Autor original: Felipe Frisch
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Uma publicação lançada no último dia 5 fala dos líderes ambientais das três últimas décadas e conta sobre as perspectivas da luta ecológica daqui para frente. "Missão (quase) impossível – aventuras e desventuras do movimento ambientalista no Brasil" (Editora Peirópolis e Fundação SOS Mata Atlântica), da jornalista Teresa Urban, não só traz de volta ao cenário da luta ecológica líderes do passado, como fala dos que ainda estão vivos e não abandonaram a causa.
Militante durante a década de 90, Teresa foi criadora do projeto Rede Verde de Informações Ambientais, que distribuía semanalmente, desde 1991, até o ano passado, informações sobre meio ambiente a mais de 2 mil assinantes. Atual chefe de redação da Folha do Paraná/Folha de Londrina, seu currículo ainda inclui uma passagem pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), como representante das ongs da Região Sul, através da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, de Curitiba. Na entrevista ela dá seu depoimento pessoal sobre os movimentos ecológicos deste início de século.
Rets - Quais são essas dificuldades que tornam o movimento ambientalista uma "missão (quase) impossível"?
Teresa Urban - Em termos gerais: uma experiência relativamente recente de organização, a falta de raízes na sociedade e de conexão com movimentos populares e, conseqüentemente, de apoio político para suas causas, além do desconhecimento da população sobre a própria existência do movimento. Outro agravante está nos rumos que a política econômica vem tomando, rumos esses contrários à políticas conservacionistas ou ambientalmente adequadas.
Rets - Que apoio estatal esses movimentos recebem?
Teresa Urban - Existem alguns fundos acessíveis às ongs mais estruturadas, porém tais fundos estão voltados muito mais para a execução de projetos do que para o fortalecimento institucional, o que acaba se voltando contra os propósitos das ongs.
Rets - Quem são as lideranças dos movimentos de consciência ecológica no país, atualmente?
Teresa Urban - Hoje, o movimento é extremamente difuso. Listamos mais de 200 lideranças nos últimos trinta anos. Poucos dos nomes mencionados pelos grupos que responderam à pesquisa foram mencionados mais de uma vez, mesmo em se tratando de entidades situadas na mesma cidade.
Rets - Como está a consciência e a conscientização ecológica no Brasil deste começo de século? É crescente?
Teresa Urban - Com certeza, existem sinais de maior receptividade da sociedade às causas ambientais, e as próprias estruturas governamentais criadas nos últimos 30 anos comprovam a existência da necessidade (ou da consciência da necessidade) de intervenção pública nessas questões. Houve um crescimento do número de ongs. Na década de 30, havia uma; na década de 50, cerca de 10 e, em 1992, cerca de 1500. Isso demonstra que a consciência ecológica está se ampliando. Resta saber se esse crescimento anda na mesma velocidade da degradação do meio ambiente.
Rets - E em relação a outros países?
Teresa Urban - Os ambientalistas brasileiros entraram tarde nessa luta (em meados do século XIX, já havia grupos organizados na Inglaterra para a proteção de aves tropicais, inclusive do Brasil) e enfrentam pesados interesses econômicos para cumprirem sua missão.
Rets - Nos anos do regime de exceção do Brasil, a opinião pública era amordaçada pela ditadura e acostumada a não confiar nas autoridades. Como você vê a opinião pública hoje em relação à causa ambiental? Pode-se dizer que os processos de democratização revelaram uma opinião pública realmente preocupada com o meio ambiente?
Teresa Urban - Um grande número de associações ambientalistas surgiu na década de 70, durante a ditadura militar. O maior protesto nacional dos ambientalistas - o Adeus Sete Quedas - aconteceu ainda durante o regime militar. Com a democratização do país cresceram em número os grupos, mas perderam a influência que tinham junto à população que via nesses grupos um sopro de livre manifestação e, depois, canalizaram sua atenção para questões mais prementes.
Rets - Em que regiões do país a preocupação é maior?
Teresa Urban - Posso dizer que o maior número de entidades está concentrado na região Sudeste.
Rets - Em contraste com o título da obra, uma recente pesquisa do WWF (divulgada na Rets) mostrou que a população da Amazônia, ao contrário do que a grande mídia omite, tem sim uma grande preocupação com a preservação da floresta e que não quer desenvolvimento sem preservação. Quem hoje realmente se preocupa com as causas ambientais?
Teresa Urban - Apesar desse exemplo, acho que o modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro é extremamente permissivo com relação à degradação do meio ambiente e isso não é uma questão moral e sim de competitividade. Assim como em outros temas relevantes ao país, tem pesado pouco o que a população de fato quer e consegue. Não vejo a questão ambiental como prioritária nem para o governo, nem para a sociedade.
Rets - Que herança nos deixaram os grandes líderes dos anos 60 e 70?
Teresa Urban - Uma grande lição de generosidade e dedicação a causas de interesse público. Um temor de que a missão seja mesmo impossível. A consciência de que o movimento precisa encontrar formas de se fortalecer política e socialmente.
Rets - Então, qual é o sentimento que existe hoje em relação a esses militantes? Saudosismo?
Teresa Urban - O movimento hoje é segmentado e existe um profundo desconhecimento sobre a luta dos pioneiros. Quem não conhece não tem saudade.
Rets - Quais são as perspectivas do movimento ecológico daqui para a frente?
Teresa Urban - O movimento ambientalista precisa de maior adesão popular, de ter suas causas permanentemente divulgadas. Precisa criar raízes, estabelecendo uma interlocução com os diferentes segmentos da sociedade. Temos que estimular um debate sobre o país que queremos, também na área ambiental.
Rets - Qual o novo paradigma para a conscientização ecológica? A consciência de Gaia?
Teresa Urban - É bem mais pragmáticodo que isso. São prioridades, hoje, a garantia da água, de solo apropriado para a produção de alimentos, da proteção dos seres vivos contra os efeitos nocivos do sol, enfim, a sobrevivência dos seres vivos.
Rets - A capa tem a foto de uma pessoa com máscara de gás. É possível ainda ter uma perspectiva otimista quanto ao futuro?
Teresa Urban - A máscara de gás é um símbolo: uma das primeiras manifestações ambientalistas realizadas em São Paulo. Foi assim: um manifestante solitário, de terno e gravata, com máscara, protestando contra a poluição do ar. No final dos anos 90, militantes do Greenpeace usam máscaras e correntes para protestar contra a poluição química. Os limites da natureza são bem conhecidos, e o futuro dependerá de nossa capacidade de alterar o rumo do presente.
Rets - A mesma pesquisa do WWF citada anteriormente mostra que as ongs marcam uma presença bastante expressiva aos olhos da população com relação à defesa da Amazônia. Qual é o papel dessas organizações hoje com relação ao meio ambiente? Como você vê essa atuação?
Teresa Urban - As ongs podem fazer uma ponte entre os problemas ambientais identificados e a sociedade, mas não representam essa sociedade que, na hora de escolher seus representantes, ainda prefere os políticos tradicionais, que não têm qualquer compromisso com o meio ambiente. De modo geral, as ongs são frágeis econômica e politicamente e têm pouca presença na sociedade. Isso precisa mudar.
Rets - As atividades dessas instituições são o caminho para um meio ambiente equilibrado?
Teresa Urban - A proteção do meio ambiente é uma questão de interesse público. A Constituição de 88 determina que o Estado é responsável por um ambiente "ecologicamente equilibrado", ao mesmo tempo em que diz que o cidadão tem sua cota de responsabilidade. Cabe ao Estado regrar o uso do patrimônio natural, assegurando as condições necessárias para a sobrevivência de todos os seres vivos. A sociedade precisa estar organizada e informada para cobrar o papel do Estado e cumprir sua parte.
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