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Cidadania em favor das águas

Autor original: Flavia Mattar

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De acordo com estudos mundiais, dentro de 50 anos, se nada for feito para conter a degradação dos recursos hídricos, poderá não existir mais água própria para o consumo humano no planeta. O alarme já foi dado e o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA-RJ) está fazendo a sua parte para combater o problema: há três anos criou o Movimento de Cidadania Pelas Águas. O objetivo é fazer com que a sociedade civil organizada participe da gestão de recursos hídricos. Em entrevista exclusiva à Rets, o presidente do CREA, José Chacon, fala sobre a abrangência desta iniciativa e como os interessados podem contribuir para fortalecer ainda mais esse projeto.


Rets - Quando foi criado e quais os principais objetivos do Movimento de Cidadania Pelas Águas?


José Chacon - O Movimento de Cidadania pelas Águas surgiu em 1997. Entre seus objetivos está o de atender a uma demanda da Lei 9433/97 (conhecida como Lei das Águas), que prevê participação da sociedade civil organizada na gestão dos recursos hídricos, através dos comitês de bacias hidrográficas. Além de lutar pela participação social, o movimento veio para aglutinar as instituições e as pessoas que atuam em prol da preservação ambiental.


Rets - Esse movimento é uma iniciativa do CREA? Como começou o interesse da instituição pelo assunto?


José Chacon - O CREA-RJ, em agosto de 1997 realizou um Seminário Nacional que discutiu a Gestão dos Recursos Hídricos. Em setembro do mesmo ano, a instituição foi oficializada como Centro de Referência do Rio de Janeiro. Desde então, abraçamos o Movimento e fomentamos a formação de novos centros por todo o estado do Rio e em outros locais, como Sergipe, Juiz de Fora, Maranhão, Piauí, Amazonas e Rondônia. Atualmente, no Rio, existem 55 centros inaugurados e ainda há uma lista com mais de 25 centros já trabalhando, mesmo sem estarem oficializados. Somam-se a estes 27 centros de outros estados, dando uma dimensão nacional ao Movimento.


Entendemos que as profissões do Sistema Confea-CREAs (engenharia, arquitetura, geologia, agronomia e etc) são responsáveis por atividades que causam sérios impactos ambientais. Além disso, também é objetivo do CREA conscientizar os profissionais de sua importância neste processo de interferência no meio ambiente, de defesa da biodiversidade e do uso racional dos recursos naturais.


Rets - Quem faz parte do Movimento de Cidadania Pelas Águas? Como as ongs interessadas no tema podem contribuir?


José Chacon - Os Centros de Referência do Movimento de Cidadania pelas Águas reúnem instituições e membros da comunidade local interessados em conservar os recursos naturais para as atuais e futuras gerações. Entidades da sociedade civil, órgãos do poder público e cidadãos de qualquer localidade podem solicitar a criação de um Centro de Referência, através da Coordenação Estadual do Movimento, que funciona na Assessoria de Meio Ambiente do CREA-RJ. Os telefones de contato são 206-9662, ramais 114, 103 e 105.


Rets - O CREA tem propostas de desenvolvimento sustentável. Qual a importância do desenvolvimento sustentável para amenizar os problemas relativos à água? O senhor poderia citar algumas das estratégias de desenvolvimento sustentável formuladas pelo CREA, no que diz respeito à questão da água?


José Chacon - Não podemos separar desenvolvimento de sustentabilidade. É preciso mudar os modelos atuais que se baseiam na errônea idéia de que os recursos naturais são inesgotáveis e numa estreita visão que desconsidera o inter-relacionamento de uma determinada atividade com o meio. Quando preconizamos, por exemplo, a preservação das matas ciliares e a implantação de medidas que evitem a poluição dos rios e do lençol freático, é porque qualquer forma de degradação dos mananciais compromete inúmeras espécies, inclusive o homem. Logo, o múltiplo uso dos rios, para fins de geração de energia, transporte, lazer, irrigação, uso industrial, fonte de alimentos e de abastecimento de águas para o saneamento básico das cidades deve ser feito sem comprometer a existência dos cursos d' água, ou seja, manter a sustentabilidade do recurso para garantir por um longo prazo o desempenho destas atividades.


Rets - Quais são as formas mais comuns de desperdício da água?


José Chacon - O desperdício doméstico: goteiras, vazamentos e descargas desreguladas e outras ligadas aos maus hábitos culturais no uso da água. Detalhes que passam despercebidos, como longos banhos e torneiras abertas enquanto escovam-se os dentes, acabam representando um aumento significativo no consumo final.


Também há o desperdício industrial, por exemplo, a utilização da água limpa para resfriamento de maquinários podendo contaminá-la com compostos químicos, que impossibilitam o uso desta para fins mais nobres.


Entretanto, o setor campeão em desperdício é a agricultura, através de projetos de irrigação mal dimensionados, defeitos em equipamentos de aspersão e mal planejamento na captação.


Rets - Caso nada seja realizado de efetivo para conter o uso indevido da água, em quanto tempo o planeta ficaria sem a parte de água doce de mais fácil aproveitamento? O senhor teria como prever isso?


José Chacon - Segundo estudos mundiais, caso o desperdício e a degradação dos recursos hídricos mantenha esse ritmo alucinado, dentro de 50 anos não existirá mais água própria para o consumo humano no planeta. Apesar de ¾ da Terra estarem cobertos por água, apenas 0,63% é doce, estando os outros 97, 3 % nos mares e os restantes 2,07% sob a forma de geleiras. Enfim, a população mundial vem crescendo, mas as fontes de água potável diminuem. O programa das Nações Unidas já alertaram para um possível colapso das reservas de água doce em 2025. Precisamos alterar o atual modelo e assim evitar esta tragédia.


Rets - O que teria que ser feito se o planeta ficasse sem essa água doce? Qual seria o impacto desta situação?


José Chacon - Existe a possibilidade da utilização das águas subterrâneas, das geleiras e da des-salinização da água do mar . Entretanto, já é apontado a contaminação de 25% das águas subterrâneas e a inviabilidade econômica do aproveitamentos da água das geleiras e dos oceanos. O maior impacto causado pela escassez da água será o desaparecimento da vida.


Rets - Recentemente começou a funcionar a Agência Nacional das Águas (ANA). Quais são os pontos positivos e negativos desta iniciativa?


José Chacon - Ela é fundamental, já que deverá outorgar e cobrar pela utilização da água. Felizmente o governo federal, depois de quase quatro anos de existência da Lei 9433, resolveu criar de fato a ANA. Entretanto, é necessário que ela seja transparente e democratize as decisões. Um dos principais problemas, já no texto de lei da sua criação, é a falta de garantia explícita de que o dinheiro arrecadado nas bacias seja investido em favor das próprias.

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