Autor original: Felipe Frisch
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Não basta lutar contra o vírus. Quando só as campanhas de prevenção não são o suficiente, como fica quem é infectado pelo HIV? Como conviver com o vírus, cuidar da saúde e da vida social? Sim, tudo isso é importante, e é possível. É o que garantem as jornalistas Adriana Gomez e Sílvia Chalub, editoras da revista Saber Viver, que já está completando o seu segundo ano de existência, com a 11ª edição. Distribuída prioritariamente em postos de saúde e hospitais, a publicação não pára de crescer. A boa idéia, que começou com 6 mil revistas sendo distribuídas apenas no Rio, hoje já ostenta um placar de 70 mil exemplares, distribuídos também em toda a Grande São Paulo.
Mas a meta é chegar a todos os soropositivos brasileiros, com a idéia de que não basta ter remédio. Quem tem o vírus quer também levar uma vida normal. E é isso que o crescimento da revista comprova: a seção mais "freqüentada" é a do Namoro ou Amizade. E, como nem tudo é só festa, seções fundamentais, que cuidam da alimentação e do dia-a-dia saudável dos soropositivos, garantem que o cuidado desses pacientes não vai ficar limitado aos consultórios médicos. Por isso mesmo, uma boa parte do público-leitor é formada pelos familiares e amigos de quem tem o vírus. Na entrevista, as jornalistas comemoram o sucesso e a evolução da imprensa no tratamento dado aos portadores do vírus, mas não escondem que muito sensacionalismo ainda é produzido de forma quase automática.
Rets - Como surgiu a idéia da revista e do nome?
Sílvia Chalub - Nós percebemos que, na época em que a revista foi criada, em 1999, havia muito pouco material - cartazes, folhetos e revistas - direcionado às pessoas que tinham o HIV. As campanhas públicas eram sempre sobre prevenção. Quem já tinha o vírus só conseguia alguma informação ou com o médico que o acompanhava ou em ONGs. Sabendo o quanto é complexo não só o tratamento, mas também viver com Aids, imaginamos, e confirmamos depois, através de pesquisa feita com médicos e pacientes, que apenas as consultas médicas não são suficientes para abarcar tal complexidade. As organizações atingem ainda um número pequeno de pessoas. Resolvemos, então, fazer uma revista que fosse atraente para o público em geral, com uma linguagem simples e muitas imagens, que falasse sobre assuntos pertinentes ao dia-a-dia de quem vive com o vírus. Quanto ao nome, na verdade, viver é, para todo mundo, uma constante aprendizagem. Quem tem o vírus da Aids precisa primeiro sair da posição de vítima da Aids para ter o controle de sua própria vida. Precisa se conscientizar de que cuidar da saúde e aprender a viver diante dessa nova realidade é fundamental. Precisa saber viver, no sentido mais amplo que a palavra "vida" pode ter.
Rets - Como a revista tem contribuído para diminuir essa complexidade do tratamento anti-Aids?
Adriana Gomez - Divulgando com seriedade assuntos que estão direcionados à realidade do portador do HIV. Publicando depoimentos que ajudam o leitor a perceber que ele não está sozinho e que demonstram que muitas pessoas não estão apenas sobrevivendo com o HIV, mas, acima de tudo, estão buscando melhorar a sua qualidade de vida.
Rets - A revista já está no segundo ano de circulação, crescendo sempre. Como tem sido a resposta do público-leitor quanto à tiragem?
Adriana Gomez - A primeira edição da Saber Viver possuía uma tiragem de apenas 6 mil exemplares. Porém a resposta do público foi tão positiva que esse número foi ampliado, na terceira edição, para 8 mil exemplares. A partir daí, a revista não parou de crescer. Em sua quarta edição, foi impressa com 30 mil exemplares, o que nos permitiu atingir todo o estado do Rio de Janeiro. A partir da sétima edição, entramos em São Paulo, elevando o número de exemplares para 55 mil, chegando a toda a capital e Grande São Paulo. Hoje, a revista está em sua décima-primeira edição e conta com 70 mil revistas sendo distribuídas em unidades de saúde que atendem portadores do HIV em diversas cidades do Brasil. Com o aumento do número de exemplares, o número de cartas também cresce significativamente. Recebemos, em média, cerca de 100 cartas por edição, fora os e-mails que chegam diariamente à redação da revista. A seção mais procurada é a Namoro ou Amizade, através da qual os leitores buscam novos amigos e até novos amores. Inclusive, na edição número 9, um casal heterossexual foi a capa da revista. Eles se conheceram através da seção Namoro ou Amizade e, meses depois, decidiram se casar. Soubemos, através de cartas, que outros leitores também conseguiram achar companheiro e companheira por intermédio desta seção. Temos também um espaço na revista que responde a dúvidas dos leitores sobre os mais diversos assuntos: alimentação, direitos jurídicos, endereços úteis...
Rets - A revista tem servido como ponte na relação médico-paciente de maneira efetiva, como era a intenção? Não são só pessoas portadoras do vírus que lêem a publicação, né?
