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Com grafite se escreve uma nova história

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Grafiteiros, não pichadores. Rappers, não marginais. Dançarinos - ou b-boys (break-boys), como gostam de ser chamados -, e não desocupados. A cidadania começa assim, com as coisas em seus devidos lugares, desmistificando preconceitos e afastando a arte das drogas e da criminalidade. Isso, afinal, é o que pretendem as ações ligadas ao movimento hip-hop, que têm surgido de forma vigorosa em todo o país.


Em São Paulo, onde o movimento é particularmente forte e sempre se destacou pela contundência no discurso de crítica política e social, uma experiência tem se mostrado particularmente produtiva: o Hip Hop Urra!, iniciativa subordinada ao Projeto Quixote, de apoio a crianças em situação de risco social. Immaculada Lopez, coordenadora do Núcleo de Cultura e Comunicação do projeto, conta que o trabalho com o hip-hop começou em 1999, quando surgiu a idéia de promover atividades com as "posses" da periferia da Grande São Paulo. "Posses", ela explica, são os núcleos comunitários informais que reúnem breakers, grafiteiros e rappers, entre outros. "Percebemos o valioso potencial de unir os projetos sociais à força criativa do hip-hop. Começamos então a convidar aqueles jovens para pensarmos juntos em intervenções coletivas na cidade de São Paulo", diz ela.


Associando música (rap e DJs ), dança (break) e pintura (grafite), o Hip Hop Urra! promove grafitagens coletivas a partir de temas relacionados à questão da cidadania. Os eventos são realizados sempre em datas e locais simbólicos. "No dia 25 de janeiro de 2000, aniversário de São Paulo, estreamos com o evento "Justiça Social e Paz", na muralha do Carandiru. No dia 22 de abril, dos 500 anos do Brasil, foi a vez de "Educação Sem Exclusão", nos muros de uma escola pública do bairro do Jaraguá. E em 12 de outubro, dia das Crianças, voltamos ao Carandiru com o tema "Pai: Herói ou Vilão?". Agora, em 2001, tivemos o evento "Ordem e Progresso?", no dia 22 de abril, na Praça 14 Bis, geralmente tomada por moradores de rua e usuários de drogas", descreve Immaculada.


Cada evento desses, segundo ela, reúne mais de cem jovens da periferia da Grande São Paulo. E outros adolescentes participam da organização.


Em maio, esses jovens ganharam mais uma perspectiva de vida e de trabalho com a criação da Agência Quixote Spray Arte. A idéia mereceu o Prêmio Empreendedor Social 2000. Com o dinheiro do prêmio, a agência foi montada e já começa a trazer benefícios. Ela oferece serviços de grafitagem de fachadas, cenários e banners. No local também são produzidas camisetas e realizadas oficinas de iniciação à dança de rua e ao grafite. "É um projeto de educação para o trabalho através da arte do grafite. A agência é formada por jovens grafiteiros e adolescentes aprendizes. Nestes poucos meses desde seu lançamento, já podemos notar o impacto positivo nos aprendizes, que até então não vislumbravam outro caminho de autonomia e realização", afirma.


Falta de apoio


Ao contrário dos jovens beneficiados pelo projeto, que por diversas vezes foram vítimas de preconceito, o trabalho do Hip Hop Urra! jamais foi alvo de qualquer tipo de discriminação, segundo Immaculada: "Ao contrário! No geral, a vizinhança, os gestores e a própria imprensa são atraídos pela força expressiva dessa arte jovem", diz.


Mesma sorte não tem Northon Chapadense Pereira, coordenador do projeto Hip-Hop nas Escolas, em Goiânia (GO). À frente de uma iniciativa que leva oficinas culturais às escolas públicas, ele reclama da fala de apoio ao trabalho que desenvolve há 19 anos, à frente de um grupo de 50 voluntários: "Os empresários de Goiás ainda não acreditam muito, e a gente realmente precisa de apoio", lamenta.


"Usamos o canto, a pintura e a dança, já visitamos mais de 50 escolas e nosso maior desejo é fortalecer algumas organizações que trabalham com a juventude, por isso queremos fazer parcerias com organizações não-governamentais do Centro-Oeste", afirma.


Northon faz um pedido: "Se alguma entidade tiver condição, que venha ministrar cursos para a gente sobre gerenciamento, planejamento, gestão social e captação de recursos. Queremos conhecer como funciona o Terceiro Setor. Acho que a gente tem potencial pra fazer muito mais por aqui", anima-se.


Mas enquanto o apoio não vem, eles vão fazendo o que podem. Em breve será implementado um curso de "Motivação pessoal para estudantes" criado pelo próprio Northon, voltado para alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. "Nas minhas observações e na minha experiência, percebi que só a motivação pessoal não basta, é preciso ter uma técnica", explica. "Então quero transmitir isso aos jovens. São coisas que eu aprendi e ainda venho aprendendo até hoje".


Outra perpesctiva que se abre para o futuro é a da criação de uma rádio comunitária. "O pessoal das rádios comunitárias daqui vem orientando a gente e nós pretendemos montar a nossa rádio. Acredito que em uns dois anos a gente consiga entrar no ar", diz.


Relembrando o início da cena hip-hop em Goiânia, em 1981, Northon nota que o movimento vem se "abrasileirando" - nos instrumentos usados, no jeito de cantar e em tudo o mais. "Hoje existe até uma corrente que defende que se escreva REP, abrasileirando a sigla "ritmo e poesia"", comenta. "A discriminação acontece, como aconteceu com tudo que veio da cultura negra - o samba e a capoeira, por exemplo. Mas, com o tempo, a gente consegue se aproximar, sair do gueto". E anima-se: "O trabalho social é uma forma de fazer isso. Vamos explicar às pessoas o que é etnocentrismo, mostrar que na periferia tem gente boa!".


A proposta das ações ligadas ao movimento hip-hop é mostrar que existem perspectivas de vida longe do crime e das drogas. Ao comentar os efeitos do trabalho desenvolvido em São Paulo, Immaculada Lopez destaca que a chance "de se identificar, se expressar e pertencer a um grupo cultural que nasceu e se manter ligado à comunidade, com preocupação de transformação social, é decisiva na construção de uma vida mais cidadã". E conclui com o slogan criado para a Agência Quixote, que usa o grafite para escrever um novo futuro: "A opção entre a arma do crime e a latinha de spray é, muitas vezes, uma mera questão de oportunidade".

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