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Semi-Árido nordestino no limite

Autor original: Felipe Frisch

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

“O povo nordestino vive a tragédia da seca. Os políticos oportunistas de sempre estão de plantão, para faturar os votos da fome. Você já viu este filme? Claro que já. Ele se repete desde sempre no nordeste brasileiro e o enredo não muda. Os primeiros registros oficiais sobre a seca no semi-árido datam de 1707, no século 18, portanto. As mesmas elites, de geração em geração, se beneficiam de um fenômeno que, não fosse por elas - as elites governantes - já não teria o mesmo impacto arrasador sobre a vida do nordestino. Para dar fim a este círculo vicioso, em que os efeitos da seca elegem políticos que não minimizam seus efeitos para se elegerem outra vez, são necessárias intervenções sérias.”


É assim que começa o manifesto assinado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), divulgado em 30 de maio. “A tragédia recorrente” propõe a implantação imediata de um Programa de Ações Permanentes de Convivência com o Semi-Árido. O Programa, entregue ao ministro Raul Jungmann no dia 03 de junho, em reunião na Sudene, destaca quinze ações essenciais para assegurar a convivência com a seca no norte e nordeste do país. Em todas elas, a participação da sociedade civil é essencial.


Entre essas iniciativas estão: a ampliação da oferta de microcrédito para atividades não agrícolas; apoio à manutenção de rebanhos; expansão das metas do programa de erradicação do trabalho infantil, com a ampliação da bolsa-escola; incrementação de um programa de energia alternativa (solar e eólica) para a região, além do apoio à implementação do Programa de 1 Milhão de Cisternas de Placas (P1MC). Essa última, a mais urgente, segundo as organizações envolvidas na elaboração do programa.


Para Espedito Rufino, da Contag, a principal dificuldade é os governos federais e estaduais entenderem o semi-árido como algo típico, que não requer políticas iguais às que são direcionadas para as outras regiões do país, como o Paraná e o Rio Grande do Sul. “Não queremos apoio só para plantar milho e feijão. O semi-árido do Brasil ainda é um dos que mais chove no mundo. Precisamos de políticas para gerar, armazenar e distribuir a água”, exige Espedito.


São inúmeros os projetos propostos pela sociedade civil que foram esquecidos pelo poder público. Ele destaca, além das cisternas, a recuperação do ecossistema e as iniciativas que propõem a construção de barragens subterrâneas, em que a água não ficaria sujeita à evapo-transpiração, ou mesmo de barragens sucessivas, em rios menores.


- Precisamos de tecnologia para manter a água, mas nada disso é financiado. Não precisamos de tecnologias mirabolantes. Mas os políticos preferem levar carros-pipas, cestas básicas. É o que vale voto – constata o militante.


Segundo ele, o que falta é um bom entendimento das reais vocações do semi-árido brasileiro. Espedito fala do exemplo que ele viu numa visita recente ao município de Cabaceira (PB), na região em que menos chove no Brasil (264mm/ano). “Lá, eles estão recuperando o ecossistema, com o curtimento do couro natural e já estão exportando”, conta.


Sociedade civil no Programa de Convivência


A Secretária Executiva da Articulação do Semi-Árido (ASA), Silvia Picchioni, lembra a importância de se sublinhar o aspecto “permanente” do programa. “Não se pode ficar atuando eternamente só quando é declarado estado de emergência. O programa de convivência é anterior ao estado de seca”, diz. Com relação ao projeto de construção de cisternas, do qual a ASA é uma das lideranças, ela lembra que não se trata de um programa de construção civil.


“Na medida em que vai ser a própria população que vai construir, ela irá manter também”, diz. A meta é chegar a um milhão de cisternas em cinco anos. Cada reservatório custará cerca de R$ 600, e deverá ser capaz de manter o suprimento de água para cada família beber e cozinhar, durante os sete meses mais secos. Um projeto-piloto na região já está funcionando em 500 casas.


Omar Rocha, responsável pelo Programa Meios de Vida Sustentáveis, da Oxfam, uma das maiores articuladoras da convivência com o semi-árido, lembra que, apesar de ser fundamental o fortalecimento das políticas públicas, a principal força do movimento hoje está nos movimentos sindicais e na sociedade civil de um modo geral. Hoje, ele contabiliza cerca de 600 organizações envolvidas com a causa, entre ongs, associações nacionais, além de organismos e agências de cooperação internacionais, como a Visão Mundial, o Unicef, a Caritas, a Cese, de Salvador, e o Serviço de Cooperação Técnica Alemão (DED).


Entre as entidades religiosas, segundo a Contag, merece destaque a atuação da Diaconia, organização formada por 11 igrejas evangélicas, envolvidas em três principais ações: de gestão de recursos hídricos; de pesquisa, que elaboram técnicas agrícolas com a participação dos agricultores; e de defesa de direitos, como a discussão do orçamento municipal. Atualmente, são atendidas 1200 famílias entre o Sertão do Pajeú (PE) e o meio-oeste de Potiguá (RN).


A maior dificuldade, segundo o Secretário Executivo da Diaconia, Pastor Arnulfo Barbosa, é convencer os agricultores a desenvolverem culturas de produção que precisem de menos água, como maracujá, mamão e goiaba, ao invés dos tradicionais milho, feijão, mandioca e banana. O pastor acha um equívoco entidades religiosas atuarem apenas pelo bem de seus fiéis. “Um dos papéis da Diaconia é fazer a igreja entender sua função. O trabalho social não pode estar vinculado a proselitismo, ou à catequese”, levanta a bandeira. E conclui:


- O desafio do semi-árido é imenso e sozinho ninguém vai conseguir nada.

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