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Discutindo o trabalho voluntário no mundo

Autor original: Marcos Lobo

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"O voluntariado é hoje parte fundamental da sociedade civil. Sem o trabalho voluntário, não existiriam as ONGs, a filantropia e os movimentos sociais". A afirmação é de Kenn Allen, presidente mundial da International Association for Volunteer Effort (IAVE), organização que reúne cerca de 2 mil pessoas em todo o mundo e coordena atividades em mais de 100 países. No último dia 10, Allen veio ao Brasil para participar do Seminário de Voluntariado Empresarial, realizado em Belo Horizonte.


Em entrevista concedida por e-mail à RETS, ele falou do futuro da IAVE e do voluntariado no mundo, além do contato que teve com empresários brasileiros em Belo Horizonte e das relações entre ONGs e Estado. Na opinião de Allen, "Elas não podem depender da boa vontade do Estado porque estariam perdendo sua autonomia. Quando necessário, devem se opor às ações do governo", defende.


Rets – Como surgiu a IAVE – International Association for Volunteer Effort?


Kenn Allen – A IAVE foi criada em 1970 por um grupo de mulheres voluntárias. No início, a intenção era formar "pontes" para a troca de conhecimentos entre as culturas, tendo o voluntariado como o ponto-chave da organização. Hoje, a IAVE é uma rede mundial que conta com mais de 2 mil pessoas e organizações atuando em mais de 100 países e tem como principal objetivo promover, apoiar e celebrar o trabalho voluntário no mundo inteiro.


Rets – No início do ano, a IAVE realizou a sua 16ª Conferência Mundial sobre Voluntariado, em Amsterdã, Holanda. O que foi discutido e quais foram as conclusões tiradas do evento?


Kenn Allen – O principal ponto foi o anúncio da nova "Declaração Universal do Voluntariado". Ela aborda não só a importância do trabalho voluntário como pedra fundamental da sociedade civil como também convoca líderes políticos, empresários, religiosos e a mídia a tomarem medidas importantes que fortaleçam o voluntariado. A conferência ofereceu uma grande oportunidade a políticos do mundo todo de discutirem o papel do governo no apoio ao trabalho voluntário.


Rets – Será que as ONGs ainda precisam do governo para a realização de seus projetos? Explique como se dão, hoje, as relações entre governo e terceiro setor.


Kenn Allen – O governo tem a responsabilidade de se comportar de maneira que fortaleça e sustente a sociedade civil. Ele (o governo) pode ajudar a criar um ambiente público que valorize o trabalho voluntário e tem condições de fazer valer essas medidas, ao invés de inibir a sociedade. O governo pode e deve fornecer ajuda financeira a qualquer organização interessada em promover ou apoiar o voluntariado. Além disso, ele pode providenciar recursos financeiros para atividades inovadoras dirigidas por voluntários interessados em resolver sérios problemas sociais, econômicos e ambientais.


No entanto, tudo isso deve ser feito para fortalecer e não dominar a sociedade civil. O governo deve aprender a ser parceiro da sociedade.


As ONGs também devem demonstrar a sua liderança nessas parcerias. Elas não podem ficar passivas diante dos acontecimentos. As ONGs não podem depender da boa vontade do Estado porque estariam perdendo sua autonomia. Quando for necessário, elas devem se opor às ações do governo.


Rets – Qual a importância do trabalho voluntário em países ditos "menos desenvolvidos" como o Brasil?


Kenn Allen - A mesma que é dada em países "mais desenvolvidos". O trabalho voluntário confere às pessoas o poder de controlarem suas próprias vidas e também decidirem de maneira coletiva sobre o futuro de suas comunidades. É uma forma de resolver sérios problemas sociais e criar comunidades auto-sustentáveis e saudáveis. É lutar por segurança, justiça e oportunidades para todos. Trata-se de um caminho para a construção da solidariedade, além de ser um instrumento de união de pessoas tão diferentes.


