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Meio Ambiente e Crise da Energia Hidrelétrica

Autor original: Flavia Mattar

Seção original: Artigos de opinião






Henrique Rattner*


A geração e o uso amplamente difundidos de energia hidrelétrica têm sido aclamados como solução racional e "limpa" dos problemas da demanda sempre crescente por recursos energéticos em nosso país. Contudo, os impactos ambientais e sociais das barragens hidrelétricas construídas nas últimas décadas (Itaipu, Tucuruí, Balbina e outras), têm levantado críticas e debates da área científica, política e da opinião pública em geral.


Ao abrir a "caixa preta" dos impactos sociais e ambientais são revelados os erros e também, os dilemas causados pela ausência de um planejamento regional e energético integrado, capaz de incorporar as diferentes dimensões dessas obras gigantescas e prever seus impactos na sociedade.


Não basta justificá-las pelo valor econômico gerado, sem mencionar o endividamento da nação que onera as gerações futuras.


Cumpre indagar e pesquisar sobre "como evitar perdas e catástrofes nos ecossistemas e os problemas sociais causados pelas grandes centrais hidrelétricas"? Como evitar as ameaças ao patrimônio natural, genético e cultural da humanidade, em decorrência da construção de represas, ditada pelos interesses do capital?


Apesar da construção de hidrelétricas de grande porte ser considerada fonte de energia limpa, movida por recursos renováveis e com vida útil de até cem anos, as grandes barragens que inundam as terras mais férteis nos vales têm provocado inúmeras polêmicas da opinião pública nacional e internacional.


Entre as conseqüências negativas para as populações locais aponta-se para:



  • comunidades expulsas pela inundação de suas terras;

  • impactos nos ecossistemas das regiões afetadas, ameaçando flora e fauna;

  • populações ribeirinhas prejudicadas pelas mudanças do regime do rio a jusante;

  • cidades obrigadas a acolher grandes contingentes de trabalhadores migrantes, em função das obras;

  • comunidades indígenas profundamente afetadas em seu habitat e estilo de vida, devido às transformações econômicas, sociais e ecológicas na região.

Com a democratização pós 1985, a sociedade civil passou a questionar os padrões dominantes da política energética, inclusive a construção de grandes barragens, sem falar da aventura desastrosa de se construir reatores nucleares na baía de Angra dos Reis, entre as duas maiores concentrações urbanas do país.


Os diferentes sistemas de valores e interesses dos grupos envolvidos nas decisões geram conflitos historicamente "resolvidos" pela repressão dos mais fracos e não necessariamente na busca de um caminho mais racional e eqüitativo.


O momento histórico atual não comporta mais imposições autoritárias em projetos de alcance regional e nacional. Ao postular a participação da sociedade civil, é mister criar mecanismos adequados para disseminar as informações técnicas, econômicas e financeiras, e manter abertos e transparentes os canais de consulta e de fiscalização, na execução das obras.


A falta de energia e a ameaça de racionamento permitem prever efeitos extremamente graves para a economia, o crescimento das atividades produtivas e do emprego, devido ao aumento inevitável dos custos de suprimento e seu impacto nos preços e o nível de inflação. É possível evitar essa calamidade pública?


O nível das represas no sudeste e nordeste chegou no final da estação de chuvas a 30%. Faltando cinco meses até o início das chuvas (novembro 2001) e estimando uma diminuição de 5% do volume das águas por mês, mesmo com o racionamento de 20% do consumo imposto pelo governo, fica patente o agravamento da situação nos próximos meses.


Verifica-se que faltavam os investimentos indispensáveis na geração e transmissão de energia, nesta última década: de uma média de R$ 13 bilhões por ano nos anos oitenta, passaram para menos de R$ 7 bilhões, nos anos noventa. A queda nos investimentos foi fruto das restrições impostas às empresas estatais pela área econômica do governo, que seguiu à risca os mandos do FMI – Fundo Monetário Internacional. Para os magos das finanças do FMI, investimentos de empresas estatais, mesmo lucrativos, são contabilizados como despesas governamentais, portanto, sujeitas a cortes, a fim de assegurar o cumprimento das metas combinadas com os banqueiros internacionais, de reduzir e controlar o déficit fiscal.


Para assegurar a expansão da economia, mesmo se fosse só para acompanhar o crescimento vegetativo da população e, muito mais ainda, para impulsionar o desenvolvimento e a integração de todas as regiões do país, uma política planejada de construção de novas fontes energéticas e de linhas de transmissão que cubram todo o território nacional é requisito fundamental e indispensável.


Entretanto, os investimentos em geração de energia são de longa maturação. O tempo de retorno do capital investido, com a atual política tarifária, é de aproximadamente de 25 a 30 anos, com uma taxa de retorno de 3 a 3,5% ao ano. Em função de nossa dependência do mercado internacional de capitais, essa taxa de retorno é considerada muito baixa pelos capitalistas. A taxa básica de juros nos EUA (prime rate) está hoje (maio de 2001) em torno de 4,5% ao ano, equivalente a um tempo de retorno de aproximadamente 16 anos. Em outras palavras, seria muito mais rentável aplicar em papéis do tesouro norte-americano do que investir em energia elétrica no Brasil, tendo em vista a atual política tarifária. Pior ainda: os investidores estrangeiros exigem, para correr risco de investir em países emergentes, uma taxa de retorno de 15% ao ano o que corresponde a um período equivalente de 5 anos para a recuperação do investimento. Em outras palavras, para que o investimento em energia seja atraente para os capitalistas estrangeiros, o preço da tarifa deverá elevar-se em torno de 4 a 5 vezes seu valor atual!


Em um país com a distribuição de renda como o Brasil, onde a maioria mal sobrevive com um a três salários mínimos, se o custo da energia chegar a este patamar, seu consumo estaria inviabilizado. Por outro lado, boa parte das usinas hidrelétricas já amortizaram o investimento inicial e geram lucros significativos. Privatizar, neste caso, a geração de energia significa renúncia de receita líquida do governo – um ato totalmente irracional e um tremendo desserviço à nação.


Entretanto, os interesses da tecnocracia e das grandes empreiteiras têm privilegiado a construção de mega-projetos, de elevado custo e de prolongado tempo de realização das obras, enquanto foram desativadas e sucateadas centrais hidrelétricas de pequena e média escala que poderiam proporcionar mais flexibilidade e eficiência a um sistema de distribuição descentralizado.


O desafio colocado perante a sociedade brasileira é de como superar a contradição entre a necessidade de se planejar a geração e distribuição de energia em nível nacional e acatar a imposição de diretrizes de políticas fiscal e financeira que também exige a privatização do setor energético.


Afinal, para que e para quem se constroem as grandes barragens? Quem se beneficia com a produção dessa eletricidade? Quais as condições de financiamento impostas pelos organismos internacionais? Justificam-se os subsídios permanentes concedidos às grandes empresas consumidoras dessa energia? Haveria alternativas para evitar os impactos negativos desses empreendimentos? Seria possível equacionar, através de mecanismos democráticos, os conflitos de interesses aparentemente irredutíveis, entre os diferentes atores sociais envolvidos?


* Henrique Rattner é coordenador do ProLides - Programa de Lideranças para o Desenvolvimento Sustentável no Mercosul, da ABDL. E-mail: rattner@abdl.org.br







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