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Gravidez na adolescência: o problema cresce e se multiplica

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Uma menina leva no colo um bebê. Não é uma cena incomum. E já nem chega tanto a surpreender quando se descobre que as duas crianças, na verdade, são mãe e filha. De acordo com dados do Ministério da Saúde, quase um terço dos partos realizados hoje no Brasil é de adolescentes na faixa de 10 a 19 anos. E esse percentual vem crescendo.


O fenômeno é complexo e tem uma variedade de motivações – psicológicas, sociais e afetivas. Atribuir a gravidez precoce à falta de informação é reduzir o problema a uma escala mínima. Em pleno século 21, com o avanço das tecnologias e o imenso alcance da mídia, com a informação chegando mais rapidamente e cada vez mais longe, seria de se esperar que os resultados fossem, ao menos, um pouco melhores. Ocorre que a mesma mídia que informa, segundo alguns, também pode ajudar a deformar. A valorização cada vez maior do corpo e do sexo como chamarizes de audiência estaria contribuindo para a erotizaçao precoce de crianças e adolescentes? Márcia Alves, coordenadora do projeto Ser Menina, que atende jovens da zona oeste do Rio de Janeiro, acha que sim.


"A influência da mídia é a maior justificativa para esse quadro. Há crianças que, com 7 anos, estão em um estado de erotização impressionante", alerta. "As meninas vêm tendo filhos cada vez mais cedo, e um fator preponderante é a influência da mídia, que cria imagens que servem de modelo para essas meninas. Então elas querem ser iguais às moças da TV". Para exemplificar, Márcia cita um caso de uma jovem, de uma comunidade atendida pelo projeto, que resolveu se prostituir. Na época, era exibida uma novela em que uma das personagens, uma garota de programa, sustentava a casa, os estudos, o filho e os pais com o dinheiro do michês. "A influência era nítida", diz. "Era uma menina que já vinha sendo trabalhada pela gente, então conseguimos aconselhá-la e ela acabou acabou abandonando aquela vida e até arrumou um trabalho".


A influência das novelas é destacada também por Maria Cristina Mendonça, coordenadora do Centri (Centro de Reestruturação da Identidade), da Casa de Passagem, em Recife, Pernambuco. "A mídia tem uma grande influência sobre essas garotas. A gente procura conversar muito com elas, tentamos mostrar como as coisas são na realidade".


Thaís Corral, coordenadora geral da organização não-governamental Cemina – Comunicação, Educação e Informação em Gênero, faz coro: "Acho que a mídia tem uma grande responsabilidade, sim, porque privilegia todo esse aspecto de sedução, que é próprio da sociedade de consumo. Como a gente reverte isso, eu não sei, porque a sociedade tem a liberdade de expressão. Mas é preciso dar outro tipo de motivação a esses jovens", analisa. "No fundo, não há instituições que invistam em outras formas de motivar a juventude. As escolas e os pais se preocupam pouco em motivar os jovens, não há um interesse tão grande. Então essas adolescentes são deixadas à própria sorte", afirma.


O Cemina usa o rádio como veículo para os seus projetos e já desenvolveu campanhas de esclarecimento e mobilização a partir de sucessos da música funk ("Começa com um tapinha" e "Não aceite o papel de cachorra"). Semanalmente, aos sábados, a partir das 7 horas, vai ao ar pela Rádio Guanabara o programa "Fala, Mulher" (com reprise no site do Cemina). "A gente procura dar uma visão crítica dos principais fatos que afetam a questão do gênero", explica Thaís.


A falta de visão crítica certamente é decisiva quando se fala em influência da mídia. Se, por um lado, cabem críticas, por exemplo, aos responsáveis pela programação das emissoras de televisão, é preciso reconhecer que existe o interesse do público. Sair desse círculo vicioso é uma tarefa delicada. Cristina Mendonça destaca a importância do papel do educador: "O adolescente tem um potencial muito grande, e depende do educador desenvolver esse potencial e o senso crítico", diz ela. A professora Cristina Gramling, que leciona sobre "Movimentos de Mulheres" na Universidade Federal Fluminense, percebe que a sociedade tem priorizado a sexualidade. Como ex-coordenadora do projeto Ser Menina, do qual participou desde sua fundação, ela teve uma convivência diária com jovens que impressionavam pela carência afetiva e pela falta de autoconfiança. "O que me emocionava muito era que elas achavam que só seriam valorizadas pelo corpo, tamanho era o sentimento de baixa auto-estima", conta. "A gente queria que elas acreditassem que poderiam sonhar, que poderiam conquistar coisas. Havia meninas lindas, muito talentosas. Eu ficava muito revoltada ao ver que, para muitas delas, a sociedade fechava as portas".


E nem mesmo as portas que estão abertas parecem suficientemente interessantes. Com a gravidez, a escola é deixada de lado. Sem estudo, diminuem as oportunidades de crescimento profissional. A falta de perspectivas sepulta a auto-estima. "A gravidez na adolescência não está associada à falta de escolaridade. Essa, muitas vezes, acaba sendo uma conseqüência", diz Márcia Alves. "Essas meninas não têm clareza do que vai acontecer na vida delas. Muitas enfrentam preconceitos e têm de criar o filho sozinhas, porque o pai geralmente não assume. Então ficam marginalizadas".


A própria escola não serve de estímulo. Além dos eventuais problemas pedagógicos, o espaço físico das instituições de ensino nas comunidades carentes costuma não oferecer quaisquer atrativos. "Nós notávamos que havia um total desinteresse pela escola", diz Cristina Gramling, "e isso é grave. Em geral, as escolas eram mal-cuidadas, feias e sujas".


Outro aspecto a ser considerado é a carência afetiva – e nesse aspecto se aproximam os conflitos de adolescentes das comunidades de baixa renda e os das famílias de classe média, onde os casos de gravidez precoce também vêm ocorrendo. A gravidez pode ser uma forma, consciente ou não, de chamar atenção, de se auto-afirmar, mostrar rebeldia ou "tornar-se adulta". Márcia vê nisso uma forma de fuga: "A menina, muitas vezes, assume a casa porque a mãe passa o dia todo fora, e é ela quem faz tudo e cuida dos irmãos. Ficar grávida é uma maneira de sair de casa. Outro aspecto é o da falta de afetividade, pela ausência dos pais. Com o filho, a jovem quer a afetividade que não teve. E não é só nas famílias carentes que isso acontece. Muitas jovens de classe média estão engravidando por causa da falta de afetividade, pela ausênca da família. Às vezes a mãe não acompanha o crescimento da menina, acha que basta deixar a empregada tomando conta", critica.


A impulsividade típica dos jovens acaba provocando um outro problema. Muitas adolescentes contraem Aids ou outras doenças sexualmente transmissíveis logo na primeira relação. E isso não ocorre apenas por falta de informação. "Elas acham que nunca vai acontecer com elas", comenta Márcia. Mas acontece, e cada vez mais. E se repete. Dados da Universidade Federal de São Paulo mostram que seis em cada 10 adolescentes com mais de um filho tinham menos de 16 anos quando engravidaram pela primeira vez. E várias garantiram terem voltado a engravidar "sem querer". Márcia tenta explicar: "Mesmo depois de engravidar pela primeira vez, a menina continua com a impressão de que aquilo que aconteceu com ela não poderia ter acontecido. Ela acha que foi um acidente e que não vai se repetir mais. Então o problema não é só de informação, é psicológico também, é muito mais complexo".


Para Cristina Gramling, enfrentar o problema da gravidez na adolescência é uma missão difícil, que requer uma atenção especial. Para ela, o fundamental é discutir a auto-estima dessas adolescentes. "Para a menina, é uma questão muito importante, porque o irmão vai pra rua, sai pra trabalhar, enquanto ela tem que cuidar da casa, dos outros irmãos". Citando o filme "Thelma e Louise", Cristina compara a situação da adolescente com a das duas personagens principais, que percorriam os Estados Unidos dentro de um automóvel, quebrando regras e transgredindo leis. Encurraladas pela polícia diante do Grande Canyon, elas preferem atirar o carro no precipício. "Pois é isso o que acontece com elas. Chega uma hora em que a menina parte para a transgressão. E quando ela finalmente experimenta a sensação de autonomia, é difícil voltar atrás. Ela prefere se atirar no canyon".

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