Autor original: Felipe Frisch
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Uma recente pesquisa realizada pelo Iser e WWF com a população da Amazônia revela: eles querem desenvolvimento, mas a preservação da floresta é prioridade. 46% dos entrevistados acreditam em propostas de uso sustentável dos recursos naturais, como o ecoturismo. As organizações ainda puderam constatar que a maioria dos entrevistados (61%) vê o poder público como o principal responsável por solucionar a questão ambiental. No entanto, para eles, quem mais se preocupa com a Amazônia são: o Exército (38%) e as ongs (23%). O governo fica em terceiro lugar, acreditado por 14% dos entrevistados em relação à causa ambientalista. A Rets esteve em contato com a Coordenadora de Pesquisas do Iser, Samyra Crespo, que explica como foi feita a pesquisa e como essa população percebe o problema.
Rets - Quais foram as perguntas feitas à população da Amazônia?
Samyra Crespo - Foram feitas 70 perguntas organizadas nos seguintes blocos temáticos: “conhecimento sobre meio ambiente e identificação dos principais problemas ambientais da Amazônia e dos 9 municípios selecionados”; “meios de informação utilizados para se informar sobre meio ambiente e desenvolvimento da Amazônia”; “qualidade do meio ambiente”; “prioridades da Amazônia”; “conhecimento e avaliação da atuação do governo, das ongs, dos empresários e outras instituições, tais como o exército e as igrejas”.
Rets - Quantos foram os entrevistados?
Samyra Crespo - Foram 2049 entrevistas, distribuídas pelas capitais do três estados selecionados (Pará, Acre e Rondônia) e mais dois municípios de cada estado, perfazendo um total de 9 municípios. Os municípios selecionados são representativos porque, no seu conjunto, detém quase 70% da população dos três estados. Além disso, foram escolhidos pelo fato de o WWF ter algum trabalho, ou projeto desenvolvido nestes municípios.
Rets - A pesquisa revela que “59% dos entrevistados não estão dispostos a conviver com mais poluição mesmo que isso signifique mais empregos”. E os outros 41%? Como encaram a poluição?
Samyra Crespo - Esta pergunta foi feita solicitando ao respondente que concordasse ou não com a frase "eu estou disposto a conviver com mais poluição se isto signficar mais emprego". O índice dos que responderam negativamente é alto e surpreendente, quando se sabe que em todo o País o desemprego é um dos principais problemas. Este dado é positivo e é comparável aos dados da pesquisa nacional, também realizada pelo Iser em 1997, que traz a mesma pergunta. Esta pesquisa nacional, intitulada "O que o Brasileiro pensa do meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável" (Iser/CNPq/MMA, 1997) conseguiu apurar uma média nacional semelhante, 47%. Esta pesquisa do WWF indica claramente que mais da metade da população deseja empregos que não degradem o meio ambiente.
Rets - Segundo dados divulgados pelo WWF, “69% não consideram o progresso mais importante do que conservar a natureza”. A separação progresso/natureza, para essa população, é inevitável?
Samyra Crespo - A pesquisa não usa o conceito "progresso", mas "desenvolvimento". Os amazônidas têm o desejo legítimo de serem desenvolvidos, isto é, terem mais acesso aos bens e serviços públicos e melhor qualidade de vida. Contudo, a pesquisa indica claramente que, cada vez um maior contigente de pessoas associa este desenvolvimento à conservação dos recursos naturais locais e regionais.
Rets - Uma outra informação que a pesquisa traz revela que a população ainda espera do governo determinadas obras de infra-estrutura e expansão econômica relativas à construção de estradas e hidrovias, desenvolvimento da agricultura e extração de minérios. Que medidas se espera que sejam tomadas a partir da divulgação dos resultados da pesquisa? Que perspectivas essa população pode ter?
Samyra Crespo - Comparando esta pesquisa do WWF à pesquisa nacional mencionada, verificamos que os brasileiros ainda esperam que o governo (federal, estadual e municipal) resolva os principais problemas, sejam eles ambientais ou não. Contudo, as mesmas pesquisas também revelam que cada vez mais os brasileiros demandam da instância local ou municipal os serviços, projetos e programas de que necessitam. Na Amazônia há um excesso de cobrança do governo federal, talvez pelo fato de desde os anos 70 ter havido um projeto de desenvolvimento que se autodenominava de "nacional" para a região e que marca muito a presença federal lá.
Rets - Uma pesquisa recente (23/10/2000) realizada pela Abong revela que um percentual pequeno da população brasileira (27%) já ouviu falar em ongs. E, ainda assim, a parte mais expressiva deste número encontra-se entre as classes A e B e com um nível de escolaridade mais elevado. A pesquisa apresentada por vocês mostra que as ongs são reconhecidas por 23% da população local como quem mais se preocupa com a Amazônia. Como os amazônidas reconhecem o trabalho dessas organizações?
