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Isolamento americano

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

 A elevação gradual da temperatura no planeta, provocada pela concentração cada vez maior de CO2 na atmosfera, pode provocar uma série de catástrofes ambientais. Por conta disso, uma das medidas aprovadas em Bonn foi a criação de um fundo para que as nações mais ameaçadas se preparem para evitar tragédias. Cerca de US$ 450 milhões serão doados pelos países desenvolvidos, principalmente os da União Européia. A África e as pequenas ilhas do Pacífico e do Índico deverão ser as mais beneficiadas. O dinheiro, contudo, não passa de um paliativo e terá pouca utilidade se o quadro continuar se agravando. Estima-se que a emissão de gases poderá provocar um aumento entre 1,4ºC a 5,8ºC ao longo do século.


Nada disso pareceu suficiente para que o presidente dos Estados Unidos voltasse atrás em sua posição de não ratificar o Protocolo de Kyoto. Em defesa da indústria norte-americana, George W. Bush não cedeu um milímetro e por pouco não impediu o acordo. Porém, de forma até certo ponto surpreendente - e à custa de muita negociação -, os governos de Japão, Rússia, Austrália e Canadá não acompanharam a dissidência. Os Estados Unidos ficaram isolados e Bush enfrenta resistências em seu próprio país. “A reação interna tem sido grande”, comenta Franklin Mattos. “Já houve até um caso, noticiado pela CNN, de um estado americano que decidiu implementar medidas previstas no Protocolo de Kyoto que haviam sido  vetadas pelo Bush”, diz ele.


Segundo Peter May, uma das razões para a posição americana é que a proposta de redução das emissões poluentes toma o ano de 1990 como base. “Os países que cresceram durante a década de 90 acabam sendo muito afetados. Para os EUA, isso implicaria, hoje, uma redução dramática de mais de 30%”, explica.


Isolado e sem contar com a simpatia da opinião pública, o governo norte-americano será levado a rever sua posição? Os ambientalistas acham que sim, mas não tão cedo. “O acordo com todos os países, menos um, acaba sendo positivo. Já está sendo um fato de pressão. Não obter o apoio dos seus aliados foi uma grande lama na cara do Bush. Acredito que os Estados Unidos vão ter de mudar. Não sei quando, mas vão”, prevê May. Kátia Monteiro concorda: “O Bush ficou isolado e as pressões são grandes. É possível que a médio ou longo prazo os Estados Unidos voltem a ratificar o Protocolo”. Franklin Mattos arrisca um palpite: “Acredito que dentro de uns quatro ou cinco anos isso possa ser revisto”.


Em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, o professor Roberto Kishinami, ex-diretor-executivo do Greenpeace no Brasil, afirma que a rápida adoção do Protocolo de Kyoto, com a conseqüente redução do consumo de combustíveis fósseis, poderá deixar os americanos em situação desfavorável, pois “significa investimento, crescimento econômico e aumento do comércio internacional. As empresas norte-americanas de tecnologia, prevendo desvantagem, podem forçar o governo a rever sua posição”. Kishinami, no entanto, lembra que nenhuma iniciativa de redução terá eficácia, a médio prazo, sem o apoio dos Estados Unidos. “A primeira razão, óbvia, é que os Estados Unidos consomem sozinhos um quarto de todos os combustíveis fósseis do planeta. A segunda razão é que o país continua sendo líder em tecnologias - como as células de combustível - que permitem a redução do consumo com ganhos econômicos”.


Se, por um lado, é pouco provável que se possa contar com o recuo imediato do governo americano, é preciso, por outro, compreender a importância de um acordo obtido em meio a tantas dificuldades e divergências. Agora, para que o Protocolo de Kyoto finalmente passe a valer, falta que os parlamentos de cada país aprovem as medidas e as transformem em lei. "O que foi aprovado é o mínimo necessário, está longe de ser o ideal, mas é um passo inicial", diz Franklin Mattos. Katia Monteiro concorda: "O fato de o Protocolo ter sido aprovado já é muito positivo". E conclui, alheia ao trocadilho: "A gente tinha a expectativa de que não sairia nada de Bonn".

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