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Informação, a arma do ativismo via Internet

Autor original: Flavia Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Henrique Antoun*


''Don't hate the media. Be the media.''


Não odeie a mídia, seja a mídia. Para os grupos alternativos de informação, não basta contrapor a Internet às velhas mídias. É preciso inventar as atividades que façam do novo meio a expressão de uma nova vida.


O ativismo registrado hoje na Internet - por grupos com o 2600 - foi elaborado pelos sobreviventes das experiências comunitárias e políticas do final dos 60 e início dos 70; depurado pelo terror do Estado dos 70, fez sua travessia pelo deserto em direção à terra prometida pelo exílio, a prisão ou o movimento de computadores, redes e ongs dos 80. Fez da comunicação mediada por computador (CMC) seus sentidos cognitivos e sua mente.


Cansada de ser estigmatizada pelas grandes corporações comerciais no noticiário da mídia corporativa, hoje disputa a primazia da informação com estes gigantes através da Internet. O ativismo reúne o trabalho vivo à realização vital. Podemos assinalar isso em movimentos como o DAN (Direct Action Network) - um dos principais organizadores das manifestações de 1999 em Seattle (EUA) contra a Organização Mundial do Comércio, parte da federação de movimentos que criou o Independent Media Center www.indymedia.org.


Ou então na atividade dos hackers do grupo cDc (cult of Dead cow), criadores do temido Back Orifice, na origem um programa open source e gratuito que serve para administrar redes do Windows NT da Microsoft de forma tão simples e eficiente que serviu de base para a criação e a multiplicação dos vírus chamados trojans (troianos). O mesmo se repete nos movimentos de criação de software de código-fonte aberto e domínio público - que fazem, por exemplo, proliferar a imensa variedade de versões do sistema operacional Linux ou geram a firme e elegante integridade do FreeBSD; sobretudo na comunidade que cria programas gratuitos que resultam na Internet em redes peer to peer (P2P, computador a computador) de pesquisa e troca de arquivos, como Napster, Freenet ou Gnutella.


Tomemos o exemplo do movimento hacker ligado ao grupo 2600 para melhor compreender uma comunidade ativista. Se tentarmos explicar o que é o 2600 só poderemos fazê-lo invocando uma interminável lista de atividades. Pois ele é um site na Internet, uma revista trimestral impressa (2600 Hackers Quaterly), uma revista eletrônica, um newservice, um programa de rádio semanal (Off The Hook), transmitido ao vivo também pela Internet, um lugar para conversas da comunidade hacker em salas de chat (IRC service), um encontro semanal em diversas localidades espalhadas no mundo, um arquivo vivo sobre outras publicações e zines feitas por e para hackers, que pode ser acessado serviço de FTP, um grupo de pesquisa e debate sobre questões de segurança e liberdade de expressão na rede que realiza a cada 2 anos o congresso Hackers On Planet Earth (HOPE), uma lista que discute e prepara o congresso bianual (hopelist).


De fato, tudo pode ser diferente amanhã nesses grupos, mesmo o nome, pois ele é o que menos importa. O que mantém as comunidades ativistas é uma potência logal difusora e conectiva que rompe o poder integrador das grandes corporações. A nova mídia é um meio para viver, não um meio de vida, um meio onde o tempo do trabalho não se contrapõe mais ao tempo de vida, onde o trabalho vivo determina o trabalho ''morto'' e o movimento vivo de cada participante constitui o espaço vital da atividade comunitária.


Sempre se criticou a Internet por dizer respeito apenas ao intelecto e à imersão virtual, implicando uma atrofia do corpo e do interesse por relações reais. Mas com ela a velha consciência tragada pela mente individual foi expelida para a extensão do mundo real. A mente está aí convertida em bits e pode ser conectada por telefone, cabo ou onda. E o corpo que se imaginava imóvel, fixado em algum monitor, jorrou por todas as ruas do mundo cantando e dançando sua luta por novos modos de viver.


A nova mídia desenvolve sua cobertura como um documentário ficcional cujo roteiro vai sendo escrito e narrado pelos próprios participantes. Se ela pode abandonar a isenção jornalística e permanecer veraz deve ser porque sua evidente adesão ao acontecimento se faz para proveito do jornalismo. Disposta a construir o acontecimento por todos os meios que o sistema hipermídia é capaz de operar, recebe uma contrapartida ética do próprio acontecimento, devolvendo-lhe a força da verdade.


* Doutor em Comunicação, professor-adjunto e pesquisador do programa IDEA da ECO-UFRJ


* Artigo publicado em 17 de maio de 2001, no Jornal do Brasil - http://www.jb.com.br

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