Você está aqui

Tortura sob o pretexto da moralidade

Autor original: Daniela Muzi

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






"Perto de meia-noite, eles disseram ‘nós queremos lhe mostrar algo'. Tiraram minhas roupas e me estupraram. Eu me lembro de ter sido estuprada por dois deles, então eu desmaiei." Christine foi torturada em um centro de detenção secreto em Uganda. Ela foi estuprada depois de ter sido deixada em um quarto com três detentos. Estava detida porque é lésbica e em Uganda homossexualidade não é só um tabu social, é um crime de ofensa. Christine e mais quatro amigos - Paul, Norah, Rodney e Charles - formaram um grupo de direitos humanos no início de 1999.


Todos os cinco eram defensores de direitos humanos dos gays e lésbicas e assim enfrentaram obstáculos em Uganda - onde "conhecimento carnal de qualquer pessoa contra a ordem da natureza", é uma ofensa e o acusado pode sofrer a pena de prisão perpétua. Em setembro de 1999, após publicidade na mídia de Uganda sobre um "matrimônio gay" em Kampala, o presidente Yoweri Museveni anunciou à imprensa que havia ordenado ao Departamento de Investigações Criminais "procurar os homossexuais, pegá-los e agredi-los". O efeito desta declaração nas vidas dos cinco ativistas foi devastador. (Trecho extraído do Relatório de Tortura e maus-tratos baseados na identidade sexual.)


Esse é apenas um dos casos mencionados no Relatório de tortura e maus-tratos baseados na identidade sexual, documento lançado no último dia 21 de junho em Buenos Aires, pela Anistia Internacional (AI). Segundo a própria Anistia, essa situação se estende por muitos países, pois em várias partes do mundo ser homossexual é considerado um ato ilegal, doença, um desvio social ou ideológico ou uma traição à própria cultura e não um direito - em alguns países, a Aids é chamada de "peste gay". Em 1995, o presidente do Zimbabwe (África), Robert Mugabe estigmatizou os gays como "menos que humanos".


Segundo, Rafael Barca - coordenador da Campanha Contra a Tortura da Anistia Internacional - gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (aquele indivíduo cuja identidade de gênero não está em conformidade com as características fisiológicas do sexo com que nasceu) sofrem discriminação só por serem o que eles são. "Os homossexuais são torturados pela polícia e pela própria comunidade onde vivem sobre o pretexto da moralidade, cultura e religião. O direito de não ser maltratado é um direito humano universal é não pode ser negado a ninguém devido à sua identidade sexual", declara Rafael.


O relatório faz parte da III Campanha Mundial Contra Tortura lançada em outubro de 2000 e irá continuar até outubro deste ano. Casos representativos de 30 países da (América, Europa, Ásia e África) são expostos no documento, mas segundo a própria Anistia os casos se estendem por mais de 70 países onde as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo é considerado crime.


A Convenção da ONU contra a Tortura, adotada em 1984, é um dos importantes tratados de direitos humanos menos ratificados. Apenas 119 nações haviam ratificado a Convenção em meados de 2000. Apenas 41 nações fizeram declarações sobre o Artigo 22 da Convenção, que permite que os indivíduos façam denúncias ao Comitê contra a Tortura. Apenas 44 haviam feito declarações sobre o Artigo 21, que permite queixas inter-Estados. E sete nações fizeram reservas, isentando-se do procedimento de um inquérito confidencial sobre alegações de tortura sistemática, como declarado no Artigo 20. O Brasil não declarou os artigos 21 e 22. Segundo a Anistia, a sociedade civil precisa pressionar as autoridades através de um abaixo-assinado (lista que já está percorrendo o Brasil todo), para que as denúncias possam ser feitas.


O relatório sobre tortura e maus-tratos baseados na identidade sexual pode ser solicitado na íntegra pelo correio eletrônico anistia@anistia.org.br. O documento está em inglês.


No Brasil


"Três travestis foram presos pela Polícia Civil em Maceió, Alagoas, em junho de 1997, supostamente por não terem pago uma "taxa" para a polícia (extorsão). Na delegacia de polícia eles foram surrados brutalmente com sandálias de borracha, furados com pregos e forçados a limpar lavatórios imundos. Dois deles, conhecidos como Aleska e Fabiana, fugiram para uma "casa segura", dipostos a fazer uma reclamação oficial.


Segundo dados compilados pelo relatório, o Brasil é um dos países onde mais ocorrem crimes contra homossexuais, mesmo apesar da relação sexual entre pessoas do mesmo sexo não ser crime.


Para o combater os casos de tortura no Brasil contra homossexuais, a Anistia Internacional aconselha que as autoridades brasileiras deixem claro que tortura e maus-tratos não são tolerados e proceda a investigação de todos os casos. Afinal, apesar da Anistia ter verficado casos de torturas aqui no Brasil, até agora ninguém foi condenado pela lei nº 9.455 de 7 de abril de 1997 - que define os crimes de tortura.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer