Você está aqui

Para entender melhor o Projeto Telecomunidades/Bibliotecas

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original:

O coordenador do Grupo de Trabalho de Universalização do Acesso - responsável pela implementação do Projeto Telecomunidades/Bibliotecas, no âmbito do Programa Sociedade da Informação, Sergio Goes de Paula, explica em detalhes as atividades, os objetivos e a importância desta iniciativa, que vai montar telecentros em cerca de 4.000 bibliotecas públicas, 5.000 organizações da sociedade civil e 500 centros de referência cultural e científica, utilizando os recursos do FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações.


O Grupo de Trabalho de Universalização do Acesso está divulgando, na Rets desta semana, um conjunto de textos - resultado do trabalho realizado nos últimos meses - que se constitui de um Roteiro Explicativo para a Elaboração de Projetos, um Formulário de Apresentação de Projetos e um Formulário de Identificação de Bibliotecas. Este material poderá ser preenchido pelas organizações interessadas e deverá ser enviado para o Socinfo. Espera-se, com isso, ter condições de avaliar o interesse das organizações em participar deste ambicioso projeto. Saiba mais detalhes na entrevista que se segue, concedida por Sergio, com exclusividade.


Rets -      Qual é o papel do Projeto Telecomunidades/Bibliotecas, dentro do Socinfo?


Sergio Goes - O Programa Sociedade da Informação é subdividido em vários grupos de trabalho, entre eles, o Grupo de Trabalho de Universalização de Acesso. Uma das tarefas deste GT é o desenvolvimento da estratégia de implantação do Projeto Telecomunidades/ Bibliotecas.
O Projeto Telecomunidades, como um todo, é de responsabilidade do Ministério das Comunicações, e é dividido em vários subprojetos: Telecomunidades/Saúde, desenvolvido conjuntamente com o Ministério da Saúde; Telecomunidades/Educação, desenvolvido com o Ministério da Educação, e assim por diante. O Projeto Telecomunidades/Bibliotecas, por sua vez, está sendo desenvolvido com o apoio do Ministério da Cultura e do Ministério das Ciências e Tecnologia.


Rets -      Como serão selecionadas as organizações beneficiadas pelo Projeto Telecomunidades/Bibliotecas? Que critérios serão utilizados?


Sergio Goes - Um projeto como este, que pretende alcançar cerca de 4.000 bibliotecas públicas, 5.000 organizações da sociedade civil e 500 centros de referência cultural e científica só pode ser realizado se for radicalmente democrático e transparente. A proposta do Socinfo é fazer uma chamada pública dirigida às instituições interessadas, divulgando amplamente o projeto e solicitando o envio de projetos, que serão analisados por uma comissão composta por especialistas e por representantes dos diversos setores envolvidos.


 Rets -      O universo das Bibliotecas Públicas, dos Centros de Referência Cultural e das bibliotecas das Organizações da Sociedade Civil é muito amplo. Como será feita a implantação e a manutenção do projeto em todas estas instituições espalhadas pelo pais?


Sergio Goes - Evidentemente, a realidade não se curva aos planos, e  é inútil tentar impor fórmulas rígidas e que não respeitem a realidade sócio econômica do setor. Levando-se em conta que as bibliotecas públicas brasileiras estão organizadas em sistemas – onde as bibliotecas estaduais coordenam as bibliotecas municipais e a Biblioteca Nacional articula todo o conjunto – e que as organizações da sociedade civil tradicionalmente se articulam em redes de maior ou menor formalidade, a idéia é estimular a formação de projetos cooperativos, onde as bibliotecas estaduais, no primeiro caso, e oscs  de maior porte, no segundo caso, coordenem projetos envolvendo instituições de menor porte. No caso dos centros de referência cultural estamos pensando em dividi-los pelas áreas em que atuam – artísticos, científicos, históricos e etnográficos – e selecionar os mais bem estruturados para coordenar um conjunto de instituições.


Com a intermediação destas organizações de “segundo nível” ficará facilitada uma série de ações essenciais, como capacitação, avaliação, desenvolvimento de campanhas etc.


Rets -      Os recursos para a implementação do Programa Sociedade da Informação vêm do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Você poderia explicar melhor o que é o FUST e qual o montante previsto para o Projeto Telecomunidades/Bibliotecas, especificamente?


