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Um índio muito especial...

Autor original: Flavia Mattar

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Levar ao mundo a história e a realidade do seu povo. Esse é o objetivo do índio Thini-á ("estrela", em Yathê), integrante dos Fulni-ô, um dos mais tradicionais grupos indígenas do Nordeste. Ele se distanciou de sua aldeia em 1992 para se aproximar do público branco infantil e juvenil. Sua missão é atuar em escolas de primeiro e segundo graus e universidades públicas e privadas para divulgar as riquezas e mazelas das culturas indígenas em nosso país. A Rets entrou em contato com o simpático Thini-á, que falou de forma muito emocionada sobre a situação em que seu povo se encontra.


Rets - Qual é o principal problema enfrentado pelos índios atualmente?


Thini-á - A terra. O governo promete demarcar e nunca demarca. Desde a Constituição de 1988 o povo indígena luta por isso, mas não tem obtido o sucesso esperado. É preciso que haja um massacre para o governo federal se mobilizar. Foi assim com os pataxós e com os yanomamis. Só depois de passar por extermínio esses povos tiveram acesso à terra. Essa é a realidade do governo e da Fundação Nacional do Índio (Funai).


Rets - O que você pensa sobre a Funai?


Thini-á - A Funai nunca funcionou. Pega um jornalista e leva para lá e fica observando o que acontece por três, quatro dias. Você vai ver que as pessoas não resolvem nada. O índio fica sendo jogado de um lado para o outro pois você nunca está falando com a pessoa certa e depois escuta que deve voltar daqui a um mês e meio. Quando volta, passa pelo mesmo processo. Existe muito funcionário sem fazer nada e todos ficam na sede. Ninguém quer ir para as aldeias olhar de perto o que está acontecendo com o povo indígena.


Rets - Você vive atualmente distante de seu povo. Por que motivo?


Thini-á - Eu faço um trabalho de consciência. Acredito que a única esperança que resta é a conscientização do filho do não índio. Ele precisa desenvolver o respeito e a consciência da diferença, saber que meu povo ama, sente dor e frio e que merecemos respeito. Na verdade, essas crianças são muito mal informadas nas escolas, que passam uma idéia do índio romântico que fala tupi guarani e ama o deus Tupã. Agora eu te pergunto: o que ficou de herança para nós?


Rets - O que foi?


Thini-á - O índio não tem fartura de caça e pesca. Não tem floresta. A imagem passada pela televisão é do índio do Xingu, uma das comunidades que vivem em melhores condições graças ao apoio do antropólogo Darcy Ribeiro e do cantor Sting. Eles têm um parque demarcado com caça e pesca fartos. Agora, e os outros? E o índio do Nordeste? E o índio que se suicida porque não tem mais razão de viver? A única razão para viver dentro da filosofia do índio é ser feliz. Como podemos ser felizes em um mundo como esse? Onde só existe disputa de poder, competição? Os povos indígenas não têm terra para caçar e para pescar e essa é a sua fonte de subsistência, de sobrevivência. Sem isso, passa a ter que vender artesanato para poder comprar seu alimento. Além disso, a natureza está sendo destruída. Como os yanomamis, por exemplo, podem pescar em um rio poluído de mercúrio por causa dos garimpeiros?


Rets - Como você acha que toda essa situação se desenvolveu até chegar no ponto em que está?


Thini-á - Eu acredito que tudo tenha sido muito bem calculado. O branco dominador calculou que quando tira toda a riqueza natural do índio ele iria se voltar para o sistema consumista. Ele ia passar a ter que trabalhar, pagar imposto, consumir e pagar todas as contas no final do mês, é claro, quando o dinheiro for suficiente para pagar.

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