Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Paulo Haus Martins*
Introdução
23 de Março de 2001 deveria ser uma data fatídica para o Terceiro Setor no Brasil. Contudo, não será mais. No fim de fevereiro de 2001 o governo federal fez publicar uma Medida Provisória com 32 artigos e muitas e variadas alterações em leis das mais diversas. Tem de tudo e um pouco de tudo.
No artigo 29 da Medida Provisória nº 2123-29, de 23/02/2001, o artigo 18 da lei 9790/99, a lei das OSCIPs, foi alterado e o prazo original de 2 anos foi prorrogado por mais 3, passando a ser de 5 ao total. Essa alteração interessa a todas as organizações do Terceiro Setor no Brasil.
A lei 9790/99, conhecida como Lei das OSCIPs ou Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil causou grandes expectativas antes de ser aprovada. Uma vez que a lei foi aprovada, passando a vigorar, muita confusão, idéias erradas e preconceitos foram revelados. A lei tem provocado, nos dois anos de existência, sentimentos intensos, confusos e contraditórios. A imensa maioria das organizações do terceiro setor ainda não a compreende integralmente e tem receio de optar pelo título de OSCIP. Todos estão muito curiosos e guardam alguma expectativa quanto ao desenvolvimento do marco legal. O tema desse artigo é, talvez, a maior de todas as confusões a que as organizações se vêem submetidas ao ler a lei: o prazo do artigo 18. A seguir, vamos analisá-lo melhor.
O caso · o limite estabelecido pelo artigo 18 da lei 9790/99
No texto do tema do mês de janeiro de 2001 (publicado na seção “Legislação”, no site da Rits), já tivemos oportunidade de falar sobre o assunto. Vou tentar não ser repetitivo.
A lei das OSCIPs (9790/99) foi sancionada pelo Presidente da República e, após, publicada no Diário Oficial de 23 de março de 1999, entrando em vigor na data de sua publicação.
Nessa lei foi criado o título de OSCIP, sigla de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Antes da lei 9790/99 as organizações do Terceiro Setor podiam pretender portar os títulos de Utilidade Pública Federal (lei 91/35), Estadual ou Municipal, e Certificado de Fins Filantrópicos emitido pelo CNAS (lei 8742/1993).
Até a lei das OSCIPs, nada impedia que uma organização portasse mais de um título. Assim, das organizações que conseguiam títulos, várias possuíam a Utilidade Pública Federal, a Estadual e a Municipal, concomitantemente com o Certificado de Fins Filantrópicos.
Ocorre que o artigo 18 da lei 9790/99 instituiu uma curiosa limitação. Por esse artigo quem tiver o título de OSCIP somente poderá portar outros títulos durante um certo período de tolerância. Depois deverá optar pelo título de OSCIP ou pelos outros.
Esse prazo, na versão original da lei era de dois anos, a contar da data de entrada em vigência. Terminaria, portanto, em 23 de março de 2001.
Com tanta expectativa criada em torno da lei, muitas das organizações pensaram que o título seria obrigatório. Não é obrigatório, é opcional. Muitas outras confundem o prazo, pensam que em 23 de Março de 2001 as organizações estariam sendo obrigadas a optar entre o título de Utilidade Pública e o de OSCIP. Também não é verdadeiro. Por fim, muitos outros acreditam que a partir de 23 de Março de 2001, quem portar um dos títulos não poderá jamais portar outros, o que também não corresponde ao que diz a lei.
O título de OSCIP é um título opcional, assim como o de Utilidade Pública e o Certificado de Fins Filantrópicos. Qualquer organização pode pretender obter qualquer um dos títulos e desistir de mantê-los no futuro. Qualquer organização pode optar por um e desistir do outro. A única limitação existente é que pelo artigo 18, quem que for OSCIP não pode portar outro título a partir de certa data. Quem portar outro título, a partir da data limite, já sendo OSCIP e não optando por continuar a sê-lo, perderá esse título embora possa consegui-lo de novo no futuro.
É sempre possível escolher ser OSCIP ou optar por outro título. Isso não vai mudar no futuro. Conheço organizações que tem o título de OSCIP e pleiteiam o de Utilidade Pública. A partir do dia 23 de março de 2001, caso conseguissem o título de Utilidade Pública, estavam preparados para desistir do título de OSCIP. Caso não conseguissem, continuariam a ser OSCIP.
