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O governo não estava no escuro

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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"Tem Light no fim do túnel". Esse é o título do artigo escrito para o jornal O Globo, em 16 de abril de 96, por Herbert de Souza, o Betinho.


No texto, Betinho manifesta sua indignação diante daquilo que considerava um retrocesso: a privatização de serviços e recursos essenciais, como o petróleo e a energia elétrica. Sua preocupação não ficou no papel. Betinho é fundador da ONG Ilumina - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico, que se preocupa em denunciar ações que impliquem em perdas para o consumidor de energia elétrica e para a sociedade brasileira.


O secretário-geral do Ilumina, Agenor de Oliveira Mattos, conversou com a Rets sobre as verdadeiras causas da crise no fornecimento de energia elétrica e suas conseqüências.


Rets - A crise energética pela qual estamos passando estava prevista desde 1996. Havia, inclusive, um Plano de Emergência sendo elaborado pela Eletrobrás que apresentava alternativas de médio prazo para evitar que o país chegasse a uma situação tão crítica, no que diz respeito ao fornecimento de energia elétrica. Por que estas alternativas não foram implementadas ao longo dos últimos anos?


Agenor de Oliveira - Em primeiro lugar, porque o governo não teve uma política energética para o país; o que, em última análise, significa que o governo não teve um plano de desenvolvimento para o Brasil. Energia elétrica farta e barata é fator de inclusão social. Em segundo lugar, o governo decidiu tratar a energia elétrica, um bem público essencial, do mesmo modo que trata da safra do chuchu! Ninguém faz um Plano de Emergência se não há emergência para resolver uma situação grave de crise energética. A irresponsabilidade é do governo que não o implementou. Os técnicos sabem que, num setor elétrico como o nosso, não se pode errar durante 5 anos seguidos e o governo conseguiu essa proeza. Em um erro técnico, desmontou o Planejamento Energético do setor elétrico integrado(!!!) brasileiro. Isso significa deixar de ser o síndico de um condomínio de caixas d'água no deserto, colocando um camelo para tomar conta...Num erro econômico, engessou as lucrativas empresas estatais do setor proibindo-as de investir seus lucros, para vendê-las de cofre cheio ao investidor privado, com financiamento do BNDES. Num erro estratégico, vendeu as distribuidoras monopolistas na distribuição de energia aos consumidores finais, sem qualquer regulamentação. Na verdade, o governo privatizou a bilheteria do setor elétrico, deixando o consumidor nas garras das maiores tarifas praticadas no mundo. Tenta cometer a bobagem de dividir as atividades de geração e transmissão das empresas públicas que restam para transferí-las para o investidor privado que não investiu no aumento da oferta de energia, porque produto excasso é produto mais caro, nem na construção de Linhas de transmissão que não dão lucro. Os reservatórios do Norte e do Sul do país têm água, mas o governo não fez o meio de transporte dessa energia acumulada: as Linhas de transmissão. É claro que o Brasil, por uma dádiva geográfica, é um país hidroelétrico e é uma tolice tentar modificar uma vocação. Você preferiria que o Chico Buarque fosse arquiteto? É parecido com a questão da matriz energética brasileira. O negócio é gás dolarizado? Querem trocar um carro movido a água por um outro movido à gasolina! E querem que isso seja pago com o meu, com o seu, com o nosso dinheiro...No Brasil, pelas suas características climáticas, geográficas e hidrológicas, a energia térmica (carvão, óleo combustível, urânio etc) deve ser utilizada de forma a complementar à energia hidráulica, além da necessária otimização do seu uso quando a água estiver farta nos reservatórios. O uso do sol, dos ventos, do lixo, do bagaço de cana também deveria ser incentivado pelo governo para atender a demandas localizadas, como pequenas comunidades, condomínios, sítios. Há os pequenos aproveitamentos hidráulicos, as faladas PCH; usinas indicadas para municípios, com baixo impacto ambiental e curto prazo para operação,além diversas outras alternativas que, estando ou não no Plano, evitariam a crise. E muitas dessas alternativas poderiam ser implementadas em parceria com o capital privado sem o patrocínio do capital público...Bom, o governo não fez nada disso e preferiu criar um Ministério do Apagão.


Rets - Na sua opinião, o motivo do racionamento que começamos a viver é a falta de chuvas?


