Autor original: Marcos Lobo
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Euclides Mance, filósofo e professor do Instituto de Filosofia da Libertação e membro das Redes de Colaboração Solidária é reconhecido por ser um dos principais colaboradores para a implementação dos programas de Economia Solidária no Brasil. Trata-se de uma prática que busca a integração de grupos de consumidores, produtores e de prestadores de serviço em uma mesma organização para que todos possam levar adiante o consumo solidário, o que só é possível graças à compra de produtos e serviços da própria rede.
Recém-chegado de um encontro na Itália, Euclides Mance explica que toda estrutura de economia solidária baseia-se na organização do consumo. "Todas as práticas fazem parte de um sistema antagônico à lógica do capital. É uma alternativa econômica à globalização capitalista", acrescenta.
Sobre o uso de novas tecnologias para o fortalecimento da economia solidária no Brasil, Euclides Mance já tem uma contribuição: o Copysol, "programa que tem quase as mesmas características que um software livre, mas com a diferença que não pode ser usado para atividades que exploram o trabalhador ou que destruam o meio ambiente", explica.
RETS - O que é "economia solidária"?
Euclides Mance - Existem várias estratégias de economia solidária no Brasil. De maneira geral, são práticas de produção centradas na solidariedade, sempre visando a distribuição de riqueza dentro de uma mesma comunidade, a criação de postos de trabalho e o aumento da renda das pessoas.
RETS - Como ela funciona?
Euclides Mance - A economia solidária parte da organização do consumo, ou seja, a comunidade realiza compras coletivas, permitindo o barateamento dos preços. Metade dos produtos produzidos nessas localidades é vendida em cooperativas populares. A longo prazo, a prática da economia solidária possibilita a criação de um fundo de produtos excedentes e que possibilita o investimento em novos empreendimentos e na remontagem das cadeias produtivas. Essa é apenas uma das milhares de outras possibilidades de funcionamento da economia solidária. De qualquer forma, todas as práticas fazem parte de um sistema antagônico à lógica do capital.
RETS - Como surgiu a economia solidária?
Euclides Mance - Essa idéia de economia solidária surgiu há bastante tempo. Algumas apareceram na Europa, no final da década de 50. A repercussão foi grande e contribuiu para o crescimento dessa prática no Brasil. Hoje já existem milhares de comunidades que aderiram à economia solidária.
Na Argentina, por exemplo, existem Clubes de Troca, que contam com a participação de cerca de 250 mil pessoas. Toda semana eles fazem uma grande feira e realizam trocas utilizando uma moeda criada pela própria comunidade. Aqui no Brasil, temos experiências parecidas em comunidades de Florianópolis, que criaram a Ecosol; Fortaleza, com a Palmares; e no Rio de Janeiro, onde usam a moeda Tupi.
Um passo importante para o fortalecimento da prática de economia solidária no país foi o surgimento da Rede Brasileira de Socio-economia Solidária, que integra organizações de todo o Brasil.
RETS - Quantos projetos de economia solidária já existem no Brasil? Onde estão funcionando? Quantas pessoas estão envolvidas nessa iniciativa?
Euclides Mance - É muito difícil dizer. Não existe um mapeamento sobre isso. Só a Anteag (Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas Auto-geridas) conta com mais de 23 mil participantes. E a Rede de Colaboração Solidária de Curitiba tem mais de 100 empreendimentos. Já no Rio Grande do Sul, a Anteag possui 90 projetos em andamento.
RETS - No texto "Economia Solidária: um novo paradigma?", o sr. afirma que "(...)a partir delas pode-se vislumbrar os primeiros sinais do nascimento de uma nova formação social que tende a superar a lógica capitalista de concentração de riquezas e exclusão social, de destruição dos ecossistemas e de exploração dos seres humanos". Será que já podemos falar no surgimento de um novo movimento mundial em favor da economia solidária?
Euclides Mance - Com muita tranqüilidade. Esse tema já é motivo de debates bem mais aprofundados no mundo inteiro. Em 1998, por exemplo, o Parlamento Europeu apoiou todas as práticas de comércio eco-solidário entre a União Européia e suas ex-colônias. A França tem hoje uma Secretaria de Economia Solidária. Estive recentemente em Padova, na Itália, para um encontro que teve a economia solidária como principal eixo das discussões. Trata-se de uma alternativa econômica à globalização capitalista.
