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As pessoas com deficiência e o terceiro setor

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

João Baptista Cintra Ribas*


Até a metade deste século, reabilitação e educação de pessoas com deficiência foram considerados programas que, pela maneira própria como eram compreendidos, só poderiam ser executados pelos traços gerais da proteção e do amparo. Como cuidar de pessoas com deficiência significava cuidar de pessoas que teriam de ser assistidas, a relação entre Estado e instituições sempre reforçava a associação histórica entre filantropia e assistencialismo.


A concepção principal era a de que o Estado tinha de financiar o trabalho das organizações, repassando verbas para que elas pudessem aplacar a intensidade dos limites físicos, visuais, auditivos e mentais. Não se cogitava de usar os programas institucionais como ferramentas de busca de potencialidade humana para a vida social. Portanto, o paradigma filantrópico não era o de que, uma vez reabilitadas e educadas, as pessoas com deficiência ganhariam independência, autonomia pessoal, melhor qualidade de vida e, com estes ganhos, se encaminhariam para a conquista de um lugar no mundo do trabalho.


No contexto das mudanças econômicas (relações do trabalho), culturais (revisões dos valores e estigmas) e sociais (fixação das identidades) das últimas décadas, estas pessoas começaram a despontar como potencialmente aptas a exercer tarefas profissionais, desde que capacitadas e treinadas. Agora as instituições se vêem frente ao desafio de não só reabilitar e educar, como sobretudo de capacitar profissionalmente.


Imenso e intricado esse desafio, por duas razões que se enlaçam.


Em primeiro lugar, não é fácil para quem sempre se baseou no prisma da proteção e do amparo buscar o ponto de vista da independência e da autonomia. Requer que se altere a visão sobre quem sempre atendeu, passando a vê-los como potenciais trabalhadores e geradores de renda própria.


Em segundo lugar, não é fácil para quem sempre se baseou no mundo interno dos muros institucionais buscar o universo externo da economia social com suas múltiplas complexidades. Requer que se examine, primeiro, as demandas do mundo do trabalho para, depois, olhar para quem sempre atendeu procurando adequá-los tecnicamente às novas profissões.


Por estas duas razões, há quem faça algumas perguntas também entrelaçadas:
1) É tarefa das tradicionais instituições educar profissionalmente portadores de deficiência ou elas deveriam continuar voltadas ao trabalho (ainda necessário e que elas melhor sabem fazer) de proteger e amparar sobretudo as pessoas mais afetadas pela deficiência?
2) Frente à necessidade de recursos técnicos e financeiros elevados exigidos pelos cursos profissionais, a tarefa de educar pessoas com deficiência não deveria caber às escolas técnicas do Governo Federal e às escolas profissionais particulares?
3) Como ajudar a desenvolver municípios longe das metrópoles — onde pode não haver escolas profissionais e onde as instituições tenham maior dificuldade de atuação — para que as pessoas com deficiência desses locais possam ser incluídas no mundo do trabalho?


Já há programas de educação e capacitação profissional para pessoas com deficiência sendo iniciados por escolas técnicas do Governo Federal e por escolas profissionais ligadas ao setor econômico privado. Estão no nascedouro, é verdade, mas já apontam para um possível sucesso. Porém, não estão em todos os municípios brasileiros.


O que ainda não há é a iniciativa de parte das fundações empresariais de criar projetos nacionais que fomentem a educação profissional de pessoas com deficiência nos diversos municípios. Há muitos projetos que estimulam os locais a erradicar a desnutrição infantil, a tirar da exclusão social os adolescentes em situação de risco, a alfabetizar jovens — mas poucos ainda são os projetos locais voltados diretamente para crianças e adolescentes com deficiência, sobretudo os que se referem à profissionalização.


Pelas recentes mudanças da legislação nacional e por todas as transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, é imperioso começar a formatar projetos de incentivo que busquem especificamente profissionalizar as pessoas com deficiência para as exigências das diversas variantes atuais do mundo do trabalho.


*João Baptista Cintra Ribas é doutor em Antropologia pela USP, especialista em inclusão de portadores de deficiência pela Universidade de Salamanca (Espanha) e consultor de empresas privadas e de Ministérios do Governo Federal. E-Mail: jbcribas@globo.com







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