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A Universidade e seu Compromisso Social: Um Olhar Crítico

Autor original: Daniela Muzi

Seção original: Artigos de opinião

Pedro Paulo A. Funari*


Quais seriam os compromissos sociais da Universidade? Isto depende da sociedade em que ela atua. Em que sociedade se insere a Universidade brasileira? Uma sociedade dominada, secularmente, pela servidão e pela opressão social.


Por quatro séculos, convivemos como a escravização da maioria dos habitantes, enquanto uma elite aristocrática formava uma crosta social muito bem tecida, de cunho patriarcal.


Nos últimos 120 anos, a modernização econômica vertiginosa deu-se neste contexto, perpetuando tanto o patriarcalismo aristocrático, agora encorpado pelos detentores do capital industrial e financeiro, como a exploração das imensas maiorias, libertadas da escravidão jurídica para a miséria absoluta ou relativa de massa.


Mais da metade da população brasileira está fora do mercado de consumo que transcende o minimum minimorum da subsistência.


Quais, então, os compromissos sociais da Universidade? A ciência moderna surge como contestação, como busca de verdades que transcendessem os ditames impostos pelos dogmas.


Ciência é contestação, pensamento crítico, reflexão. Em qualquer área de conhecimento a dedicação à ciência é, por si só, revolucionária, uma força social em ebulição. Como?


Ora, a Universidade não se pode isolar da sociedade e, em nosso meio, ela reflete as suas contradições. Em uma sociedade pouco atenta ao mérito e à liberdade de pensamento e de ação, a Universidade não poderia deixar de refletir, em maior ou menor grau, essas características.


A luta pelos critérios de mérito intra muros reflete uma batalha mais ampla, a contestação de "coronéis" e latifundiários não se restringe aqueles do distante sertão, mas aqueles que assim se comportam em nossa Universidade.


Essa luta interna não se trava senão com o conhecimento, para que os professores sejam docentes daquilo que pesquisam, que suas pesquisas sejam publicadas, que os alunos sejam avaliados por sua produção intelectual.


Este o primeiro e grande compromisso social daqueles que atuam na Universidade, de tal forma que seu microcosmo reflita a luta pela justiça social almejada para a sociedade como um todo.


Em seguida, decorrem os muitos outros compromissos sociais. A pesquisa deve servir para libertar, não sujeitar, produzir cidadãos críticos, não técnicos a serviço da exclusão social.


O aumento da riqueza social depende dos universitários, assim como a luta contra a exploração e pela emancipação das maiorias excluídas. Neste sentido, são muitas as desigualdades que se encontram no horizonte dos compromissos da Universidade.


Há alguns anos, tem havido uma postura, no interior da própria Universidade e nos órgãos oficiais, por parte de alguns, de defender, no contexto acima desenhado, a vocação elitista da Universidade.


Haveria dois Brasis, o Brasil um de uns vinte e poucos milhões de pessoas, com alta renda, ávidas por tecnologia de ponta e dispostas a pagar por isso. Caberia à Universidade formar bons médicos, dentistas, arquitetos e engenheiros, para deleite dessa elite.


O Brasil dois, fora do mercado, prescindiria disso tudo (Funari 1988). Aceitar tal lógica é condenar-nos à extinção como nação e inviabilizar, a médio prazo, a própria Universidade brasileira.


O compromisso social implica em lutar pela diminuição das desigualdades, pela extensão do acesso ao ensino, em todos os níveis, pelas melhores condições de ensino na própria Universidade.


Os universitários, alunos e professores, podem agir, quotidianamente, para transformar a sociedade, seja de forma participativa, atuando junto à comunidade, seja pela crítica aos mecanismos sociais que permitem a perpetuação dessas desigualdades.


O grande compromisso social, em última instância, consiste em incorporar os excluídos ou discriminados, majoritários ou minoritários, pobres, negros, mestiços, indígenas, em uma palavra, comprometermo-nos com a justiça.


* Pedro Paulo A. Funari é professor do Departamento de Historia, IFCH-Unicamp.


Artigo escrito para o "JC E-Mail":







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