Do JusBrasil Notícias - A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter o texto original da Lei da Anistia, conforme promulgado em 1979, foi alvo de críticas por parte de dirigentes da Organização das Nações Unidas (ONU). Para entidade, a rejeição do pedido da OAB para punir crimes do período militar significa impunidade. A principal autoridade da ONU para direitos humanos, a sul-africana Navi Pillay, pediu o fim da impunidade no Brasil.A alta comissária da entidade para os Direitos Humanos disse que a ONU continuará lutando contra o que considera impunidade. "Essa decisão é muito ruim", disse Navi. "Sempre vamos combater leis que proíbam investigações e punições".No ano passado, em visita ao Brasil, ela já havia alertado que o país precisava "lidar com seu passado". Há dois meses, em Genebra, ela voltou a falar no assunto com o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, dando apoio a iniciativas que levassem à revisão da lei de anistia.Ela ficou surpresa com o fato de o Brasil seguir uma direção diferente ao que ocorre na Argentina e em outros países latino-americanos em termos de investigações contra os responsáveis por torturas nas ditaduras.O Comitê Contra a Tortura da ONU, formado por juristas de renome internacional, também criticou o STF. "É incrível, uma afronta", afirmou o jurista espanhol Fernando Mariño Menendez. "Leis de anistia foram tradicionalmente formuladas por aqueles que cometeram crimes, seja qual for o lado. É um auto perdão que o século 21 não pode mais aceitar"."Parece que o Brasil está ficando igual à Espanha. As forças que rejeitam olhar para o passado estão prevalecendo", disse, em alusão à situação do juiz Baltazar Garzon, que pode perder seu posto diante da tentativa de abrir os arquivos da Guerra Civil, há mais de 70 anos.Decisão do STF acaba com chance brasileira na ONUO jurista Fábio Konder Comparato, que formulou ação contestando a Lei da Anistia (Lei 6.683/79), acredita que a decisão de não revisar a legislação que perdoou crimes comuns cometidos por agentes do Estado durante o período militar é um "escândalo internacional". No dia 29, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)."O Brasil é um país de duas faces. Lá no exterior, nós somos civilizados e respeitadores dos direitos humanos, sorridentes e cordiais. Por dentro, nós somos de um egoísmo feroz", observou. "Isso é um escândalo internacional. Nós somos o único país da América Latina que não julgou inválidas essas anistias."Segundo o jurista, no Peru e no Chile as leis de anistia foram revistas após julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).Comparato acredita que o Estado brasileiro será condenado, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por causa da prisão arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. O julgamento na Corte está previsto para os dias 20 e 21 de maio.Na avaliação do jurista, a condenação na Corte vai afetar pretensões da chancelaria brasileira. "Com isso cai por terra todo o projeto do Itamaraty de fazer com que o Brasil ocupe uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas", ponderou.O relatório da OEA, acatando a denúncia apresentada pela seção brasileira do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) e pela Human Rights Watch/Americas (HRWA), está disponível no site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (www.cidh.org/annualrep/2000port/11552.htm).Para Criméia Almeida, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, o resultado do julgamento "era esperado". Em sua opinião, no Brasil, "o Poder Judiciário tem a postura a favor da impunidade".Segundo ela, a decisão de ontem "faz o que João Batista de Oliveira Figueiredo [último presidente militar, que assinou a Lei da Anistia] não teve coragem de fazer".Na avaliação da Criméia, "o ex-presidente foi mais dissimulado". “A lei não diz que estão anistiados quem cometeu crime comum", ressalva.Para o presidente do Clube Militar, general Gilberto Barbosa de Figueiredo, o Supremo não poderia tomar outra decisão. Em sua opinião, "ficaria complicado" rever o alcance da Lei da Anistia . "Seria uma reviravolta", comentou.A decisãoO Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por sete votos a dois, manter o texto original da Lei da Anistia, conforme promulgado em 1979. Ao julgarem uma ação protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os ministros da Suprema Corte negaram o pedido de exclusão do perdão dado aos agentes públicos que torturaram ou mataram durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).Em 1979, o regime da ditadura militar fez passar no Congresso Nacional a Lei nº 6.683/79, a chamada Lei de Anistia. O artigo 1º e os parágrafos 1º e 2º estabeleceram os limites da anistia:"Art. 1º - É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.§ 2º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal." A lei teria anistiado os crimes políticos e aqueles conexos a eles. São conexos os crimes que têm a mesma motivação, que são praticados pelas mesmas pessoas e que são praticados nas mesmas circunstâncias temporais e geográficas, sendo as provas de uns dependentes das de outros.Para os que defendiam a revisão da Lei de Anistia, os crimes praticados pelos agentes do estado não são conexos àqueles praticados por quem resistiu ao regime ditatorial. No entendimento dos que defendem a revisão, o crime político é aquele cuja motivação é atingir um regime político e não pode ser conexo aos crimes praticados com a motivação de defender esse mesmo regime.Recheado de polêmicas, o histórico julgamento foi iniciado na quarta-feira, dia 28 de abril, quando o relator do processo, ministro Eros Grau, seguiu o entendimento do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União (AGU) ao votar pela manutenção da lei. A legislação de 1979 deixou de fora apenas os acusados de terrorismo, assalto, sequestro e atentado.A OAB pedia a revisão do artigo 1º da lei, que prevê anistia aos crimes "conexos" relacionados aos crimes políticos, para que o perdão deixasse de alcançar os torturadores. O tema causou divergência dentro do próprio governo federal, mas prevaleceu a posição da AGU de manter a anistia ampla e irrestrita.Apenas dois ministros se posicionaram pela revisão da lei. Prevaleceu o voto do relator, que foi elogiado pelos que o seguiram. "O ministro Eros fez o mais brilhante voto perante essa corte", disse Gilmar Mendes. "Cumprimento o ministro Eros Grau pelo consistente voto proferido, que servirá para reflexão e alerta a gerações futuras", anotou Março Aurélio Mello. Eros Grau, preso político do regime militar, alertou, ao votar anteontem, que não cabe ao Poder Judiciário revisar a lei. O papel, segundo o relator, é restrito ao Legislativo.O STF decidiu, na prática, que não cabe ao Poder Judiciário alterar a Lei da Anistia. Esta alteração competiria ao Congresso Nacional. Assim, a situação só pode ser modificada caso o Congresso Nacional decida revogar a anistia de 1979, e substitui-la por outra Lei, ou simplesmente alterá-la.
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