Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
Em meio a chuvas e trovoadas, chefes de Estado de 178 países, reunidos em Bonn, na Alemanha, finalmente assinaram acordo aprovando o Protocolo de Kyoto, documento que estabelece limites para a emissão de gases poluentes. Faltou a assinatura do poluidor maior, já que o presidente dos EUA, George W. Bush, mostrou-se irredutível. O surpreendente isolamento norte-americano, no entanto, abre espaço para um sol tímido sobre as esperanças dos ambientalistas - a despeito das concessões que precisaram ser feitas para obter a adesão dos demais países. O governo brasileiro subscreveu o acordo, mas, ao investir em usinas termelétricas para conter a crise energética, dá um passo na direção contrária.
O documento assinado na Conferência de Bonn é resultado de uma negociação que se prolonga desde a Rio-92, tendo ganhado forma há quatro anos, na cidade japonesa de Kyoto. De lá para cá, a reunião na Alemanha foi a sexta tentativa de conciliação.
O "acordo possível" estabelece que, até o ano 2012, os principais poluidores devem reduzir em média 5,2%, em relação a 1990, nas emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento global - o chamado efeito estufa. Países com grandes florestas, como é o caso do Canadá, por exemplo, poderão aproveitá-las como sumidouros. Isto porque as árvores utilizam gás carbônico no processo de fotossíntese. Dessa forma, o consumo das florestas será abatido das emissões de gases.
Outra decisão importante foi a criação dos MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo). Através deles, aqueles que não conseguirem cumprir suas metas poderão "comprar" ar limpo fora das suas fronteiras, bastando financiar programas de reflorestamento ou de adoção de fontes alternativas de energia em outros países. Estes, sim, seriam responsáveis pelo "seqüestro" do carbono da atmosfera.
Na contramão
Diretor-executivo do Instituto Pró-Natura - que desenvolve projetos de seqüestro de carbono-, o economista ambiental Peter May, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, acha que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é uma proposta interessante. "O que se considerava era a possibilidade de conseguir recursos para projetos de desenvolvimento energético. Essa possibilidade foi garantida em Bonn", afirma.
Mas há quem veja a idéia com menos otimismo. Katia Vasconcellos Monteiro, coordenadora executiva no Brasil do Núcleo Amigos da Terra, teme que os MDLs permitam que os maiores poluidores continuem a emitir gases nocivos. "A gente precisa garantir que esses países tenham seus padrões de emissão reduzidos. A captura de carbono é um problema, porque não está prevista a plantação de florestas nativas das regiões devastadas, bastam monoculturas de árvores. Sem dúvida, isso é melhor do que não plantar árvore alguma, mas o ideal seria que houvesse a previsão de vegetação nativa", critica.
Katia lamenta que o governo brasileiro, a exemplo de boa parte dos que aprovaram o Protocolo de Kyoto, não tenha permitido que florestas já existentes sejam usadas para projetos de seqüestro de carbono. Os países financiadores poderão monitorar a parte do território comprometida com os programas de reflorestamento. Além disso, a área não poderá ser desmatada por um prazo de 30 a 40 anos. Tudo isso suscitou a volta de velhos temores sobre a perda da soberania. A coordenadora do Núcleo Amigos da Terra acha que esse medo é uma grande bobagem: "Se quisessem internacionalizar a Amazônia, já teriam feito isso há muito tempo", afirma Katia. "Ou então precisam admitir que ela já está internacionalizada, porque tem estrangeiro morando lá, fazendo pesquisa", ironiza. Mas Franklin Mattos, do Grude (Grupo de Defesa Ecológica), revela alguma preocupação: "A grande emissão de poluentes nos países industrializados vai colocar a Amazônia em foco de uma maneira muito mais intervencionista".
Peter May acredita que o Brasil poderá se beneficiar com os MDLs: "O Brasil poderá entrar no ainda incipiente mercado de seqüestro de carbono. Outros países vão ter que aplicar recursos aqui. Isso vai permitir que se invista em fontes de energia alternativas".
Não é, por enquanto, o que vem acontecendo - pelo contrário. Pressionado pela crise de abastecimento, o governo optou pela criação de usinas termelétricas, que usam combustíveis fósseis (gás e carvão) e poluem o ar. Katia Monteiro, mais uma vez, faz um alerta: "Com o racionamento, pretende-se instalar a médio prazo cerca de 40 usina termelétricas, de tecnologia obsoleta, o que vai provocar uma enorme emissão de gás carbônico na atmosfera". Segundo ela, cálculos feitos por Fábio Feldman, secretário executivo do Fórum Nacional de Mudanças Climáticas, mostram que, nesse ritmo, dentro de 10 a 15 anos, o Brasil precisará controlar suas emissões de gases, a exemplo das principais potências mundiais. O Núcleo Amigos da Terra tem procurado incentivar projetos de geração de energia limpa (solar, eólica e biomassa), o que pode ser uma solução a médio e longo prazos. "Estamos chamando atenção: estão todos querendo reduzir, mas o Brasil aumenta. É importante que o governo brasileiro se preocupe com isso", adverte.
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