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Participação, comunicação e comprometimento com resultados: as chaves do trabalho bem-sucedido das ONGs

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

* Flávia de Queiroz Lima


Em meu cotidiano na consultoria organizacional, tenho constatado, cada vez mais, que entre os produtos e serviços destinados ao aperfeiçoamento da gestão de órgãos e empresas cresce a oferta de "ferramentas" para armazenamento de informações, acesso a bancos de dados, mecanismos de controle automático e "pacotes" de soluções. Muito dinheiro tem sido gasto na compra de tecnologia e no treinamento de pessoas para operar estas "ferramentas", executar "receitas", "resolver problemas", definir e aplicar "padrões de desempenho".

Velhas fórmulas ganham novos nomes, siglas, tudo muito curto e simplificado, para economizar tempo e esforço. Por que motivo, então, as mudanças continuam a acontecer de forma tão desordenada e lenta, as pessoas que ali trabalham cada vez mais mergulhadas no detalhe, sobrecarregadas de tarefas cujo objetivo final desconhecem? Por que razão o processo decisório corre alheio ao momento oportuno de fazer as escolhas, de dar rumo ao trabalho das equipes? Por que as perguntas-chave não são feitas ou as respostas não chegam a ser concebidas e comunicadas a quem deverá fazer o "decidido" acontecer ?


Um brilhante ensaio – "Naturezas invisíveis"[1] – nos resgata a reflexão de Ítalo Calvino [2] sobre o peso esmagador da overdose de notícias, que nos pressiona a agir de modo cada vez mais rápido e impensado. Um trecho de Calvino, ali citado, entre tantos outros do livro "Cidades Invisíveis", me esclarece sobre uma das razões dessa aparente surdez na administração das organizações: "Eu falo, falo – diz Marco Polo –, mas quem ouve retém somente as palavras que deseja. (...) Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido". Segue o autor do ensaio: "As redes circulam rapidamente o conhecimento, as informações, as lendas e os rumores".


Se a informação jorra aos borbotões, se circula tão rapidamente, se está tão acessível, por que não chega aos ouvidos certos, no momento oportuno, e alimenta a reflexão, as decisões, as iniciativas?


Acredito que este peso enorme do excesso de informação, excesso de fórmulas e ferramentas, está paralisando o que temos de mais humano e mais valioso: o pensamento - que nos permite enxergar além do que vêem nossos olhos, na permanente busca de compreender o conjunto subjacente às partes, nesse todo tão fragmentado pelas múltiplas visões ofertadas: a informação é excessiva e a reflexão é escassa.


Outro bem precioso tem sido anestesiado e ofuscado pelo excesso de respostas prontas: a imaginação, onde poderíamos buscar fontes inesgotáveis de soluções. Nela residem a criatividade, para conceber "como poderiam ser" as coisas que queremos mudar, e o senso crítico, para renovar antigas alternativas, avaliar as implicações, os desdobramentos, as providências necessárias, até que o "decidido" seja efetivamente "ouvido", compreendido, compartilhado e praticado. Aliás, toda subjetividade, nesses tempos de globalização, anda relegada e desvalorizada como recurso do pensamento!


Nesse universo intrincado de organizações onde sou convidada a atuar, percebo que as ONGs têm um trunfo importante, propiciando o alcance de resultados efetivos com seu trabalho, no atendimento aos interesses da sociedade – papel ao qual os órgãos públicos parecem ter renunciado e a maioria das empresas privadas aparenta ignorar. Esse trunfo é o processo decisório compartilhado – necessário para que os ouvidos "ouçam" as próprias palavras, a voz do outro, e a comunicação se concretize, na assimilação das idéias sobre os resultados a serem alcançados, quanto às estratégias de ação e seus desdobramentos no trabalho cotidiano de cada membro da equipe.


Apenas assim a mudança ocorrerá. O tempo é precioso e igualmente importantes são as capacidades das pessoas - de propor, de argumentar, de refletir. Dirigentes surdos, que apenas ouvem a própria voz, pensam que se fazem ouvir. Esquecem dos ouvidos que os escutam.

* Flávia de Queiroz Lima é socióloga e consultora em organizações públicas, privadas e ONGs


[1] "Naturezas Invisíveis", de Virgílio Fernandes Almeira, professor titular do Departamento de Ciências da Computação da UFMG, publicado no caderno Pensar do jornal Estado de Minas de 7/7/2001.


[2] Ítalo Calvino (1923-85), escritor cubano criado na Itália, nos presenteou, antes de morrer, com mais uma obra onde as naturezas invisíveis são destacadas: "Seis propostas para o próximo milênio"

A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

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