Sergio Goes - O FUST está previsto na lei que regulamentou a privatização da telefonia e é composto por 1% do faturamento das empresas, que deve ser destinado a ações que não se justificam quando é considerado apenas o aspecto comercial – universalização de serviços tem aí o sentido de democratização de serviços e, assim, estes recursos devem ser utilizados no combate à chamada exclusão digital. No total, espera-se que neste ano de 2.001 seja arrecadado cerca de um bilhão de reais – não se pode dizer que seja pouca coisa. Para o projeto Telecomunidades/ Bibliotecas estão previstos, este ano, algo em torno de 240 milhões de reais.


No que diz respeito a prazos, o Programa de Universalização de Acesso, como um todo, deverá ser implantado em dois anos e meio, que é o prazo previsto para o FUST.


Rets -      Como serão aplicados estes recursos?


Sergio Goes - Os recursos do FUST destinam-se, exclusivamente, à implantação de conectividade – que, diga-se de passagem, deverá ser de boa qualidade – e à cessão, em comodato, de equipamentos terminais – computadores, impressoras, scanners, etc. Isto não basta para a manutenção dos telecentros, mas será uma alavanca para sua implantação. Outros recursos poderão ser obtidos de diversas formas. Por exemplo, fora dos horários em que os equipamentos estejam sendo usados pelas comunidades locais, gratuitamente, para acesso à Internet, eles poderão servir para cursos de informática, que poderão ser cobrados; pode-se pensar em campanhas de apoio local à iniciativa; pode-se pensar em projetos financiados com recursos da Lei Rouanet. Enfim, as possibilidades são muitas. O importante é que se está fugindo de um modelo tradicional, exclusivamente dependente de recursos do governo, que, todos sabemos, nem sempre são garantidos, principalmente quando se pensa em continuidade.


Rets -      Na sua opinião, qual será o impacto social e político da implementação de dez mil telecentros de uso público no país, nos próximos dois anos?


Sergio Goes - É até difícil de dizer. Mas caso o Programa seja efetivamente implantado, terá sido dado um grande passo em direção ao futuro. Talvez o mais importante nem seja a questão quantitativa, porque quando se fala de universalização, a pergunta que vem, quase naturalmente, é: universalização para quê? A universalização de acesso deve servir para o cidadão comum encontrar as informações que deseja, e estas não são, necessariamente, apenas as que estão na web hoje em dia. Neste sentido, a proposta de implementar tal universalização através de bibliotecas e de organizações da sociedade civil é bem pensada, acho eu. Porque se pensa em criar vias de mão dupla, onde não apenas se tenha acesso às informações já existentes, como também se possa incluir informações. Assim, as produções culturais locais terão uma divulgação ampla, principalmente através das bibliotecas; e as informações necessárias para o cotidiano do cidadão – sob a forma de capacitação, informações sobre mercado de trabalho, e outras que tais – também serão divulgadas, já que as organizações da sociedade civil, por definição,  estão melhor capacitadas para identificar e atender a tais demandas.


Rets -      Para as organizações do terceiro setor, qual é a importância de uma iniciativa como o Projeto Telecomunidades/Bibliotecas?


Sergio Goes - Primeiro vamos falar da importância das organizações do terceiro setor para o projeto: elas foram escolhidas para abrigar as bibliotecas/telecentros por sua inserção nas comunidades e, neste sentido, é uma proposta mais realista do que uma proposta que considerasse apenas as bibliotecas públicas – sabemos que no Brasil as bibliotecas servem apenas a frações da população, principalmente estudantes.


Para as organizações do terceiro setor ligadas às comunidades, o projeto, parece-me, terá grande importância, pois poderá agregar mais dois elementos de aproximação: o telecentro e a biblioteca. Veja bem: muitas organizações, principalmente aquelas ligadas à educação e formação, já dispõem de bibliotecas, e o telecentro será um fator de atração para várias camadas da população, além das que já buscam as bibliotecas para sua formação. E as organizações que não dispõem de bibliotecas não terão muitas dificuldades em formá-las, já que o Ministério da Cultura estabeleceu um padrão bastante flexível: bastam 500 livros, sendo pelo menos 400 em papel e 100 digitalizados (coisa que já existe), catalogados e organizados.


Rets - A exigência da qualificação de oscip para as organizações do terceiro setor poderem se candidatar aos telecentros/bibliotecas não é um obstáculo, na medida em que existem tão poucas?