RETS - De que forma ocorre a realimentação nas redes de Colaboração Solidária, ou seja, como ela consegue ser auto-suficiente? Num momento seguinte, como se dá a sua expansão?
Euclides Mance - Existem estratégias diferentes. O que queremos é que cada um consuma o tanto que pode produzir. Sem exageros, é claro. Na prática de economia solidária, é fundamental que se organize o consumo dos membros da comunidades.
RETS - O surgimento de oportunidades de trabalho também é um ponto forte na economia solidária?
Euclides Mance - Não diria que esse é o objetivo final na economia solidária. O que buscamos é a liberdade pública e privada. Para isso, é fundamental a universalização do consumo. As pessoas têm que consumir para terem autonomia na vida. É poder comprar o que gosta, ter acesso a educação e informação. Essa é a meta da economia solidária. O objetivo não é somente gerar postos de trabalho, mas garantir o bem-viver das pessoas. E para viver bem temos que trabalhar.
RETS - Numa comunidade que esteja iniciando uma rede de colaboração solidária, quais são os primeiros sinais que evidenciam a melhora na qualidade de vida dos seus habitantes?
Euclides Mance - Existem diversos indicadores. O mais importante deles é o nível de consumo, que passa a ser maior e de melhor qualidade. Outro sinal importante é a própria auto-estima das pessoas. Eles passam a ter dignidade. Em Porto Alegre, por exemplo, pude ver que os catadores, que hoje participam de uma cooperativa nos moldes da economia solidária, têm um novo olhar, bem diferente daquele anterior. Finalmente, a seleção de produtos a serem consumidos também indica a melhora na qualidade de vida dos habitantes.
RETS - Quais são os primeiros passos a serem dados por aqueles que desejam implantar a economia solidária em suas comunidades?
Euclides Mance - Basta buscar orientação junto à Rede Brasileira de Sócio-economia Solidária, organizar um conjunto de consumidores e definir quais investimentos seriam produtivos para atender à demanda da comunidade.
RETS - Por que o sr. afirma que o "o ato de consumo não é apenas econômico, mas também é ético e político"?
Euclides Mance - Na lógica da economia solidária, o produto ou serviço que você compra será investido na coletividade, aumentando a riqueza de todos os membros da comunidade. O que isso significa? Isso mostra que antes tínhamos pessoas desempregadas, mas que agora arranjaram um trabalho e, o mais importante, já podem consumir tudo aquilo produzido no local. Essa estratégia possibilita a autonomia de toda a rede.
Agora, se você vai buscar algum produto ou serviço no mercado que estamos acostumados a conhecer, você acaba contribuindo para a reprodução da lógica de exclusão. Por exemplo, você continua a consumir produtos de uma determinada empresa mesmo sabendo que ela explora seus trabalhadores. Acaba que você contribui para que essa situação não se altere.
RETS - De que forma a expansão do acesso à Internet e o surgimento de novas tecnologias da Informação podem contribuir para a consolidação das Redes de Colaboração Solidária no mundo?
Euclides Mance - Para iniciar uma rede de colaboração solidária, não há necessidade de Internet. Basta que os recursos locais sejam utilizados. No entanto, a Internet abre as portas para novos investimentos, intercâmbio de tecnologia e contribuiu bastante para a remontagem das cadeias produtivas. Há também a possibilidade do comércio eletrônico, que é a grande novidade. Na verdade, a Internet suprime uma série de dificuldades. A tecnologia da Informação permite uma maior agilidade em todo o processo. Atualmente, boa parte da economia real migrou para o comércio eletrônico. Mesmo assim, acredito que ela não irá desaparecer.
RETS - Como o uso de software livre pode se tornar uma importante ferramenta para a rede solidária?
Euclides Mance - O uso de software livre marca um avanço muito grande nessa área. Ele possibilita a multiplicação gratuita do acesso a novas tecnologias e contribuiu para a ampliação do processo produtivo.
Desenvolvi uma variação de software livre, que é o Copysol. Ele tem quase as mesmas características que um software livre, mas com a diferença que não pode ser usado para atividades que exploram o trabalhador ou que destruam o meio ambiente. O Copysol segue os princípios da rede solidária. Por isso, ele não pode ser usado em qualquer empresa, apenas naquelas que adotam as práticas da economia solidária.
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