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Terceiro Setor e Internet

Autor original: Flavia Mattar

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Depois de visitar mais de dois mil sites de organizações do terceiro setor, o autor do "Estudo Exploratório sobre o e-social no Brasil", Edson Sadao Iizuka, formado em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), já tem algumas conclusões sobre a presença dessas instituições na Internet. Para Sadao, não restam dúvidas que a Internet é uma ferramenta poderosa de articulação entre as organizações, sendo cada internauta um potencial agente de cidadania. Saiba mais na entrevista a seguir.


Rets - Na sua opinião, de que maneira a Internet pode ser um meio para o desenvolvimento social?


Edson Sadao Iizuca - As maneiras podem variar conforme a nossa sensibilidade e criatividade. Cada pessoa ou organização vê a Internet de forma muito distinta, atribuindo maior ou menor valor a ela. De qualquer forma, temos que reconhecer que trata-se de um meio de comunicação muito diferente do que estamos acostumados a lidar e que há um longo caminho de aprendizagem.


A Internet pode ser amplamente utilizada para os objetivos das organizações da sociedade civil no cumprimento da sua missão e objetivos, colaborando na captação de novos recursos (financeiros, voluntários, materiais, etc.), pode ser utilizada na disseminação de informações e conhecimento (matérias, notícias, etc.); em pesquisas e levantamento de informações, na venda de produtos e serviços, como presença institucional, como benchmarking com organizações congêneres, enfim, muitas outras possibilidades. Além disso, as empresas de e-business podem incorporar uma estratégia de responsabilidade social – divulgação de causas sociais, por exemplo - numa velocidade muito maior em relação ao que vem acontecendo nas empresas.


Outro exemplo seria que os governos, em todos os níveis, podem fomentar alianças e parcerias com a sociedade civil, facilitando o acesso e o uso da Internet. As universidades podem ser uma ótima fonte de pesquisa e ensino para as pessoas que estão envolvidas no desenvolvimento social e as pessoas podem mobilizar campanhas, ações cívicas e disseminar informações que instiguem, promovam e fortaleçam iniciativas que construam a cidadania no Brasil. As possibilidades, portanto, são inúmeras, e cada internauta e cada organização presente na Internet é um potencial agente de cidadania.


É importante frisarmos, contudo, que há uma clara necessidade de ações fora da Internet para resultados consistentes, ou seja, a Internet por si só não é suficiente para transformarmos a sociedade.


Rets - Sua pesquisa foi motivada por um estudo da Fundação Kellogg sobre ações filantrópicas praticadas nos Estados Unidos utilizando a Internet como meio e ferramenta. Que dados apresentados neste estudo instigaram você a fazer uma pesquisa desta natureza, no Brasil?


Edson Sadao Iizuca - Eu descobri o estudo da Fundação Kellogg poucos dias depois do seu lançamento no EUA , quando eu já pesquisava na Internet. Eu fiquei absolutamente surpreendido com a diversidade de iniciativas e empreendimentos. Além disso, percebi que este relatório procurou fazer uma análise crítica sobre as possibilidades e limites da Internet quanto ao processo de desenvolvimento social. Era preciso fazer algo semelhante no Brasil, organizando dados e informações relevantes sobre ações e iniciativas sociais que utilizam a web.


Rets - Qual foi o universo pesquisado e que critérios você utilizou para escolher este universo?


Edson Sadao Iizuca - Eu estava particularmente interessado nas chamadas ".ORG", porque em tese são as que deveriam promover a cidadania e o desenvolvimento social. Depois de levantar o primeiros dados, percebi que algumas ".ORG" não praticavam necessariamente algum tipo de atividade de interesse social, por outro lado, constatei que algumas ".COM" eram dedicadas única e exclusivamente às ações mais características do terceiro setor. Então, a partir desta constatação, resolvi optar por uma pesquisa temática, dividida em 12 áreas que cobririam boa parte da área social no Brasil: assistência social, cultura, direitos humanos, educação, gestão social, governo, infância e juventude, meio ambiente, movimentos sociais, múltiplas áreas, responsabilidade social das empresas e saúde. A pesquisa realizada é uma primeira tentativa para entendermos o que chamei de "e-social". Tenho certeza de que nos estudos que continuarei fazendo, estarei aperfeiçoando os critérios utilizados, oferecendo maior qualidade nos resultados apurados.


Rets - A que conclusões você chegou, em relação ao número de organizações do terceiro setor brasileiras presentes na Internet?


Edson Sadao Iizuca - Eu considero que o número de organizações é muito baixo, pois menos de 3% do que estimamos como o número total de OSC’s no Brasil, de acordo com a pesquisa feita pela pesquisadora Leilah Landim sobre o terceiro setor no Brasil, estão presentes na Internet.


