Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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Durante os dias 26 e 27 de junho foi promovido no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo, em São Paulo, o I Encontro Nacional de Telecentros. Organizado pelo programa Telelac, Rits, Sampa. Org e Telecentros Brasil, o evento reuniu agentes da América Latina e do Caribe para a troca de experiências e análise das inicativas de implantação de espaços comunitários para o acesso à Internet e às demais tecnologias digitais de comunicação e informação (TDCIs).
Segundo Rodrigo Assumpção, coordenador do Sampa.Org, o encontro “foi um excelente começo. Houve um esforço muito grande da articulação nacional em promover reflexões sobre o conceito dos Telecentros e a solidificação desse trabalho no Brasil. Além disso, a troca de experiências de cada Telecentro, nacional e internacional, nos permitiu rever as questões já existentes na prática de suas atividades. Cada Telecentro tem vários desafios pela frente e eles não são uniformes” afirma. “Apesar da implantação de Telecentros ser muito recente no nosso país, já conseguimos detectar que sua função não é ser uma escolinha de informática. Um Telecentro pode, e deve, ser um espaço destinado à produção de informação e conhecimento de sua região, alavancando ou fomentando as atividades culturais, educacionais, comunicacionais, políticas e econômicas da comunidade que o cerca. Deve ser também um espaço que permita a concentração de esforços a fim de se encontrar um suporte às necessidades da comunidade, abrindo um caminho para que ela possa refletir sobre elas entre si e inclusive com o poder público, tendo assim, mais voz e ação", afirma Rodrigo.
O diretor de desenvolvimento da Rits, Carlos Afonso, fala, nesta entrevista exclusiva, sobre suas impressões a respeito do Encontro e sobre o papel dos Telecentros comunitários entre as iniciativas de inclusão digital no País. C.A. também conta sobre a criação formal da comunidade virtual Somos@Telecentros Brasil, apoiada pela RITS. Leia a seguir:
Rets - O que é um telecentro e quais serviços eles podem oferecer à comunidade?
Carlos Afonso - Em geral, um telecentro é um espaço onde pessoas podem ter acesso a serviços de telecomunicações - os primeiros telecentros eram os postos telefônicos, que ainda hoje funcionam em vários locais públicos. Com o advento da Internet, surgiu a idéia de construir telecentros onde as pessoas possam utilizar computadores para tarefas de escritório (trabalhar num documento, imprimi-lo, utilizar um fax etc) e para ter acesso aos serviços da Internet (email, navegação WWW etc). Um telecentro pode ser um “cibercafé”, por exemplo, ou um centro de serviços em um hotel. Pode ainda ser um telecentro instalado em local público para uso geral. O Primeiro Encontro Nacional de Telecentros, que marcou a iniciativa de estabelecer no Brasil uma forma organizada em que os vários projetos de telecentros se relacionem no país e em nível regional (latino-americano e caribenho), tem como tema geral as iniciativas de inclusão digital baseadas ou nascidas na comunidade, e em particular os telecentros comunitários - espaços para uso da Internet, aprendizado nesse uso e na utilização de microcomputadores, birô de serviços de informática e de serviços de informação para a comunidade, e também para a interação comunitária, criados com a participação da própria comunidade. São espaços comunitários de propósito múltiplo utilizando como ferramentas centrais a informática e a Internet.
Rets - Que papel um Telecentro pode ter junto à pessoas portadoras de necessidades especiais?
Carlos Afonso - Como uma iniciativa de inclusão digital, essa é uma preocupação fundamental de um telecentro comunitário - permitir que, apesar de possíveis limitações motoras ou de sentidos, todas as pessoas da comunidade possam de uma forma ou de outra beneficiar-se dos telecentros. Por isso um papel fundamental do trabalho articulado entre os telecentros do Brasil e da região é a troca de experiências e o aprendizado mútuo nas técnicas adequadas para facilitar ao máximo esse acesso a pessoas portadoras de necessidades especiais.