Samyra Crespo - Mais de 90% das pessoas ouvidas afirmaram ter simpatia pelo trabalho das organizações ecológicas e/ou ambientalistas. Contudo, em uma pergunta aberta (resposta espontânea) poucos foram capazes de lembrar o nome de alguma, e quando o fizeram, lembraram das organizações locais. Em nível nacional, a população conhece o Ibama. Em pergunta estimulada (mostrando cartão com 10 nomes), foram identificadas como mais conhecidas o WWF e o Greenpeace. No nível regional, se saiu bem o IMAZON.
Rets - Menos da metade (49%) das residências na Amazônia são abastecidas com água encanada e 70% delas são casas rústicas. No entanto 77% da população tem a televisão como principal meio de informação. Que paralelo pode ser feito entre esses dados?
Samyra Crespo - A pesquisa foi feita em áreas rurais e urbanas. Como ocorre na periferia das grandes cidades, como São Paulo e Rio, na Amazônia proliferam os núcleos urbanos com pouca infra-estrutura. No entanto, a televisão é o principal meio de conexão dos amazônidas com a informação. Muitas vezes a televisão é coletiva. Está no bar, na igreja, na escola ou nas associações. Sem dúvida nenhuma, neste contexto, o rádio é um importante veículo na região.
Rets - A surpreendente constatação de que a população da Amazônia “quer desenvolvimento com a preservação da floresta”, nesse caso, pode significar que a televisão é um eficiente meio de informação?
Samyra Crespo - A pesquisa de opinião, que está sendo completada por outra de natureza qualitativa, está indicando que o trabalho das ongs e movimentos sociais da Amazônia - que são mais de 400 - têm exercido um importante papel na difusão da idéia de que se pode desenvolver a região sem destruir a floresta e os demais recursos naturais.
Rets - A grande maioria dos amazônidas possui escolaridade precária (os dados divulgados não revelam os números). E a pesquisa revela que a maioria dessa população quer sim o desenvolvimento com preservação da floresta. Apesar dos baixos níveis de escolaridade, é pertinente dizer que trata-se de um mito atribuir a não-preservação da Amazônia à falta de estudo da população local?
Samyra Crespo - Os dados da escolaridade da nossa amostra são: 25% têm primário incompleto ou menos; 32% se situam entre a quarta e a sétima séruie do ensino fundamental; 22% têm segundo grau incompleto e 16% completo. Somente 5% têm curso superior completo ou incompleto.Os estudos internacionais mostram que o fator educação é fundamental na consciência ambiental. Pois os conceitos são sofisticados e as pessoas têm que ter acesso à informação. Contudo, há muitas maneiras de perguntar acerca das aspirações de desenvolvimento e a pesquisa do WWF mostra claramente que apesar dos baixos níveis de escolaridade, a média da região não fica muito abaixo da média nacional. Agora, quando você extratifica, é evidente que você obtém maior consistência nas respostas do segmento mais escolarizado.
Rets - “59% dos entrevistados acham que o consumo de caça faz parte da cultura alimentar e não prejudica o ambiente”. Como adaptar os costumes culturais à preservação do meio ambiente? Ou o caminho é adaptar as metas ambientalistas?
Samyra Crespo - Na minha opinião pessoal, é necessário ajustar as duas coisas. A questão da caça é complexa. Por exemplo, é evidente que não se pode caçar animais ameaçados de extinção. Contudo, é possível comer carne de animais que já são provenientes de criadouros. Também há técnicas como repovoamento de fauna e liberação da caça em certas épocas do ano. Enfim, é preciso mudar hábitos de consumo, mas essa mudança é gradual, porque é cultural. Medidas radicais, só quando é preciso salvar espécimens ameaçados. Mas esta é uma opinião pessoal. A pesquisa só indica que o consumo de carne de caça é generalizado na região.
Rets - Os resultados finais da pesquisa ainda serão apresentados em maio. O que devem trazer de novidade?
Samyra Crespo - A pesquisa encomendada pelo WWF e por mim coordenada é mais ampla. Consiste também em um estudo qualitativo com diversas lideranças da região, incluindo políticos, empresários e cientistas, além dos ambientalistas, é claro. Também fizemos uma série de grupos focais, com populações e segmentos determinados (ribeirinhos, extrativistas, madeireiros, entre outros). Acredito que este é o estudo mais completo que já se fez sobre as opiniões da população da região sobre o tema. O WWF pretende apresentar os resultados finais no Congresso Nacional, para mobilizar os parlamentares da região e os políticos simpáticos às teses do desenvolvimento sustentável.
Rets - A que dados anteriores essa informações podem ser comparadas? Qual é o diagnóstico?
Samyra Crespo - Uma parte das questões pode ser comparada à pesquisa nacional "O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável". Mas a maioria das questões foram desenhadas para o WWF e necessitam de ser monitoradas por outras pesquisas temáticas semelhantes. A intenção do WWF é replicar de tempos em tempos estas questões e verificar a evolução da consciência ambiental da região, medindo, por outro lado, a eficácia das ações das ongs e demais instituições comprometidas com o desenvolvimento sustentável.
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