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Brasil: rica miséria

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

A renda per-capita do Brasil o coloca como parte do terço mais abastado das nações mundiais. Mas pobre país rico! Apenas África do Sul e Malavi têm uma desigualdade de renda superior à brasileira, segundo análise do Banco Mundial. São 53 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza - 22 milhões delas em condições de indigência, com renda mensal inferior a R$ 60. Os dados são do estudo "Estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza", que acaba de ser divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao Ministério do Orçamento e Gestão.


O trabalho, realizado pelos pesquisadores Ricardo Henriques, Rosane Mendonça e Ricardo Paes de Barros, revela como a pobreza tem se mantido estável no Brasil nas últimas décadas. Esse quadro é atribuído a dois fatores: de um lado, a escassez de recursos; de outro, responsável por dois terços da pobreza no Brasil, a distribuição desigual de renda - ponto-chave para explicar o paradoxo de um país rico repleto de pobres.


Segundo o estudo, seria necessário transferir anualmente cerca de R$ 6 bilhões (o que corresponde a 2% da renda das famílias) para retirar esses excluídos do limite extremo da pobreza. Acabar com a miséria exigiria um pouco mais: R$ 33 bilhões anuais (o equivalente a 7%).


"A questão social nunca foi prioridade na política", afirma um dos autores, Ricardo Henriques, que também é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). "A concepção tradicional", prossegue, "foi sempre fazer a economia crescer, para acabar com a pobreza. Houve um descaso e até mesmo a falência das políticas de combate a esse problema".


Tomando por base o período de 1977 a 1999, a pesquisa constata que houve pequenas melhoras nos índices de desigualdade sob o impacto dos planos Cruzado (em 1986) e Real (em 1994). No primeiro caso, apesar da queda inicial, os índices de pobreza retornaram aos patamares anteriores logo no ano seguinte. Com o Plano Real, houve de fato uma redução, mas sem resultados significativos. O estudo do Ipea aponta o crescimento motivado pelo plano econômico como responsável por 84% da queda da pobreza observada no período de 1993 a 1995, mas faz uma ressalva: "apesar do inegável êxito do programa de estabilização monetária, (o Plano Real) não é tributário de mecanismos redutores da desigualdade de renda entre as famílias brasileiras".


O trabalho mostra que, a partir da segunda metade da década de 90, houve uma redução de patamar em comparação com os níveis registrados nos anos 70. "Isso indica, sem dúvida alguma, uma melhora aparentemente estável no padrão da pobreza, mas esse valor continua moralmente inaceitável", diz o texto.


Henriques considera que a sociedade brasileira trata a desigualdade como uma coisa natural. Romper essa inércia, afirma, é fundamental para erradicar a pobreza. "Isso está ligado à cultura, à forma como se deu a abolição da escravidão, ao pacto político que se estabeleceu", diz ele. "A intensidade e a duração dessa desigualdade não seriam naturais em lugar nenhum. Acontece que a sociedade não assume essa questão como relevante". O pesquisador pondera que não está defendendo uma ruptura com o modelo capitalista: "Não se trata de pregar uma mudança para o socialismo, mas de mudar a mentalidade das pessoas. Se um governo, por decreto, tentasse romper essa desigualdade, não conseguiria", garante.


O papel do Terceiro Setor


Ao estabelecer a necessidade de uma mudança da própria sociedade para criar políticas efetivas de combate à pobreza, o estudo do Ipea reafirma a importância das ações articuladas pelas organizações do Terceiro Setor - seja através de iniciativas locais de desenvolvimento sustentado ou de um trabalho de conscientização e formação da cidadania, abrindo a perspectiva de debates e criando instrumentos para pressionar o Estado para a adoção de novas políticas públicas.


"A idéia da constituição de um espaço público não-governamental é estratégica para a mudança", diz Henriques. "O papel das organizações do Terceiro Setor é chave, é vital. O Terceiro Setor não deve ser um apêndice nesse processo", afirma. "O importante é fazer com que essa questão da desigualdade seja parte da agenda política do país. E se a sociedade topar fazer essa discussão, eu fico otimista", confessa.


E a discussão já começou. Quando Herbert de Sousa, o saudoso Betinho, iniciou a campanha nacional "Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida", o tema ganhou as ruas e a mídia. Anos depois, a luta ainda é a mesma. Essa foi -ainda é - uma iniciativa da própria sociedade, que preferiu não ficar à espera do poder público ou refém do que se convencionou chamar de vontade política - um bordão de poucos resultados.


Erradicar a miséria exige - para começar - que à sociedade brasileira não falte, isto sim, vontade. E ponto final.

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