Adriana Gomez - Os soropositivos são o nosso público prioritário. Além deles, pretendemos atingir também seus amigos e familiares. Porém, com o tempo, percebemos que a revista vem sendo bastante útil também para os profissionais de saúde, como enfermeiros e auxiliares. Enfim, desde o início tivemos muito cuidado com o formato dos textos e as palavras utilizadas. O nosso objetivo é que a Saber Viver possa ser lida por qualquer pessoa, independente da faixa cultural à qual ela pertence. Percebemos, pelas cartas que nos chegam e por avaliações externas, que estamos conseguindo manter esse padrão. As informações contidas na revista são de interesse cotidiano de uma pessoa infectada pelo HIV, independente de sua classe social. Essa facilidade em divulgar assuntos que, através da linguagem médica, possam parecer ainda mais complicados vem fazendo com que a revista sirva de porta-voz dos médicos em algumas questões, como, por exemplo, maneiras de tornar o tratamento com os antiretrovirais mais eficaz.
Rets - Como os profissionais de saúde podem contribuir com a revista e ajudar seus leitores?
Sílvia Chalub - Os profissionais de saúde contribuem muito com a revista. Temos profissionais de várias áreas, especializados no atendimento a portadores do HIV, fazendo parte do conselho editorial da Saber Viver. Em todas as matérias, contamos com o auxílio de médicos, nutricionistas e psicólogos. Além disso, muitos assistentes sociais utilizam a revista para suscitar discussão em grupo de assuntos pertinentes ao portadores do HIV.
Rets - Como tem sido feita a distribuição de Saber Viver?
Adriana Gomez - A distribuição da Saber Viver vem sendo feita através dos locais onde o medicamento é distribuído, postos de saúde e hospitais. Essa estratégia garante que a publicação chegará aonde o paciente precisa, necessariamente, passar uma vez por mês para pegar os remédios. Porém algumas ONGs solicitaram a revista e vêm trabalhando com ela em grupos de convivência. Outras simplesmente redistribuem exemplares. Entretanto, uma grande contribuição que algumas ONGs têm dado à Saber Viver é indicando determinados personagens para matérias. As pessoas que já tiveram o impulso de procurar ajuda numa ONG estão mais preparadas, pensamos nós, para assumir as conseqüências de se expor à sociedade. Isso porque, infelizmente, o preconceito ainda é muito grande contra o soropositivo. E, para esta tarefa, as ONGs têm desempenhado um papel fundamental para nós. Em contrapartida, fazemos questão de divulgar todos os serviços oferecidos aos portadores por ONGs que trabalhem na convivência com a Aids das quais temos referência. Já nos hospitais e postos onde a Saber Viver é distribuída, os profissionais desempenham um papel primordial a partir do momento em que eles disponibilizam a revista aos pacientes. A aceitação da revista nesses locais é ótima e os profissionais de saúde vêm sendo grandes aliados.
Rets - Como a imprensa dita "convencional" tem se comportado diante do tema? Tem cumprido seu papel?
Adriana Gomez - Em relação ao tema Aids, achamos que a imprensa há tempos vem desempenhando um papel importante: divulgando pesquisas, denunciando atitudes discriminatórias. Diferentemente do que aconteceu no início da epidemia, quando a Aids era tratada pelos grandes jornais como "o câncer gay". Porém equívocos e sensacionalismo ainda aparecem na grande imprensa. Então o que está em jogo é o valor comercial, acima de tudo. Mas existe outro fator importante: o jornalista faz parte de uma sociedade que ainda discrimina os portadores do HIV. Logo, é difícil que o repórter ou até mesmo o editor não caiam em determinadas armadilhas na hora de redigir ou editar um texto. Mas as ONGs estão "sempre alertas" para esses problemas e desmascaram, na maioria das vezes, matérias de cunho preconceituoso.
Rets - Quais os assuntos mais recorrentes na pauta de Saber Viver?
Sílvia Chalub - Cada vez surgem mais assuntos sobre o tema Aids. Hoje, os medicamentos antiretrovirais garantem uma vida longa aos portadores do HIV, fazendo, assim, com que eles despertem para a importância de manter sua qualidade de vida. Alimentação, exercícios e tratamentos alternativos para combater os efeitos colaterais dos medicamentos estão constantemente na revista. Uma sessão com sugestões de como tomar adequadamente os antiretrovirais também. Além disso, matérias sobre namoro e direito dos soropositivos têm lugar garantido.
Rets - Que tipos de apoio vocês estão procurando?
Sílvia Chalub - A nossa meta é levar a Saber Viver para todo o Brasil. Para isso, precisaríamos de uma tiragem de 120 mil exemplares. Além disso, estamos buscando parceiros para a construção de uma home-page. Através dela, poderíamos divulgar serviços para soropositivos e disponibilizar as edições antigas da revista, que já estão esgotadas. Portanto, novos parceiros seriam muito bem vindos.
Rets - Que apoios governamentais vocês estão recebendo?
Sílvia Chalub - O Marco Antônio Vitória, médico assessor técnico da Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, tem colaborado constantemente, dando entrevistas e revisando matérias de Saber Viver. Além disso, a revista tem o selo de recomendação do Ministério, o que dá credibilidade à publicação em todas as unidades de saúde do Brasil onde ela é distribuída. O Ministério da Saúde tem grande preocupação quanto à adesão dos pacientes ao tratamento anti-Aids e percebe o quanto a revista tem contribuído para isso. O governo estadual de São Paulo colabora disponibilizando dados e facilitando contatos para as entrevistas.
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