Autor original: Felipe Frisch
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O Brasil é vitorioso na Organização Mundial de Saúde, mas saem ganhando as mulheres e as crianças do mundo inteiro. Não é nem necessário dizer que essas crianças virarão adultos um dia, só que mais saudáveis - graças à aprovação na Assembléia Mundial da Saúde, durante o mês de maio, da recomendação do leite materno como alimento exclusivo até os seis meses de idade. A proposta levada pelo ministro da Saúde, José Serra (inspirada no que já acontece aqui há 20 anos), também exige que as embalagens de leite em pó e outros produtos alimentícios contenham o alerta da idade mínima.
Também saiu vencedora a rede de bancos de leite coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela maior rede de leite humano do mundo (138 bancos pelo Brasil), que assiste principalmente bebês internados em UTIs neonatais. A Fiocruz atende pelo telefone 0800-26-8877 as chamadas do SOS Amamentação, que orienta mães do país inteiro que estejam com dificuldades para amamentar. O reconhecimento do projeto foi simbolizado com a premiação no valor de US$ 30 mil pela fundação japonesa Sasakawa.
Se o país é referência no cenário mundial pela sua atuação em defesa da amamentação e do lactente, uma considerável contribuição tem sido dada pela sociedade civil organizada, reconhece o diretor da rede, João Aprígio Guerra de Almeida. "A Rede (de Bancos de Leite Humano) é um exemplo da atuação dessas organizações", diz.
Das atividades desenvolvidas pelas diversas ongs e grupos voluntários, são três as principais frentes de ação, como destaca Denise Arcoverde, do Grupo Origem, de Recife:
- Começamos pela "promoção", que são as estratégias de marketing, as campanhas, a propaganda (inclusive pela Internet), camisetas, banners, e spots em televisão. A fase do "apoio" engloba todos que dão suporte à mulher que está amamentando: os grupos de apoio, os agentes comunitários de saúde, as amigas, o companheiro e os familiares. Na "defesa", atuam redes como a Ibfan, monitorando e pressionando as indústrias de alimentos infantis, bicos e mamadeiras.
Para ela, é essencial que "a mulher possa optar pela amamentação, ou não, sem ser influenciada pelas fortunas gastas pelas multinacionais", para que seja protegido "o consumidor mais vulnerável - que é o bebê - contra a promoção indiscriminada desses produtos". Segundo Denise, a maior dificuldade é lutar contra os estragos causados pelas campanhas da indústria ainda antes dos anos 80. Para isso, o Origem dá assistência e promove capacitações em 10 comunidades carentes do Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes.
- Essa promoção da mamadeira como moderna e prática minou a confiança das mulheres e formou gerações de profissionais de saúde despreparados para apoiar e orientar a amamentação.
O terceiro setor e a amamentação
Atuando em duas frentes - a promoção e a defesa - simultaneamente, está a Ibfan (International Baby Food Action Network), uma rede internacional, representada no Brasil por 30 grupos locais espalhados pelo país. Estes grupos capacitam agentes para elaborar campanhas de conscientização, e fiscalizar o cumprimento da Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (Resolução 31/92 do Conselho Nacional de Saúde). "O Brasil tem uma lei que é muito forte, mas muita gente não conhece", lamenta a Coordenadora Nacional da Ibfan, Sônia Maria Lucena.
Sônia destaca a importância de programas governamentais, como o Hospital Amigo da Criança, que garante ao bebê mamar assim que nasce e a qualquer hora, ficando no mesmo quarto da mãe. "O Ministério da Saúde está fazendo a sua parte, mas não é tarefa de só um setor", lembra. Atuando desde 96 no monitoramento do respeito à norma, ela alerta: "algumas indústrias estão começando a cumprir a norma, mas muitas continuam desrespeitando". A resolução não impede a venda, mas garante, entre outras coisas, a proibição da promoção comercial de bicos, chupetas, mamadeiras e leites infantis, e o uso de imagens de bebês, sugerindo que tais produtos sejam indicados para crianças com menos de seis meses de idade.
Outra organização com uma história de vida são as Amigas do Peito, um grupo de mães voluntárias cariocas, que, desde 1980, dá ajuda pelo telefone - o Disk-Amamentação, (21) 2285-7779 - a mães que estejam com dificuldades - que vão desde a depressão pós-parto, até as relações conjugais e familiares durante o período de amamentação. Além disso, dão dicas de como congelar o leite para mães que trabalham. Maria Lúcia Futuro, uma das coordenadoras, conta que as Amigas do Peito recebem ligações de toda a América Latina e até de Tóquio.
- A essência do nosso trabalho é a ajuda mútua, a gente é comadre e ajuda com a experiência do que cada uma viveu, a experiência de mulher. Este apoio muitas vezes é mais eficiente do que a ajuda do médico, que vai lá e dá um calmante. Mas quem é que segura o dia-a-dia? – pergunta Maria Lúcia.
O diretor-presidente do Cedaps (Centro de Promoção da Saúde), Daniel Becker, acha válida a inciativa das Amigas, mas lamenta que a maior parte dos grupos de ajuda às mães não atendam às comunidades carentes, e acha que tem que haver alguma iniciativa governamental para que os diversos programas dialoguem entre si. "É através dos Agentes Comunitários e do Programa de Saúde da Família que a amamentação tem que se popularizar. Se os Bancos de Leite dialogarem com Programa de Saúde da Família, já é um começo".
Segundo João Aprígio, diretor da rede de bancos de leite criada pela Fiocruz, apesar de o país ser uma referência mundial, se ainda há uma dificuldade no Brasil, ela é cultural. "Não adianta imaginar que é um problema exclusivo de saúde pública. É uma questão de cidadania, de responsabilidade de todos os segmentos".
- O primeiro direito de um cidadão brasileiro é o direito de mamar no peito da mãe – declara.
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