Autor original: Felipe Frisch
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O povo nordestino vive a tragédia da seca. Os políticos oportunistas de sempre estão de plantão, para faturar os votos da fome. Você já viu este filme? Claro que já. Ele se repete desde sempre no nordeste brasileiro e o enredo não muda. Os primeiros registros oficiais sobre a seca no semi-árido datam de 1707, no século 18, portanto. As mesmas elites, de geração em geração, se beneficiam de um fenômeno que, não fosse por elas, as elites governantes, já não teria o mesmo impacto arrasador sobre a vida do nordestino.
Para dar fim a este círculo vicioso, em que os efeitos da seca elegem políticos que não minimizam seus efeitos para se elegeram outra vez, são necessárias intervenções sérias. E a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) tem suas propostas, já apresentadas, inclusive, para o ministro Raul Jungmann, encarregado por Fernando Henrique para enfrentar o problema este ano.
Em primeiro lugar é preciso implantar, imediatamente, um Programa de Ações Permanentes de Convivência com o Semi-Árido, para executar ações emergenciais e estruturadoras, pautado em uma gestão democrática e transparente da ação pública. Para isto é necessário estabelecer a representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais segmentos da sociedade civil nos Conselhos existentes.
Ações
1. Providências imediatas no sentido de assegurar o abastecimento d’água para consumo humano e animal na região, inclusive com a ampliação do número de carros-pipa para distribuição de água nos municípios atingidos - a ser executado pelo Exercito e com programação e acompanhamento definido pelos Conselhos, sobretudo nas áreas de assentamento e comunidades rurais;
2. Estabelecimento de um Programa de Renda Mínima para as famílias atingidas pela seca, integrado a um Programa de Alfabetização, Capacitação e Formação Profissional voltado à Gestão de Recursos Hídricos e de Convivência com o Semi-Árido. O Programa proverá as famílias participantes de uma bolsa no valor de um salário-mínimo, garantindo a participação mínima de 30% de agricultoras familiares e trabalhadoras rurais;
3. Ampliação das metas dos Programas PETI - do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Bolsa Escola para todos os Estados do NE, priorizando o atendimento as famílias rurais;
4. Implantação de um crédito especial e emergencial para manutenção do rebanho;
5. Implantação de uma linha de crédito especial para investimentos em negócios não agrícolas, sobretudo para o meio rural e pequenas cidades do interior;
6. Liberação de recursos para instalação, recuperação e construção de obras de infra-estrutura hídrica, produtiva e social nos assentamentos rurais e comunidades de agricultores e agricultoras familiares, com a utilização de mão de obra local. Priorizando as seguintes obras:
a. Cisternas de placas em cada unidade familiar;
b. Poços artesianos e amazonas (perfuração, recuperação e instalação);
c. Barragens subterrâneas e assoreadoras;
d. Pequenas adutoras e instalar pontos de distribuição ao longo do percurso das adutoras já existentes para abastecimentos de comunidades e assentamentos rurais;
e. Canais de irrigação em bacias hidrográficas com recursos hídricos disponíveis, para uso dos agricultores e agricultoras familiares;
f. Instalação de Dessalinizadores Comunitários e gestão adequada dos resíduos;
g. Barragens sucessivas de perenização de rios;
h. Açudes e barragens médias, bem como desassoreamento e despoluição dos açudes, rios e barragens, tendo a preocupação, no caso dos açudes não retirar o material a montante para não prejudicar o aproveitamento da mesma para vazantes, e sim do “porão” dos reservatórios;
i. Conservação e recuperação das matas ciliares;
j. Construção e recuperação de escolas e postos de saúde.
7. Liberação de recursos para compra de insumos (material, ferramentas, etc.) adequadas e suficientes para implantação das obras;
8. Implantação do programa de um milhão de cisternas de placas (P1MC), que vem sendo discutido e elaborado pela Articulação do Semi-árido (ASA);
9. Implantação de Programa de Habitação e Saneamento na zona rural, com o aproveitamento dos materiais recolhidos no desassoreamento dos açudes, lagoas, barragens e rios, para confecção de telhas e tijolos, através da implantação de olarias comunitárias;
10. Anistia das dívidas para os créditos contraídos por agricultores e agricultoras familiares do Pronaf, Procera, FNE, etc.;
11. Implantação de um Programa de aproveitamento dos vales úmidos e vazantes, para produção de alimentos e sementes.
12. Apoio ao desenvolvimento de um programa de energia solar e eólica, a ser utilizado na instalação dos poços artesianos que serão perfurados;
13. Estender o Programa seguro desemprego aos trabalhadores rurais; É preciso deixar claro que a irregularidade das chuvas, as secas são características próprias do Semi-Árido. A seca, na verdade, desvenda e agrava uma situação de pobreza, fome e miséria que tem suas raízes fincadas na estrutura fundiária, caracterizada pela alta concentração da terra, da água e da renda, além da ausência de ações permanentes de desenvolvimento adequadas à região.
Por isso, não podemos deixar de reafirmar os nossos temas globais discutidos e elaborados pela sociedade civil, quais sejam:
Reforma Agrária;
Política agrícola diferenciada e adequada ás condições regionais;
Políticas sociais básicas – educação, saúde, previdência, saneamento, etc.;
Infra-estrutura hídrica, produtiva e social;
Política de ciência e tecnologia, comunicação rural e preservação e recuperação ambiental;
Agro-industrialização e comercialização;
Associativismo e Cooperativismo de produção e crédito;
Desenvolvimento de atividades não agrícolas;
Gestão democrática de políticas públicas.
O conjunto destas ações, se implementadas pelos governos, vai libertar o nordestino de sua situação de mendicância, a cada período de seca, em que os abutres políticos sobrevoam seus currais eleitorais, se alimentando da miséria, da morte e da dor de metade dos estados brasileiros. “Doutor, uma esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Chega de esmolas e vamos trocar esta fita.
Manoel José dos Santos
Presidente da Contag
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