Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Jacqueline Pitanguy e Rosana Heringer*
Os seis países que hoje integram o Mercosul possuem uma tradição política semelhante, compartilhando indicadores históricos de violação dos direitos humanos. O passado recente dos regimes militares que sujeitaram por décadas estes países coloca-se como uma memória viva destas violações. No momento em que novas formas de integração econômica e política são promovidas, consideramos necessário conhecer melhor e refletir sobre os caminhos atuais da luta pelos direitos humanos nos países do Mercosul, especialmente se há a intenção de realizar uma integração que vá além de meros acordos aduaneiros. Na realidade, foram adotadas no Mercosul obrigações econômicas comuns que ultrapassam questões alfandegárias e pressupõem acordos políticos, incluindo a cláusula democrática entre os estados membros.
Com este objetivo, foi desenvolvido pela Cepia/ Fórum da Sociedade Civil nas Américas o estudo “Direitos Humanos no Mercosul”. Trata-se de um quadro comparativo dos direitos humanos na Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, países que integram o Mercosul, como membros efetivos ou associados, e destaca os avanços ocorridos nas últimas décadas, que coincidem com a redemocratização de suas instituições políticas. Identifica também alguns dos principais obstáculos para o exercício destes direitos, assim como necessidades e demandas que ainda persistem no nível de seu marco normativo.
Através desta análise comparativa, publicada neste quarto número da série Cadernos Fórum Civil, pretendemos contribuir para que este processo de integração econômica constitua um fator de aprofundamento dos direitos humanos, entendidos tanto em seu sentido mais clássico, relativo aos direitos civis e políticos, como em sua linguagem atual, mais ampla, incorporando novos sujeitos históricos e novas dimensões da vida, no marco de sua indivisibilidade.
A ausência de políticas públicas que se contraponham aos efeitos perversos da desarticulação do Estado, especialmente graves no campo da saúde, educação, habitação e saneamento, assim como a tendência ao aumento do desemprego, afetam, sobretudo aos setores mais vulneráveis destes países que enfrentam o desafio de avançar na integração comercial em um cenário de incertezas econômicas e crescentes desigualdades sociais. Frente a este quadro, consideramos urgente a necessidade de elaboração de uma agenda de direitos humanos que não deve ser conseqüência de acordos comerciais mas sim antecedê-los e orientá-los. Esta agenda, que deveria ser comum aos países do Mercosul, tem por objetivo estabelecer um patamar básico de direitos políticos, civis, ambientais, reprodutivos e sexuais, assim como mecanismos de proteção contra discriminações de gênero, raça e etnia.
Para o Fórum da Sociedade Civil, esta agenda de direitos sociais e humanos deve definir parâmetros éticos para a integração comercial, determinando a todos os países integrantes deste mercado limites a abusos e discriminações, assim como padrões comuns de justiça social e direitos de cidadania. Assim, por exemplo, em matéria de direitos trabalhistas, questões como o trabalho infantil, o subemprego e as discriminações de gênero e raça no mercado de trabalho e os direitos dos migrantes devem ser temas prioritários em acordos de integração econômica. Considerando a amplitude do conceito atual de direitos humanos, esta agenda deveria considerar também a temática da discriminação num sentido mais amplo, incluindo também as dimensões da saúde, do meio ambiente e da violência doméstica .
A existência de convergências entre as Constituições dos países do Mercosul e o fato de terem assinado os principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos oferece um ponto de partida relevante para a construção de uma agenda comum. Entretanto, existem ainda discrepâncias importantes tanto no nível do marco normativo como de políticas e instrumentos de proteção contra violações e de garantias para o exercício de determinados direitos. Portanto, é fundamental que se promova um amplo debate entre organizações da sociedade civil, governos e setores comerciais a fim de estabelecer um consenso sobre os direitos básicos que devem ser respeitados por todos os estados membros do Mercosul, constituindo assim um passaporte de cidadania, válido em todos os países s sem o qual não pode existir uma verdadeira integração no Cone Sul.
Obs.: Os dados e análises que deram origem a este texto são resultado de um trabalho coletivo, pelo qual agradecemos a colaboração das seguintes pessoas: Adriana Valle Mota, Camila Vasconcelos, Catalina Infante, Dália Szulik, , Flávia Piovesan, Graciela Vasquez, Leila Linhares Barsted, Lílian Celiberti, Line Bareiro, Maria Molinas e Ruth Coelho.
* Jacqueline Pitanguy é Diretora Executiva do Fórum da Sociedade Civil nas América e Diretora da Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação).
* Rosana Heringuer é Coordenadora de Projetos do Fórum da Sociedade Civil nas América e pesquisadora da Cepia.
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