Sergio Goes - Primeiro, quero dizer por que a exigência de serem organizações da sociedade civil de interesse público. A grande qualidade das oscips, a meu ver, é a transparência, é a exigência de publicação de balanços, a possibilidade de qualquer um examinar as contas da organização. Isto é fundamental em um projeto de amplitude tão grande quanto este – afinal, são cerca de 5.000 organizações espalhadas pelo Brasil. Com isso, a fiscalização deixa de ser uma questão centralizada e passa a ser assumida pelos próprios usuários.


Em segundo lugar, não creio que o pequeno número de oscips atualmente existentes seja um obstáculo, por duas razões: sua criação é bastante simplificada e, além disso, iramos montar com o Ministério da Justiça procedimentos que simpifiquem ainda mais o processo, tais como estatutos padronizados para este caso, apoio jurídico na criação etc. E, respeitando o direito de cada organização escolher a qualificação jurídica que melhor lhe cabe, estabelecemos a possibilidade de que ela crie uma oscip exclusivamente dedicada à administração da biblioteca. Ademais, em nosso modelo de projetos cooperativos, será possível que apenas uma organização se constitua como oscip, colocando-se perante a Anatel – que é a agência formalmente encarregada pelo desenvolvimento do programa – como responsável pelo conjunto de equipamentos a serem cedidos.


Rets -      Quais serão os próximos passos nas atividades do Projeto?


Sergio Goes - Veja bem: eu não sou responsável pelo Projeto, mas sim pelo Grupo de Trabalho que, na Socinfo, desenvolve as propostas de universalização de acesso. Este grupo de trabalho, por sua vez, não é um grupo de técnicos do governo, mas, principalmente, é a reunião de pessoas representativas dos diversos campos que compõem o universo das bibliotecas, dos centros de referência cultural e das organizações da sociedade civil. O conjunto de propostas de que falei acima é resultado das muitas reuniões, discussões, trocas de informações acontecidas nos últimos meses. Chegamos às proposições que estão sendo apresentadas nesta edição da Rets e que se constituem, essencialmente, num Roteiro Explicativo para a Elaboração de Projetos, um Formulário de Apresentação de Projetos e um Formulário de Identificação de Bibliotecas. Com isso teremos condições de avaliar o interesse das organizações e, assim, chegar a uma lista de bibliotecas e organizações da sociedade civil que será encaminhada à Anatel para que ela tenha elementos para, por sua vez, elaborar o edital de concorrência que selecionará os fornecedores de equipamentos e conectividade.


Sendo assim, nossos próximos passos – nossos, do grupo de trabalho  -- serão receber as opiniões dos interessados (para isso estamos divulgando este material), corrigir as falhas, e lançar uma chamada pública com muita divulgação, desta vez para valer, para receber projetos e inscrições. Feito isto, elaborar uma lista de organizações, enviar para o Ministério das Comunicações, e aguardar o edital a ser elaborado por eles.


Nossa proposta é que a implantação dos telecentros seja feita em “rodadas”, ou seja, serão feitas várias seleções e apresentadas várias listas de candidatos, ao longo dos dois anos e meio de duração do projeto. Achamos que esta é a melhor forma, considerando o ineditismo do projeto e considerando que estamos tratando com universos muito menos menos organizados do que os universos das escolas e das unidades de saúde, por exemplo. Mas vale a pena: se, por um lado, não se pode apresentar de imediato uma lista de bibliotecas, museus e oscs, pode-se, com algum trabalho e tempo chegar a elas, com a vantagem de estarmos, certamente, chegando à sociedade civil organizada – e disso se trata, quando se pensa em universalização de acesso.


Terminando esta etapa, no que nos diz repeito, o GT de Universalização de Acesso se dedicará, essencialmente, a outra atividade muito importante: trabalhar no sentido de estimular a digitalização de conteúdos. Porque, como eu disse antes, universalização de acesso é apenas uma parte do problema, e queremos que a Internet que os cidadãos vão usar seja uma Internet com conteúdos em língua portuguesa, com informações relevantes, com manifestações populares e eruditas que façam sentido para os milhões de brasileiros que, esperamos, serão incluídos neste “admirável” mundo novo – não no sentido do Huxley, mas no sentido literal da palavra.


 

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer