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Comunicação no Terceiro Setor

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

*Antônio Lino


Ainda na sala de parto, cansada e ansiosa por ter seu filho nos braços, a mãe ouve as palavras secas do médico:


- Seu filho nasceu com uma deficiência mental grave e irreversível. Sinto muito.


O médico, numa abordagem e num momento pouco oportunos, comunicava à mãe que a criança nascera com Síndrome de Down.


O que à primeira vista pode parecer frieza do profissional de saúde é resultado, na maioria dos casos, de desconhecimento do problema e das formas adequadas para proceder diante dele.


Nesta situação, que se repete com freqüência em ambientes hospitalares, o impacto psicológico do comunicado pode comprometer, em graus variados, a relação da mãe com o filho recém-nascido.


Diante disso, a APAE de São Paulo desenvolveu um trabalho de conscientização com profissionais de saúde, instruindo-os a adotar uma postura mais adequada no trato com as mães cujos filhos tenham nascido com a Síndrome de Down.


A postura da APAE nesta situação nos leva a concluir que a geração de um impacto positivo na qualidade de vida dos portadores de deficiência mental transcende o trabalho com o deficiente. Os esforços devem envolver todos os demais agentes sociais relacionados a esta causa. Os profissionais de saúde, no caso da APAE, são um destes agentes.


Esta é uma tendência cada vez mais evidente e necessária na atuação das organizações da sociedade civil: além de ser um vetor de mudança no sentido dos seus beneficiários diretos, as organizações passam a ser também agentes de transformação em todas as suas relações (com o governo, com a comunidade, com as empresas, com a imprensa, com os voluntários, com as famílias dos beneficiários, entre outras).


Ser um vetor de mudança nestas relações significa que a organização precisa se comunicar com os atores inseridos em seu contexto de atuação. E, neste sentido, ao contrário do que prega o senso comum, comunicar não significa divulgar ou fazer propaganda de uma organização ou projeto.


Acima disso, devemos encarar a comunicação das organizações sem fins lucrativos como um processo para a mudança de comportamentos e incentivo à participação consciente e efetiva de determinados agentes sociais.


Em todas as suas relações, quotidianamente, cada organização deve procurar conscientizar as pessoas sobre as variáveis implicadas no problema em questão e propor possibilidades de atuação àqueles que se dispuserem a participar.


A captação de recursos, sob este enfoque, é conseqüência. Ninguém capta recursos, de maneira sustentável, de pessoas que não conhecem ou não estão sensibilizadas pela causa com a qual a organização está lidando.


É evidente que a divulgação e a propaganda das organizações tem sua importância. Pessoas conscientes de seu papel na sociedade, dispostas a atuar frente a algum desafio ou causa social, vão ser voluntárias ou doar recursos a organizações que conheçam. É preciso, no entanto, tecer duas ressalvas:


1) A divulgação é uma pequena parte do processo. É o que aparece. É a “ponta do iceberg”. Tratá-la como o processo em sua totalidade é desconsiderar tudo o que o sustenta.


2) Marcas são maiores do que organizações. A marca “Coca-Cola”, por exemplo, expressa valores e conceitos que transcendem a fábrica de refrigerantes. No 3º setor esta relação continua existindo. A marca “Sou da Paz”, por exemplo, tem uma força imensurável.


A diferença do setor sem fins lucrativos para o empresarial aparece quando analisamos o contexto em que estas marcas são construídas. Se no 2º setor é possível ter marcas que representem o próprio segmento de mercado dentro do qual elas atuam (por exemplo, Gillette, BomBril, Chicletes, entre outras), no 3º setor este tipo de situação deve ser evitado.


Na área social, marcas continuam sendo maiores do que organizações. No entanto, causas devem ser maiores do que marcas. Se não houver uma preocupação da Fundação Abrinq, por exemplo, em difundir e conscientizar as pessoas sobre a causa com a qual ela lida, poderíamos chegar a uma situação em que empresários são sócios mantenedores da Fundação em função da força de sua marca e, no entanto, mantém crianças empregadas em suas indústrias.


Daí a importância de priorizar um processo educativo de comunicação em detrimento da mera divulgação da organização.


Além disso, sob este enfoque, não é preciso ter recursos financeiros ou recorrer a agências de propaganda para se comunicar. A grande maioria das organizações nunca vai ter acesso às agências. E nem é preciso. A boa comunicação não é a que faz mais barulho. Pelo contrário, ainda não inventaram (e nem é possível inventar) forma de se comunicar mais eficiente do que o bate-papo, a conversa pessoal, o diálogo.


No caso da APAE, por exemplo, alguns médicos foram conversar com seus colegas de profissão. Seria ineficaz tentar conscientizar os profissionais de saúde mandando folhetos ou colocando anúncios em revistas médicas. Foi necessário desenvolver uma estratégia baseada no diálogo, na comunicação interpessoal. A partir disso, para reforçar o impacto da iniciativa, foram elaborados guias de orientação, distribuídos aos médicos após as palestras e cursos realizados pela APAE.


Em outros casos, jornais de bairro podem ser muito mais eficientes do que aparições na Rede Globo. Telefonemas podem trazer muito mais resultados do que folhetos.


Ao contrário do que pode parecer, estas observações não são apenas idealismos impraticáveis. A prática tem mostrado que é possível trabalhar comunicação indo além da divulgação e da captação. E as próprias organizações estão passando a perceber isso.


Tratar a comunicação como mera divulgação, colocando marcas acima de causas, é uma abordagem superficial e prejudicial. Proceder desta forma é fomentar uma disputa velada entre as organizações da sociedade civil para ver quem aparece mais, num momento em que a atuação no 3º setor deve ser pautada pela parceria.


Nesta área de atuação recente, e carente de novas idéias, não podemos perder de vista o impacto e a consistência social do trabalho das organizações. Somente apontando para este horizonte, as técnicas e ferramentas de comunicação vão se difundir de maneira adequada e contribuirão para a construção de uma nova realidade social.


*Antônio Lino é diretor do Instituto MarCo 3 e presta assessoria a organizações do terceiro setor na área de Comunicação Social.

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