Rets – Quais foram as conclusões obtidas no Seminário de Voluntariado Empresarial, realizado no dia 10 de abril, em Belo Horizonte (MG)?


Kenn Allen – Eu fiquei surpreso ao ver que muitos empresários que conheci estavam bem à vontade em conversar sobre voluntariado como uma "forma de transformação social" e "solidariedade". Você não encontraria empresários da América do Norte ou Europa falando sobre esse assunto de maneira tão aberta.


Rets – Ao mesmo tempo em que a Globalização é responsável pela modernização e troca em alta velocidade de informações no mundo, um número cada vez maior de pessoas está insatisfeita com as conseqüências sociais que ela tem acarretado como aumento da pobreza, desemprego e etc. Onde fica a questão do voluntariado nesse contexto?


Kenn Allen – No livro "The Lexus and the Olive Tree", Thomas Friedman refere-se à tensão criada pela justaposição da Globalização com o marcante desejo das pessoas em permanecer umas com as outras na sua comunidade. O trabalho voluntário representa essa "olive tree", ou seja, uma comunidade que mantém as pessoas unidas. É uma forma que alguns encontraram para continuar a ter controle sobre as coisas. Para outras, o caminho do voluntariado e outros movimentos sociais é a melhor maneira de lutar contra as conseqüências negativas da Globalização.


Rets – O trabalho voluntário não é uma experiência nova. Ela já ocorre há vários séculos. Como o sr. analisa a evolução do voluntariado ao longo dos anos?


Kenn Allen – O trabalho voluntário tem suas raízes nos esforços de auto-ajuda e assistência mútua que têm colaborado para a sobrevivência do Homem desde os tempos pré-históricos. À medida que a "caridade" se tornou uma coisa mais organizada e com o surgimento das classes sociais, já existia a expectativa de que aqueles em "condições melhores" ajudassem os outros que estavam "por baixo". É por isso que surgiu a imagem do trabalho voluntário como algo feito apenas "pelos ricos".


No entanto, hoje é comum observar a presença de pessoas de todas as camadas sociais em atividades voluntárias. E isso inclui o trabalho voluntário na vizinhança, a participação em atividades que podem melhorar a qualidade de vida da comunidade como também em movimentos tradicionais de voluntariado conduzidos por ONGs ou entidades religiosas.


Ao longo dos últimos anos, o interesse pelo trabalho voluntário cresceu bastante no mundo inteiro. Isso se deve ao surgimento de novas democracias e economias de mercado, à globalização da informação e das comunicações e a busca pela liberdade individual. O voluntariado é hoje considerado parte fundamental da sociedade civil. Sem o trabalho voluntário, não existiriam as ONGs, a filantropia ou os movimentos sociais.


Rets – Durante a última Conferência Mundial do Voluntariado, foi realizado um Fórum da Juventude, que acabou reunindo mais de 200 jovens do mundo todo. Qual a importância do jovem para a IAVE no mundo de hoje?


Kenn Allen – Em dezembro de 2001, a IAVE irá realizar a Conferência Mundial da Juventude Voluntária, em Tóquio, Japão. É apropriado fechar o ano olhando para o futuro, olhando para a participação de jovens no trabalho voluntário. Em alguns países, esse tema deve ser tratado com prioridade. Nós queremos tornar o trabalho voluntário ou serviço social um hábito que eles irão desenvolver desde cedo e que seja uma coisa permanente para o resto da vida.


Rets – Qual é a agenda da IAVE para os próximos anos?


Kenn Allen – Para os próximos 18 meses pretendemos disseminar e estimular o diálogo em torno da Declaração Universal do Voluntariado, lutando por apoio de organizações do mundo todo; vamos construir o movimento do "V – Vermelho", que será universalmente aceito como o símbolo do trabalho voluntário; planejamos usar a Conferência Mundial do Voluntariado para lançar a importância da participação da juventude no movimento; vamos patrocinar o Fórum Global de Voluntariado e Refugiados, que deverá ocorrer no primeiro semestre de 2002, e ainda realizar novamente a conferência mundial no próximo ano.

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