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A Parceria Civil Registrada é um direito, não um privilégio

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Oswaldo Braga*








Estamos às vésperas de um dos mais importantes momentos políticos do movimento gay brasileiro. Será votado o PCR - Projeto de Lei de Parceria Civil Registrada, proposto em 1995 pela então deputada Marta Suplicy. Esse projeto já esteve algumas vezes na mídia, já gerou polêmica entre religiosos conservadores e os grupos gays e já provocou até manifestações de rua em Brasília, o que promete acontecer novamente agora no dia 9 de maio quando, finalmente, será votado em plenário. Antes de tudo, é importante fazer uma retrospectiva do que foi essa trajetória do nosso PCR.


Marta Suplicy apresentou o projeto em 1995. Ele prevê autorização para que pessoas do mesmo sexo estabeleçam um contrato de parceria civil, no sentido de garantir-lhes direitos básicos como os benefícios do INSS, o direito de visitas e acompanhamento hospitalares, decisões como uma cirurgia, doação de órgãos, etc., declaração conjunta no Imposto de Renda, além do direito à herança, no caso de parceiros/as que construíram um patrimônio em conjunto, o que vem sendo um dos pontos onde as maiores injustiças contra homossexuais são cometidas.


O projeto faz uma ressalva importante: ele não outorga aos casais formados a partir de uma parceria civil registrada o direito de adoção. O Brasil permite a adoção de crianças por pessoas solteiras, mediante uma profunda investigação de seus hábitos e costumes, o que pode até vir a acontecer, já que o PCR não altera o estado civil do/a cidadão/ã. Entretanto, ao casal formado por pessoas do mesmo sexo, mesmo que com sua parceria civil registrada, não é permitida a adoção de uma criança. Essa ressalva foi, notadamente, estratégica, uma vez que a possibilidade de adoção se mostrava um dos pontos vulneráveis a serem explorados por aqueles que se opunham ao projeto. Feita a ressalva, as possibilidades de aprovação do projeto cresciam. Pelo menos assim se acreditava.


Seguindo os trâmites normais na Câmara, foi constituída uma comissão especial para analisar o projeto, cujo relator, o Deputado Roberto Jefferson, no intuito de facilitar sua aprovação - que, nessas alturas já havia atingido a mídia e levantado toda essa enorme polêmica, apresentou um Substitutivo que regulamentava a Parceria Civil entre pessoas do mesmo sexo. Os grupos conservadores, no intuito de mobilizar a opinião pública contra o projeto, abasteciam os deputados evangélicos fundamentalistas e os demais grupos conservadores da Câmara com informações que apresentavam os homossexuais como obras do demônio, dignos de serem muitas vezes até sacrificados.


Adotaram a expressão "casamento gay" com o claro objetivo de provocar o asco das famílias tradicionais, imaginando seus filhos varões adentrando uma igreja travestidos de noiva ou suas meninas trajando terno e gravata, conduzindo uma outra dama ao altar. Foram inúmeras as reportagens nesse sentido veiculadas pela mídia, principalmente quando se aproximavam as datas em que o PCR deveria ir a plenário para ser votado. E, cada vez que se percebia que a mobilização dos conservadores iria derrubar a aprovação do projeto, ele era retirado estrategicamente da pauta do dia e sua votação adiada.


Mais recentemente, o mesmo Deputado Roberto Jefferson, tentando uma nova alternativa para romper com a resistência dos conservadores, apresentou um novo projeto de lei, que chamou de Pacto de Solidariedade, mesma nomenclatura adotada pelos franceses que já o aprovaram e que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo na França. Esse novo projeto, apesar de bastante similar ao PCR, incluía a possibilidade de parcerias civis entre as mais diversas pessoas, desde que houvesse algum sentido nela. Assim, por exemplo, seria possível estabelecer-se uma união civil entre avô e netinho, entre padrinho e afilhado, entre tio e sobrinho, ou até mesmo entre doente e enfermeira, desde que fôsse o desejo de ambos, no sentido de garantir uma certa tutela de uma das partes, ou mesmo de se fazer justiça no caso do falecimento de uma das partes e na conseqüente distribuição de sua herança.


Apesar da compreensão da estratégia, o projeto não foi bem visto pela comunidade homossexual, uma vez que encobria as relações de afeto estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo e igualava o "amor entre iguais" às relações de companheirismo e ao sentimento fraterno estabelecido entre um leque enorme de relações, as mais variadas possíveis. A vitória que representaria o reconhecimento das relações afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo, era simplesmente relegada a um plano secundário, em nome de uma estratégia política que visava derrubar a resistência dos grupos conservadores. Não era bem essa a intenção e a proposta dos movimentos homossexuais.


Alguns políticos envolvidos com a causa dos Direitos Humanos, notadamente o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o Deputado pelo PT gaúcho Marcos Rolim, vieram acompanhando o andamento desses projetos, até que chegou o momento de apresentá-lo à votação em plenário, o que se dará em 9 de maio próximo. Diferentemente das vezes anteriores, os grupos homossexuais resolveram agir com cautela e definir uma estratégia mais sensata de ação, buscando sua aprovação. Organizados na já famosa lista da internet que reúne advogados gays e lideranças do movimento, os Gaylawyers, está sendo feita uma enorme mobilização dos grupos homossexuais no sentido de que pressionem os deputados representantes de seus estados a apoiarem o projeto.


Uma vez que os grupos conservadores religiosos possuem um poder de mobilização bem maior que os homossexuais, o trabalho está sendo feito sem a participação da grande mídia, que somente deverá ser acionada nas vésperas da votação. Diversos grupos de várias capitais estão se mobilizando para estarem presentes em Brasília, na data da votação do projeto e outras manifestações estão sendo esperadas nas principais cidades do país, apoiando e pedindo o apoio da população ao projeto. Apesar de tudo, entretanto, os cinco anos que separam a apresentação do projeto de sua votação, fazem diferença. Durante todos esses anos a comunidade homossexual não esteve parada e várias de suas conquistas acabaram por tornar o PCR dispensável em algumas questões, como no caso do direito à pensão do INSS no falecimento de um/a dos/as parceiros/as, benefício esse já garantido aos/às homossexuais de todo o país, o que não tira o mérito do PCR e nem sua importância para que outras questões ainda pendentes possam ser resolvidas com mais facilidade.


A comunidade homossexual não está reivindicando privilégios. A equiparação de suas relações com as dos casais heterossexuais é um direito devido àqueles que são taxados exatamente da mesma forma. Heteros e homossexuais possuem as mesmas obrigações, mas não estão usufruindo os mesmos benefícios. O PCR deverá ser um passo gigante no
sentido de se fazer justiça com estes cidadãos.


*Oswaldo Braga é diretor do MGM - Movimento Gay de Minas.
E-mail: braga.jr@uol.com.br







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