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Consumismo: uma tendência insalubre

Autor original: Felipe Frisch

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Como transformar consumidores em cidadãos? Certamente, é uma pergunta estranha, mas que tem que ser respondida logo. Do contrário, o risco é o de a sociedade imergir num apagão, não energético, porém mais perigoso. Hoje, quando se fala em "consumidor", pensa-se muito mais em direitos do que em deveres. Talvez essa seja a mais significante diferença entre a sociedade simplesmente "de consumo" e a sociedade que é realmente consciente de suas garantias e obrigações.


Uma publicação do WorldWatch Institute, Sinais Vitais 2001 (com tradução prevista para julho, no Brasil), traz alguns dados sobre essa economia reinante do "coma tudo que puder". Segundo o autor, Michael Renner, essa cultura não só adoece o ser humano, como também o mundo. A proposta da publicação é justamente falar sobre "as tendências que determinarão nosso futuro", lembra o subtítulo.


"Estamos constatando que as escolhas do estilo de vida consumista do mundo desenvolvido são tão insalubres para nós quanto para o planeta", declara Renner. O livro traz dados assustadores sobre a distribuição global desse padrão de vida. "As classes emergentes das nações em desenvolvimento estão seguindo os padrões danosos estabelecidos pelo mundo desenvolvido: o consumo de carne e café está em alta, assim como a obesidade, e mais da metade da população fumante mundial encontra-se nas nações em desenvolvimento", diz o autor.


Não são só os brasileiros que estão comendo mais frango. A população mundial de aves para o consumo quadriplicou desde 1961 (de 4,2 para 15,7 bilhões). Segundo o pesquisador, o aumento dessa demanda por carne incentiva a aplicação de antibióticos em animais agrícolas, o que torna estes medicamentos ineficazes nos seres humanos. E, enquanto a indústria farmacêutica é uma das mais lucrativas do mundo, um levantamento entre 1975 e 1997 constatou que, dos 1233 medicamentos que chegaram ao mercado, apenas 13 eram para doenças que se manifestam especialmente nos países tropicais.


Apesar disso, Renner comprova com dados positivos que o consumidor dá preferência ao consumo consciente, quando há alternativas. Segundo a publicação, os investimentos socialmente responsáveis, nos EUA, aumentaram de US$ 59 bilhões em 1984, para US$ 2,16 trilhões em 1999. O que ele tenta provar, nas suas conclusões, é que "quando os consumidores exigem, métodos de produção ambientalmente benignos e socialmente responsáveis podem ser alcançados".


Iniciativas em defesa do bom consumo


No Brasil, o terceiro setor está à frente na luta por uma cultura de consumo consciente. Um exemplo de iniciativa que está crescendo é a do Akatu.net, que, através de um portal na Internet quer criar um consumidor diferente. "Consumidor consciente é o cara que sabe que depende do mundo da mesma forma que o mundo depende dele", explica Daniel Cara, responsável pela formação de consumidores do portal.


Segundo ele, o que falta para que o consumidor deixe de adquirir um produto maléfico é a informação. "O consumidor é ávido por informação. A propaganda se baseia nisso, e seria uma luta inglória a nossa - lutar contra a publicidade", diz. Daniel lembra que a criação da sociedade de consumo veio depois da Segunda Guerra, com o crescimento do marketing e da venda de valores, não mais utilidades. "Nas últimas décadas, o cidadão foi reduzido ao consumidor. Queremos inverter essa lógica", explica.


Um grupo que também está atuando na batalha por um consumo com consciência é a Associação Cidade Verde (ACV), de Porto Velho, Rondônia. Desde 98, a associação promove uma linha de ação que inclui a defesa do meio ambiente, a orientação de consumidores, e a fiscalização da violação dos direitos humanos, inclusive dos indígenas da região. São cerca de 100 associados - a maioria com formação jurídica - que vêm atuando desde 98 na promoção de ações civis públicas.


Para o presidente da ACV, não há por quê separar meio ambiente e proteção do consumidor. "Consumo e cidadania são uma coisa só", diz. Para ele, existem três principais fases de atuação. "O primeiro degrau é informar o consumidor sobre seus direitos, o segundo é orientar sobre o que consumir. A última instância é defendê-lo, se ele for lesado", conta.


Quanto aos hábitos de consumo dos brasileiros, ele diz:


- Acho que existe uma questão cultural brasileira de gastar mais do que se deve - quando o indivíduo dorme e deixa a tevê ligada, fica cantando no chuveiro, quando pega a mangueira para lavar o carro ou a calçada todo dia. Mas o Estado erra, quando sequer ameaça não licenciar descargas que gastem mais de quatro litros, ou chuveiros elétricos que gastem mais energia do que o necessário, o que seria um terço do que consomem hoje. O Estado é sócio nessa "gastança". Quer ver ele se preocupar? Diga que ele não vai mais poder cobrar impostos sobre essas despesas.

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