Autor original: Daniela Muzi
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Uma das praias mais bonitas do mundo, segundo o jornal americano Washington Post, está sendo ameaçada. É a praia de Tatajuba. Localizada no município de Camocim, extremo norte da faixa litorânea do Ceará, a 300km de Fortaleza. Um dos problemas que afetam a região é a grilagem de terras (processo de falsificação de escrituras de propriedades para apossar-se de terras alheias) e a especulação imobiliária sob pretexto de turismo ecológico.
A empresa Vitória Régia Empreendimentos Imobiliários Ltda., com sede no Rio de Janeiro, registrou em seu nome no cartório de Camocim, em 1993, 5.275 hectares de terras para a construção de um megaprojeto turístico chamado de Condado Ecológico do Camocim, que, na verdade, trata-se de um grande complexo hoteleiro a ser instalado na região. Na área registrada pela empresa estão incluídas toda a extensão habitada durante décadas pelos moradores e áreas consideradas pela legislação brasileira como de preservação permanente (APAs), que são propriedades da União. A comunidade de Camocim, formada por cerca 700 habitantes, só ficou sabendo disso em abril deste ano. A Acomota requereu ao cartório de Camocim informações sobre o registro da terra e constatou que era tudo verdade. Quanto ao projeto do Condado, a comunidade local não tem nem acesso a informações mais precisas.
Para dar visibilidade ao conflito vivenciado na comunidade de Tatajuba-Camocim e sensibilizar a sociedade para o que ocorre no litoral cearense desde sua ocupação, no final dos anos 70, o Instituto Terramar e outras ONGs resolveram se envolver na causa e lançar uma campanha para a defesa de Tatajuba. Entre elas estão o Conselho Pastoral dos Pescadores, a Associação de Pesquisa e Preservação dos Ambientes Aquáticos (Aquasys), o Centro de Assessoria e Estudos sobre o Trabalhador (Cetra), Comunicação e CPltura, Instituto da Memória do Povo Cearense (Imopec), Cooperativa Interdisciplinar de Pesquisa e Assessoria Técnica Ltda. (Cipat), Cooperativa de Recursos Humanos (Cooperh), Instituto Ambiental, Associação de Geógrafos do Brasil (AGB), Sindicato dos Pescadores do Ceará, Fórum dos Pescadores do Litoral Leste e Fórum dos Pescadores do Litoral Oeste. A campanha é coordenada pela assessoria do programa de políticas públicas do Instituto Terramar, que mantém uma relação com a comunidade desde 1999.
Segundo os organizadores da Campanha (Rosa Martins, Henrique César, Jefferson Souza e Francisco Moreira), o que facilita a atitude de empresas como a Vitória Régia é a prática da compra dos coqueiros. Segundo eles, tal prática é uma estratégia usada pelos especuladores imobiliários. Como os moradores (pescadores) não possuem documentos que provem as suas posses, os empresários compram os coqueiros (o que garante o uso da terra para moradia) e registram as áreas de terra correspondentes, contando com a cumplicidade dos donos de cartórios. Além disso, destaque-se a ausência da política de gerenciamento costeiro e da intervenção dos órgãos públicos municipais, estaduais e federais, que privilegiam a entrada de grupos econômicos do setor. "Tomando como exemplo, a APA (Área de Proteção Ambiental) de Tatajuba, criada em 1994, a partir da luta da própria comunidade, ainda hoje não foi regulamentada", critica a equipe.
"Tatajuba é uma das mais belas comunidades do litoral cearense, formada por um conjunto de quatro vilas. As cerca de 150 famílias vivem integradas a este ambiente (formado por dunas fixas e móveis, mangues, lagoas permanentes e interdunares que se ligam ao mar em certas épocas do ano) através de seus modos de vida. Em função das condições de vento e da movimentação das areias, são comuns as migrações entre os moradores, que procuram, ao longo dos tempos, se adequar a essa realidade, fixando-se nos lugares temporariamente mais protegidos e tendo uma relação com esse ambiente de baixo impacto.
Neste sentido, o Condado Ecológico pode desestruturar esse modo de vida, bem como promover um processo de degradação ambiental, atenta a equipe.
Rosa, Henrique, Jefferson e Francisco Moreira contam que, se não bastasse as ameaças de perderem o local onde moram e sofrerem com a depredação do meio ambiente, os moradores foram informados de que não poderiam construir absolutamente nada sem a permissão do senhor Júlio Roberto Clero Koerner (gerente da Vitória Régia). Na última eleição da associação de moradores, em janeiro de 2001, a chapa de oposição foi financiada por ele e, mesmo assim, foi derrotada.
As lideranças estão recebendo proposta financeira para renunciar e estão sendo pressionadas para ficarem caladas e aceitarem um acordo. Além disso, algumas lideranças das comunidades passaram a receber dinheiro da empresa sem exercer nenhum tipo de trabalho, ganhando presentes, casa, recebendo empréstimos e patrocínio da empresa. Todas as pessoas " beneficiadas" hoje defendem a empresa na comunidade.
Para impedir a depredação desse pedaço de paraíso que fica no cantinho do Ceará, os organizadores da campanha afirmam que é preciso garantir a posse da terra para os nativos, a legalização e regulamentação da APA - que proíbe novas ocupações em toda a área, exceto para reassentamento da população - e desenvolver um modelo de turismo socioambiental responsável.
Mas nem tudo está perdido. A população pode ajudar solidarizando-se com a luta da comunidade, pressionando os órgãos públicos responsáveis para que tomem as devidas providências, apoiando publicamente as iniciativas da comunidade local e participando da rede de solidariedade em defesa das comunidades pesqueiras no Ceará e no Brasil.
Quem quiser entrar em contato ou participar da campanha pode enviar mensagem para o correio eletrônico tatajuba@fortalnet.com.br.
Governo conivente
Segundo os coordenadores da campanha em favor a Tatajuba, uma das principais políticas do governo do estado tem sido a atração de grandes investimentos para o setor turístico através do Prodetur.
"São grandes os interesses econômicos para o litoral. Além de os governos estadual e federal criarem a infra-estrutura para favorecer esses empreendimentos, os bancos oficiais abrem linhas de crédito para o mesmo objetivo. Outro agravante é que os órgãos responsáveis pela fiscalização e gestão ambiental do nosso estado têm demonstrado ineficácia na sua intervenção, ficando patente o desrespeito aos recursos naturais", denunciam.
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