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Favelas: várias faces, uma só voz

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

O samba ainda é a voz do morro, não a única. Hoje o morro se faz ouvir de várias formas: no discurso contestador do hip-hop, na interação entre associações de moradores, na articulação de movimentos comunitários, na internet e nos projetos sociais que vislumbram um futuro melhor. O morador da favela quer ocupar o seu espaço, construir sua identidade e eliminar preconceitos.


Iniciativa pioneira do movimento Viva Rio, o portal Viva Favela é hoje um importante canal de informação e serviços voltado tanto para a população das favelas como para a mídia e os formadores de opinião. Oferece ainda diversão e oportunidades de emprego. Uma das atrações principais é a revista eletrônica Comunidade Viva, feita pelos próprios moradores. O coordenador do Viva Favela, Vitor Sznejder, se mostra feliz com a repercussão alcançada e celebra a abertura do primeiro telecentro, chamado de Estação Futuro, na Rocinha. É a internet abrindo, no alto do morro, uma janela para o mundo.

"Inauguramos no dia 3 de julho e o espaço vive lotado, com filas na porta. Foi preciso ampliar o horário de atendimento, porque são mais de cem pessoas por dia acessando a internet", diz Vitor. O custo é de um real por cada meia hora. Há ainda 250 pessoas matriculadas nos cursos de informática. Além de computadores com acesso à internet – até mesmo para ligações telefônicas –, existe um cibercafé. Qualquer um pode abrir uma conta gratuita de correio eletrônico. Monitores estão a postos para orientar os "navegantes".


A Estação Futuro é o primeiro de uma série de 16 telecentros que devem ser implantados até o final do ano em comunidades carentes do Rio de Janeiro. Vitor Sznejder vê na internet um grande potencial a ser utilizado pelos moradores. "A exclusão digital é uma realidade e são poucas as comunidades com acesso à rede", lamenta. "O Viva Rio participa de uma campanha internacional pelo desarmamento que tem grande parte de sua organização feita através da internet. Há muitos exemplos assim, e acreditamos que as próprias comunidades irão descobrir como usar a internet para sua organização e comunicação. Para o Viva Favela, o importante será a capacidade da comunidade de usar a internet como forma de combater a exclusão, aproximar a favela do asfalto e ter mais acesso aos serviços públicos".


Em família


Na Mangueira, na Casa das Artes, os jovens também "caem na rede" para fazer pesquisas e concluir trabalhos das oficinas de vídeo, fotografia e reportagem oferecidas pela instituição. Responsável pelo projeto, a arte-educadora Sueli de Lima está animada com o desempenho dos alunos, que preparam para dezembro, com apoio da Xerox, um livro sobre a favela. "Eles pretendem falar de assuntos de interesse dos jovens da comunidade, e não apenas da Velha Guarda", conta Sueli. "Querem saber quem vive de arte na Mangueira, quem está dançando capoeira, qual a banda de hip-hop do momento ou quem fabrica pipas".


Sintomas de uma renovação cultural? Parece que sim. Vitor Sznejder volta no tempo para justificar: "Há 20 anos, as favelas tinham intensa vida comunitária, cultural e até política. Esses movimentos foram oprimidos pela violência -- tanto do crime organizado como do aparelho policial. Acredito que esteja ocorrendo, na verdade, um princípio de recuperação desses espaços. O movimento denominado hip-hop tem grande papel nesse renascimento, pois é simultaneamente político, cultural e mobilizador dos jovens, que são as maiores vítimas da violência", afirma.


Para Itamar Silva, coordenador da Agenda Social, do Ibase, e ex-presidente da Associação de Moradores do Morro Dona Marta, essa diversidade cultural é própria das favelas: "A favela não é uma única coisa, seja boa ou má. Ela reflete a complexidade do espaço urbano que se construiu contra a lógica formal da cidade, num processo de avanços e recuos. Essa dinâmica permitiu o encontro de várias culturas".


Itamar acredita que iniciativas como o Viva Favela são sintomáticas do alcance cada vez maior da voz do morro. "É o indicativo evidente de que já não dá mais para ignorar não só a existência física desses aglomerados como também o seu povo, com toda a sua produção cultural e demandas por mais espaços nesta cidade".


Flávio Minervino, presidente da Associação de Moradores do Morro dos Prazeres, acha que a força maior está na união das favelas e destaca a solidariedade: "Se eu tiver um problema aqui no morro, logo outras comunidades vêm ajudar. Juntos nós podemos falar muito mais alto e conseguir melhores resultados", garante.


Sueli de Lima assina embaixo: "A comunicação e a solidariedade são muito importantes como mecanismos de pressão e organização. Muitas vezes os problemas têm soluções simples, mas, por falta de organização, os moradores não sabem o que fazer com eles ou como resolvê-los". Ela constata que as pessoas preferem delegar responsabilidades aos líderes comunitários, esquecendo que cada um tem que fazer a sua parte.


Mas a mudança pode estar próxima. No dia-a-dia do trabalho com meninos e meninas da Mangueira, Sueli notou que ali existe uma concepção diferente de família."Para os jovens, família não é apenas pai e mãe, mas um grupo de pessoas que se ajudam".


Quem sabe a solidariedade – que não é um grito, mas palavra amiga – vai se tornar a voz da grande mudança.

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