Há um alto grau de exclusão digital no nosso país e se considerarmos a questão qualitativa dos sites localizados é ainda mais dramático. No meu entender, inclusive, não basta estar na Internet, é preciso saber utilizar esta ferramenta de forma adequada aos interesses e necessidades da área social.


Este número relativamente baixo significa, entre outras coisas, que há um grande potencial a ser explorado pelas OSC’s, ou seja, estamos apenas começando a utilizar este meio nas questões relativas à solidariedade e cidadania.


É interessante notarmos que o percentual de organizações presentes na Internet aproxima-se do percentual das que possuem o certificado de utilidade pública federal, abrindo-se a hipótese de que há uma correlação entre ser "mais organizada" com o "estar presente" na Internet.


Rets - Como estas organizações têm utilizado a Internet, em termos qualitativos? As diferentes possibilidades da web são bem exploradas pelas instituições?


Edson Sadao Iizuca - Estamos muito distantes de utilizarmos todo o potencial da Internet. Ainda são raros os exemplos das organizações que fazem um uso otimizado, pois em geral, estão limitadas à questão institucional, ou seja, utilizam a Internet como se fosse uma espécie de "folder eletrônico".


O dinamismo da Internet, o aumento das facilidades de acesso e uso das novas tecnologias e o barateamento crescente (devido à alta competitividade) de softwares e hardwares podem alterar profundamente o quadro atual. Um outro fator crucial, talvez o principal, é a sensibilização e a conscientização (principalmente das lideranças envolvidas nas diversas questões sociais) das pessoas sobre o uso da Internet como um importante meio de desenvolvimento e sustentabilidade.


Rets - Que caminhos apontaria para que a Internet se torne uma ferramenta efetiva de transformações sociais no Brasil?


Edson Sadao Iizuca - Uma das principais necessidades é um aumento substancial nos volume de recursos dedicados às ".ORG". Isto pode ser viabilizado por fundos de investimentos construído por empresários, institutos e fundações visionários. As empresas de tecnologia, por sua vez, podem ser uma peça chave na viabilização das ".ORG", fornecendo produtos e serviços aos empreendimentos sem fins lucrativos. Eu acredito que dentro de pouco tempo isso irá acontecer, pois em algum momento os atuais investidores na área social perceberão que a inclusão digital é tão importante quanto construir uma creche.


A maioria das pessoas associam a exclusão digital às camadas da população mais pobres, mas há um contingente muito grande de pessoas com as condições para o acesso à Internet e que não sabem utilizar esta ferramenta – são "os info excluídos" ou analfabetos digitais. Há uma exclusão digital "velada" e é necessário enfrentarmos isso. É preciso um processo de inclusão digital amplo, inclusive para os que supostamente já estão usando a Internet, ou seja, o que importa na realidade, em última instância, é o usufruto das novas tecnologias e não apenas o acesso à elas.


Rets - Qual o conselho que você dá para aqueles que querem utilizar a Internet como ferramenta de desenvolvimento social?


Edson Sadao Iizuca - Sem uma grande articulação entre os diversos empreendimentos haverá muito desperdício de energia e os resultados serão bem abaixo do potencial que a Internet nos oferece. Em resumo, temos que disponibilizar conteúdos, produtos e serviços com qualidade e eficiência e, ao mesmo tempo, saber entregar o que produzirmos à sociedade.


Gostaria de destacar os jovens, as universidades e colégios como um dos aspectos mais estratégicos no uso da Internet com objetivos sociais. A chamada "geração web" pode fazer a diferença num futuro próximo. Os jovens, de maneira geral, são muito sensíveis às questões sociais e mais da metade deles querem fazer algum tipo de trabalho voluntário e não sabem por onde começar. Ao mesmo tempo, uma parcela considerável deles já está habituada às novas tecnologias. Iniciativas como o Akatu.net que busca construir o conceito de consumo consciente, por exemplo, podem influenciar um tipo de consumo com um significado social entre os jovens. As universidades e os colégios por sua vez, podem ser os principais meios para a disseminação e o fortalecimento de conceitos como cidadania, ética e solidariedade, influenciando futuros líderes. Além disso, as universidades podem compartilhar conhecimentos técnicos necessários ao desenvolvimento social por meio do e-learning.


Há com certeza outros caminhos, outras formas para que a Internet possa ser utilizada como meio para o social. O certo, porém, é que trata-se de um processo de aprendizagem contínuo e que as pessoas precisam instigar a sua criatividade para um olhar diferenciado em relação à Internet.

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