Agenor de Oliveira - Culpar São Pedro pela crise energética brasileira e como querer culpar aquele camelo, que virou sindico da água, pela seca no deserto. O governo sofre da síndrome "o inferno são os outros". Por que será que os reservatórios são tão grandes? é claro que para armazenar uma grande quantidade de água por bastante tempo. Estes reservatórios estão espalhados pelo Brasil. Todo mundo sabe que os períodos de chuva e de seca no Brasil são diferentes em suas diversas regiões. Quando chove aqui, seca alí..Então, é claro, sempre haverá reservatório com água e reservatório sem ou com pouca água. As usinas térmicas funcionam para complementar estes desequilíbrios. No Brasil, são as linhas de transmissão que cumprem o papel de levar água sob a forma de energia da fartura para a excassez. A sabedoria da fábula da cigarra e a formiga é perfeita neste caso da crise energética. O governo é a cigarra e o povo vai continuar sendo a formiga, só que trabalhando o dobro, comendo menos...e ainda por cima no escuro. Ao ouvir o próprio canto, o governo não deu ouvidos aos alertas dos técnicos e especialistas, nós do ILUMINA e de outras entidades quanto à iminência da crise. Por exemplo, em junho do ano passado, apoiamos a Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional na realização do seminário "Colapso Energético e Alternativas Futuras"!!!? Não foi premonitório? O seminário virou um livro já disponível na Comissão e registra depoimento do ONS afirmando que não haveria crise...


Rets - O Brasil é um dos países com maior potencial hidráulico do mundo, possuidor de 12% da energia hidráulica do planeta e com possibilidades de dobrar a sua capacidade instalada. Por que pagamos tão caro pela energia elétrica, aqui? E por que corremos o risco de pagar sobretaxas e pior - ficar no escuro?


Agenor de Oliveira - No Brasil a energia gerada pelas usinas é barata e custa uns R$ 40,00 por megawate hora. Este preço é uma especie de média dos custos de produção de todas as usinas do sistema integrado, incluindo térmicas e termonuclear.


As distribuidoras de energia, que revendem ao consumidor final em 110 ou 220 volts, já cobram tarifas de mais de R$ 180,00 por Mwh e acréscimos acumulados em cerca de 80% acima da inflação. Pagamos caro porque ninguém controla monopólio privado de um bem público essencial como a energia elétrica. As agências reguladoras são usadas como instrumento de poder do executivo e não como instância de proteção e recorrência do consumidor. A qualidade do serviço de energia piorou, o risco aumentou, você tem de cumprir cotas de consumo, cortarão sua luz de vez em quando e você ainda pagará mais caro por isso!


Rets  - Quem vai arcar com os prejuízos do racionamento?


Agenor de Oliveira - O Brasil. Os prejuízos não serão só do presente, mas do futuro. Racionamento é atraso,. é desemprego . Temos um dos menores consumo de energia elétrica per catpita  do mundo,temos quase 20 milhões de pessoas sem energia elétrica, temos uma das piores renda per capita do mundo, uma das piores distribuições de renda e a falta de energia tende a agravar estas realidades. Infelizmente. O próximo governo vai pegar um abacaxi  que dá choque e os consumidores acabam pagando a conta.


Rets - Como a sociedade civil organizada está se articulando para enfrentar as medidas impostas pelo Plano de Racionamento de Energia do Governo?


Agenor de Oliveira - A sociedade tem se mostrado mais responsável e mais organizada  do que o próprio governo. Ainda bem, porque senão seria mesmo o caos. E apesar dessa ajuda o governo vive fazendo maldades com ela, tentando retirar direitos costitucionais e coisas que tais. Existem várias entidades se organizando na defesa dos direitos do consumidor. No site do ILUMINA www.ilumina.org.br você pode encontrar algumas informações sobre estas ações.


Rets - Qual a orientação que o Ilumina dá para o cidadão? Qual é a postura mais razoável diante da crise energética, e como o cidadão pode se defender de abusos sobre seus direitos básicos?


Agenor de Oliveira - O cidadão deve estar atento com as verdades oficiais. Muitos interesses estão em jogo e muita propaganda enganosa está sendo massificada sobre a questão energética. Tem gente que acredita piamente nessa história de São Pedro. O santo, se não fez chover, também não gastou irresponsavelmente em um único ano a água acumulada nos reservatórios para cinco.... É importante que as pessoas economizem energia, mas sabendo a verdade e exigindo que os responsáveis e aqueles que lucram e lucraram com o setor entrem com a maior parte do sacrifício.

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