouvidos através das letras de músicas que estão "dominando" a grande mídia. Usando classificações como "cachorras", "potrancas" e "popozudas", as músicas se referem às mulheres com extremo mau-gosto. O Cemina preparou uma campanha com spots radiofônicos, utilizando as próprias músicas de funk que mais fazem sucesso. A coordenadora do Núcleo de Produçóes Radiofônicas, Denise Viola, conversou com a Rets e disse como a entidade pretende mostrar que tapinha dói, sim e que nem todas as mulheres querem ser "porporinadas" ou "gramurosas". A grande maioria quer mesmo é respeito.


Rets - Como é a campanha que o Cemina e a RedeH prepararam?


Denise Viola - É uma série de cinco spots que foram veiculados durante todo o dia 8 de março, a partir de um estúdio móvel montado na Cinelândia - onde aconteceu ao longo de toda a semana uma série de atividades em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Os spots usam as principais músicas do funk, como "Tapinha não dói", "Bonde do Tigrão" e a música das cachorras. A partir de suas letras, elaboramos textos refutando esse tratameto que vem sendo dado à mulher. Nas transmissões de ontem, tivemos uma frequência exclusiva no dial: 97,7. Depois, os spots irão ao ar pelo programa Fala Mulher (produzido regularmente pelo Cemina), no sábado, entre 7h e 8h da manhã, na Rádio Bandeirantes e os originais estarão à disposição de quem quiser reproduzir. A veiculação pelas integrantes da Rede de Mulheres no Rádio - que conta com mulheres de rádios comerciais, comunitárias, estatais ... - é que ainda não está definida, por falta de verba para copiagem e envio.


Rets - O que se pretende alcançar com essa campanha?


Denise Viola - Primeiro de tudo, abrir o debate - o que essas músicas representam? Qual é a imagem que está sendo apresentada da mulher? Isso é libertação ou armadura? Será que as "popozudas", como foram definidas em matéria da Folha de São Paulo são pós-feministas ou joguetes do sistema? A cada vez que o assunto surge, tem sempre alguém por perto que também se diz indignada, mas como medo de serem tachadas de moralistas, ultrapassadas, se sentem muito pouco à vontade para se colocar contra. Temos clareza de que não vamos conseguir acabar com essas letras, nem fazer com que, de uma hora para outra, a mulher passe a ser tratada como gostaríamos. Mas, na pior das hipóteses, queremos que as pessoas pensem e reflitam sobre esse momento que estamos vivendo - que valores são esses? Um ser humano vale pelo tamanho do "popô" ou pelo que ele é? Queremos expressar nossa indignação publicamente para que não se passe - como está sendo passado - que isso tudo é natural, inevitável, e que está todo mundo de acordo.


Rets - O que dizem os textos dos spots?


Denise Viola - Nós queremos chamar a atenção para uma série de fatos que ocorrem cotidianamente - por influência dos conteúdos das músicas - e que podem ter consequências muito maiores. Em primeiro lugar, a violêcia contra a mulher, banalizada e acima de tudo, estimulada com a música "Tapinha não dói". Um tapinha dói, sim. A cada 4 minutos, uma mulher é vítima de violência no Brasil. Na grande maioria dos casos, os agressores são pessoas próximas das vítimas. Há também a vulgarição da forma como a mulher é tratada, transformada em objeto, em pedaço de carne que deve ser usado, consumido e descartado. Vemos ainda a estimulação precoce ao sexo ... o Jonathan - filho de Verônica e Rômulo Costa - tem apenas sete anos e lançou essa música que fala de pegar um filé com popozão [Dance potranca / Dance com emoção / Eu sou o Jonathan da nova geração / Mas eu já estou crescendo / Cheio de emoção / E eu já vou pegar o filé com popozão]. Nós sabemos que a pedofilia é uma questão grave no país e quem faz essas letras não está pensando nas consequências que podem ter. Qualquer criança hoje em dia sabe as coreografias do funk e muitos pais ensinam as mesmas, como pude constatar. Ou seja, os pais têm uma função de peso em como as crianças irão encarar a vida e quais os valores que formarão. Um dos spots aborda essa responsabilidade. E, finalmente, uma das questões mais importantes, que é a valorização da mulher apenas pelas partes do corpo. Cadê a valorização da mulher como ser integral e cidadã, com direitos, responsabilidades, desejos, questionamentos?


Rets - Como as próprias mulheres têm encarado essa moda?


Denise Viola - A grande pergunta é até que ponto elas escolhem. Muitas delas embarcam nessa moda justamente porque é moda. Aí começam a gostar de serem chamadas de cachorras e popozudas. Além disso, vestem a camisa, o que é extremamente perigoso: as mulheres podem começar a perder o respeito por si mesmas. Já está acontecendo - uma vez que muitas mulheres escrevem essas músicas, como a própria MC Beth, autora do funk do tapinha. Existe indignação por parte de várias mulheres e grupos de defesa dos direitos femininos. Alguns exemplos são a União de Mulheres Brasileiras de São Paulo, a Secretaria Nacional de Juventude do PT, a União de Mulheres Brasileiras do Rio de Janeiro, O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o SOS Corpo, de Recife, a União de Redes de Rádio pela Democracia (UNIRR), a Rede de Mulheres no Rádio - Brasil, a REDEH - Rede de Desenvolvimento Humano, o Gabinete da Deputada Estadual Cida Diogo (do PT-RJ). Muitas mulheres já vêm discutindo a questão e buscando mecanismos para "frear esse bonde". O problema é que essa indignação não consegue ganhar voz na grande mídia.


Rets - E por que você acha que isso acontece?


Denise Viola - Porque há muitos interesses envolvidos. A grande mídia ganha muito dinheiro com audiência, as gravadoras aumentam suas vendas e muito mais. Por isso fica difícil alguém que quer se opor a esse sistema conseguir ser ouvido. Se ainda se dissesse que é um movimento para ascender socialmente uma fatia da sociedade desprovida ou excluída, mas não é isso que ocorre. Os MCs não são bem remunerados, não ganham quase nada com a venda dos Cds. Seus maiores rendimentos vêm dos bailes que realizam. Os lucros ficam concentrados nas mãos de poucos. Além disso, para se afirmar que é um movimento social, as músicas teriam que estar discutindo temas um pouco mais profundos. Ao invés disso, as músicas de sucesso só falam de sexo e "popozão". Longe de defender a censura, acreditamos ter o direito de sermos tratadas com dignidade e respeito. Até porque, a liberdade de um acaba onde começa a do outro - em outras palavras, todos têm o direito de se expressar, mas nós também o temos para expressar nosso repúdio. E o nosso direito de não sermos tratadas de forma tão chula está sendo violado.

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