Rets - Como a comunidade se envolve com um Telecentro?
Carlos Afonso - Na verdade deve ser o contrário: a comunidade deve estar presente na própria identificação da necessidade de um telecentro local e estar presente em todas as etapas de implementação e manutenção daí para a frente. Centenas de experiências de instalação de telecentros que caem “de pára-quedas” na comunidade, sem discussão prévia e avaliação conjunta das necessidades e da forma de inserção no local, acabam não dando certo na maioria dos países em que foram tentados.
Rets - Quais são os principais efeitos da implantação dos Telecentros em relação ao fortalecimento e ao desenvolvimento sócio-econômico, cultural e democrático de cada região onde atuam?
Carlos Afonso - O efeito imediato é instrumentar as pessoas da comunidade que de outro modo não teriam acesso às novas tecnologias digitais de comunicação e informação (TDCIs), para que possam utilizar essas técnicas em benefício de seu trabalho, de seu desenvolvimento profissional, do enriquecimento de seu acervo de conhecimento - o que significa que estamos falando especialmente de telecentros em comunidades de menos recursos. Outros efeitos cruciais incluem novas oportunidades de desenvolvimento de empreeendimentos em torno dessas ferramentas, de novas formas de economia solidária etc.
Rets - Quais são as necessidades tecnológicas de um telecentro e como garantir essas necessidades?
Carlos Afonso - Falando do que nos interessa - o telecentro comunitário multipropósito já mencionado -, é preciso levar em conta que são necessárias facilidades para utilização do equipamento e para treinamento nessa utilização. O ideal, portanto, é que um telecentro tenha dois espaços equipados com microcomputadores, impressoras etc, para que possam estar ativos o maior tempo possível formando pessoas e permitindo ao mesmo tempo o uso dos recursos de informática e Internet. Devem estar ainda equipados com os periféricos adequados de um birô de serviços (scanners, impressoras, máquina de fax etc). Estamos, claro, falando de uma situaçao ideal - mas deve-se aproveitar as oportunidades que se puder para ativar um telecentro mesmo com equipamento menos sofisticado. Não se pode esperar pela “banda larga” ou por condições ideais de conectividade ou de equipamento para dar início a um telecentro - enquanto, claro, se batalha por melhores condições.
Rets - Quais são os principais desafios ou dificuldades enfrentados na implantação dos telecentros no Brasil?
Carlos Afonso - Os mais importantes são óbvios: falta de recursos para obter e manter o espaço físico, para pagar pela conectividade, para manter os recursos humanos necessários e para obter os equipamentos. Outra dificuldade crucial no caso do Brasil de hoje é a ainda incipiente disponibilidade de recursos de conectividade para uso abrangente da Internet - há pontos locais de acesso à Internet em operação em menos de 10% dos municípios brasileiros. Com isso, o custo de manter um telecentro bem conectado à Internet na imensa maioria das localidades brasileiras é muito alto. Esta é uma situação que deve mudar muito (e para melhor) nos próximos dois anos, com a implantação da infra-estrutura de conectividade exigida pelos contratos de concessão de empresas telefônicas, e com os projetos de inclusão digital apoiados com os recursos do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (FUST). É preciso ainda destacar outra dificuldade: a percepção limitada até agora das entidades civis, organizações comunitárias etc, em acreditar que a exclusão digital é sério agravante da exclusão social, econômica, política e cultural da maioria da população - não podemos ignorar que a sociedade hoje está permeada pela necessidade e presença cada vez mais generalizada das TDCIs -, e que o apoio a iniciativas de inclusão digital é uma contribuição importante para a resolução de outras formas de exclusão.
Rets - Como os Telecentros brasileiros estão qualificados em relação a outras experiências da América Latina?
Carlos Afonso - Infelizmente, a experiência brasileira ainda é incipiente. Basta dizer que conseguimos mobilizar menos de cinquenta gestores de telecentros (de Manaus a Porto Alegre) para nosso primeiro encontro. Comparado com alguns outros países latino-americanos, estamos ainda engatinhando. Por isso é crucial que desenvolvamos formas de articulação com essas outras iniciativas - temos muito a aprender com elas.