Outras organizações que conheço possuem os títulos antigos, mas pretendem também portar o de OSCIP. Estão convictas, contudo, que se for preciso optar, vão fazê-lo para continuar OSCIP, mesmo que percam os outros. Se não fosse necessário, manteriam todos os títulos.
Cada organização pode optar como bem entender, variando das opções no futuro e, o mais importante, ninguém é obrigado a optar por qualquer título, mesmo o de OSCIP.
Embora a redação da lei seja clara, é preciso reconhecer que nem sempre é bem compreendida. O artigo 18 causa confusas interpretações, é fato, e esse problema está longe de ser solucionado. O que mais confunde as organizações é que os motivos do limite de tolerância do artigo 18, os motivos da intolerância a partir dele, continuam obscuros para a imensa maioria das pessoas.
Pude constatar que um grande número de organizações confundiam as razões do limite da lei, acreditando que somente a partir de 23 de Março de 2001 poderiam optar em ser OSCIP. Outras achavam que seriam obrigadas a portar o título a partir dessa data.
Os autores da lei esperavam que logo que ela fosse sancionada haveria uma adesão massiva ao título de OSCIP. As premissas eram claras, a imensa maioria das organizações não tem acesso a qualquer título e estão impossibilitadas de possuí-los e mantê-los pelos custos administrativos que deles resultam.
A adesão ao título, embora não tenha sido massiva, é boa e crescente. Mas, em meu entender, a frustração nas expectativas iniciais dos autores da lei, deve-se exatamente à confusão criada pelo artigo 18. Não existisse o artigo 18 da lei 9790/99, estou convicto, o número de OSCIPs seria exponencialmente maior do que o atual.
As alterações da MP: O artigo 29 da MP e o artigo 18 da lei
A MP, como já foi dito acima, alterou o prazo de 2 para 5 anos. Assim, temos mais 3 anos pela frente do vigor da mesma regra. 23 de março de 2004, até segunda ordem, é a nova data fatalística. Confira:
(MP 2.123-29, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2001) Art. 29.
O art. 18 da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos aos requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até cinco anos contados da data de vigência desta Lei.
§ 1o Findo o prazo de cinco anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores.
Reflexos previsíveis
Alguns acreditam que o prazo de tolerância não deveria existir. Afinal de contas, se é para tolerar, porque somente por dois (ou cinco) anos? Em contrapartida, se os títulos são essencialmente incompatíveis, por que admitir que o sejam por dois anos e depois, estender esse prazo por mais do que o dobro? Pessoalmente, compreendo e respeito as razões dos autores da lei, mas não concordo com o prazo estabelecido. Lamento mais ainda a confusão criada por ele.
Acho, contudo, assim como o prazo foi estendido, a confusão criada por ele aumentou.
Acredito, também, que se o prazo fosse mantido, como originalmente previsto, um enorme rebuliço iria ocorrer, mas um problema também seria resolvido. No dia 23 de março organizações que estivessem optando pelo título de OSCIP e possuíssem o de utilidade pública federal, deveriam correr para comprovar sua opção. Caso contrário, e é muito previsível, se perdessem a hora, perderiam o título de OSCIP e, logo depois, com a desistência, o de Utilidade Pública. Acho, todavia, que o reflexo mais sensível seria o de alívio, anticlímax, com as organizações constatando que nada mudou, de fato, e que poderiam optar pelo título de OSCIP ou pelos outros, embora o primeiro seja inegavelmente mais fácil de ser obtido e mais adequado à imensa maioria das entidades do terceiro setor.
Assim, esperava pessoalmente que o reflexo mais sensível do prazo seria uma procura maior pelo título no futuro.
A prorrogação do prazo pode significar a prorrogação da indefinição.
Conclusão: um problema pendente
Soluções provisórias correspondem a manter problemas pendentes. Acredito que melhor seria deixar o prazo acontecer ou extinguir a limitação de vez.
Daqui a 3 anos, se nada mudar, se a MP for aprovada, se a novidade virar lei, vamos voltar a conversar sobre esse mesmo assunto. Acho que muitos já terão esclarecido suas dúvidas, mas acho que novas dúvidas e novos personagens com novas contribuições se encarregarão de manter as velhas confusões.
Se é verdade que o título é opcional e, também, que os outros títulos não são capazes de dar a nova identidade que uma parcela do terceiro setor reclama, é verdade, também, que a lei deveria ser mais generosa em deixar que o terceiro setor decida por si, com a tolerância que lhe caracteriza e as indiossicrasias que lhe são inerentes.
* Paulo Haus Martins é advogado e consultor da área de Legislação da Rits.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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