Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Henrique Rattner*
Como definir o Humanismo na era da globalização, da eliminação das fronteiras geográficas e políticas pelo avanço das tecnologias de ponta nos transportes e comunicações e pela redução paulatina das barreiras tarifárias para facilitar o fluxo internacional de mercadorias, serviços e capitais?
A ideologia oficial dominante, endossada e apoiada pelos organismos internacionais, nos apresenta a globalização e a associação dos países em blocos econômicos como o primeiro passo na construção de "um mundo só". Crescimento econômico ilimitado, livre comércio e flexibilização das relações de trabalho nos trariam rapidamente a era de abundância e bem-estar para todos os habitantes do planeta.A realidade percebida ao nosso redor é bem diferente:
No comportamento individual e coletivo, as leis do mercado passaram a substituir as Escrituras Sagradas e o próprio mercado passou a ocupar o lugar da providência divina.
Seriam a filantropia e o voluntariado nos programas e projetos de serviço social suficientes para transformar o destino de desgraça e exclusão de contingentes sempre crescentes de pauperizados?
Uma expressão concreta dos valores humanistas seria a remuneração decente do trabalho (o salário mínimo no Brasil não passa de R$ 1,00 por hora, contra R$ 2,00 no Paraguai, R$ 4,00 na Argentina e R$ 12,00 nos Estados Unidos), o recolhimento das contribuições ao INSS, e o pagamento, sem sonegação, dos impostos. Se essas normas elementares de cidadania fossem cumpridas e o governo distribuísse recursos mediante políticas públicas democraticamente decididas e transparentes, o exército de indigentes diminuiria rapidamente e, com isto, a demanda por ações filantrópicas e de serviço social.
Aponta-se, com justo orgulho, para os resultados da Pastoral das Crianças, da Abrinq e de tantas outras instituições de serviço social. Deve-se reconhecer, contudo, que por mais heróicos e abnegados sejam os trabalhos desses voluntários, eles não atingem as raízes dos problemas, produtos da dinâmica perversa de nosso sistema econômico e de sua superestrutura política.
Não pretendemos questionar a importância de obras filantrópicas e educacionais em benefício dos necessitados. Postulamos que instituições e projetos de filantropia, por mais necessários que sejam no contexto histórico atual, nunca serão suficientes para induzir as mudanças estruturais no sistema de funcionamento perverso de nossa sociedade, a fim de evoluir em direção ao verdadeiro Humanismo, baseado nos valores de solidariedade e de justiça social.
Há uma falta absoluta de políticas públicas orientadas para o estancamento e a reversão dos efeitos catastróficos do comportamento empresarial privado e estatal, que resulta na expulsão do mercado de trabalho de milhões de pessoas condenadas a ingressar o submundo dos excluídos e marginalizados.
Teriam os “donos do poder”mudado sua visão e estratégia de como lidar com a pobreza? Por melhores que fossem as intenções subjetivas, os efeitos objetivos da reprodução e concentração do capital são desastrosos e funcionam no sentido oposto à redução da assimetria social, característica tão marcante de nossa sociedade.
O ranço do discurso político velho e degradado não comove nem motiva mais. É preciso apontar as causas para romper a apatia e induzir o engajamento político visando ações transformadoras. Se quisermos praticar os nossos valores humanistas, devemos pressionar para imprimir novos rumos e prioridades às políticas públicas, estabelecer objetivos e metas transparentes, negociados com e fiscalizados pela sociedade civil, em processos participativos.
O século XX – a Era dos Extremos, nas sábias palavras do historiador Eric Hobsbawm – viu ruir as utopias revolucionárias e humanistas. Quando os seres humanos perdem as suas utopias e seus valores, não são mais motivados por uma visão do futuro. Em conseqüência, perdem suas referências e a certeza quanto à justiça de seus objetivos. Pregar igualdade e justiça social sem que seja claro para onde direcionar e como concretizá-las não produz efeitos de mobilização e de motivação. A contínua redução dos valores humanistas a conceitos do mercado e de transações comerciais provoca o nosso instinto de indignação e de revolta. Também, a perda de identidade desperta nos indivíduos a resistência e a busca da essência do ser humano – a sua dignidade conquistada através de uma utopia, um projeto coletivo.
Tudo indica que estamos vivendo um momento histórico em que as aspirações para um mundo regido pelos Direitos Humanos tendem a crescer, a se agigantar e a mobilizar a sociedade, em torno dessa problemática crucial.
No dramático contexto que vivemos nesta virada de século e milênio, ser humanista significa, em última análise, combater a alienação política generalizada, mobilizando e motivando toda a população, particularmente os jovens, a engajar-se no processo político de construção de uma sociedade democrática e justa.
*Henrique Rattner é coordenador do ProLides - Programa de Lideranças para o Desenvolvimento Sustentável no Mercosul, da ABDL. E-mail: rattner@abdl.org.br
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