Rets - Quais foram as propostas mais debatidas sobre o acesso à Internet e às Tecnologias da Informação e Comunicação neste primeiro encontro de Telecentros?
Carlos Afonso - Foram muitas as propostas - apesar de no Brasil ainda não serem numerosos, os telecentros presentes ao encontro já acumulam uma experiência importante e diversificada. Os temas principais cobriram auto-suficiência, inserção na comunidade, infra-estrutura de conectividade, capacitação, trocas de experiências, parcerias, segurança, e sobretudo as formas de articulação para o trabalho colaborativo em níveis nacional e internacional.
Rets - Como você analisa o resultado dos esforços promovidos no Brasil, na América Latina e no Caribe para as ações voltadas à Inclusão Digital?
Carlos Afonso - Apesar de ao nível local ainda estarmos apenas começando (e na maioria dos municípios nem sequer isso), há uma oportunidade importante no Brasil, que o destaca do resto da América Latina tanto em escala, como em impacto. Trata-se da combinação já mencionada de dois processos: o cumprimento das normas de acesso universal embutidas nos contratos de concessão das telefônicas, e o programa de universalização de serviços do FUST. Falta ainda a contraparte da sociedade civil organizada - organizar ações que estimulem amplamente iniciativas locais de inclusão digital, ao mesmo tempo que monitorem criticamente as políticas neste campo ao nível de governo. Mesmo que os processos acima resultem em pontos de acesso à Internet em todas as localidades brasileiras em menos de três anos, ou que todas as escolas médias, postos de saúde e bibliotecas públicas estejam conectados, ainda haverá muito, mas muito mesmo, por fazer para alcançar a meta de inclusão digital ampla tanto geográfica como socialmente. E esta meta não será alcançada sem a intervenção e iniciativas concretas das organizações civis.
Rets - Quais são os projetos em execução no país que você destacaria, e por quê?
Carlos Afonso - É importante destacar os esforços do Programa Sociedade da Informação para ampliar o alcance do FUST (originalmente restrito quase que exclusivamente ao apoio a projetos ligados aos ministérios). Em particular, esse esforço abre a possibilidade de as entidades civis obterem recursos para a instalação e manutenção de telecentros comunitários associados a bibliotecas públicas que essas mesmas entidades já possuam ou possam criar.
Rets - O I Encontro Nacional de Telecentros colocou em pauta a articulação nacional e internacional em busca de respostas aos problemas comuns a operadores e monitores de telecentros. O que você destacaria dessas experiências?
Carlos Afonso - O encontro procurou juntar os projetos nacionais a uma iniciativa de articulação regional de bastante sucesso, conhecida como TELELAC - Rede de Telecentros da América Latina e do Caribe. Originada no Equador, esse projeto procurou criar relacionamentos entre projetos de telecentros respeitando a diversidade e as particularidades de cada iniciativa, sem procurar gerar modelos comuns que possam ser impostos às comunidades. Essa articulação e trabalho colaborativo resultaram em uma importante dinâmica de aprendizado mútuo envolvendo iniciativas de inclusão digital em países como Peru, Nicaragua, Equador, Colômbia, República Dominicana e muitos outros. Entre outros objetivos, está a formação de uma comunidade virtual de troca de informações e práticas entre os telecentros da região, batizada de Somos@Telecentros. O sucesso do projeto TELELAC levou seus organizadores a proporem a criação de um programa permanente de articulação regional de iniciativas de inclusão digital. Um dos resultados mais relevantes de nosso primeiro encontro de telecentros brasileiros foi a criação formal da comunidade virtual Somos@Telecentros Brasil. A Rits apoia a iniciativa de várias formas: promoção do primeiro encontro nacional, serviços Internet para intercãmbio de informações e trabalho colaborativo, bem como apoio técnico para a formulação da continuidade do projeto TELELAC.
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