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Maioridade só aos 18

Autor original: Fausto Rêgo

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Reduzir a maioridade penal para 16 anos é realmente a solução para o problema dos jovens infratores? Levantar essa discussão é o objetivo da campanha "Maioridade penal só aos 18", promovida pelos conselhos municipal e estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) e por várias instituições com trabalhos voltados para a infância e a adolescência.


Um dos principais argumentos dos que defendem a redução da maioridade penal é que o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece punições para os jovens infratores. Os organizadores da campanha, porém, rebatem a acusação e garantem: o Estatuto contém medidas de internação e privação de liberdade. Durante esse período, o jovem deveria ter acesso à educação e ao aprendizado de uma profissão - o que nem sempre acontece.


Outro argumento comum é que aos 16 anos o jovem já tem discernimento do que é certo ou errado, o que não é contestado pelas entidades que participam da campanha. Elas alegam que o critério usado para determinar a idade de 18 anos como referência leva em conta a dificuldade de ressocialização do jovem se deixado em uma penitenciária na companhia de adultos infratores.


Oficinas


Segundo Mauro Gaspar Filho, assessor de Comunicação da Associação Beneficente São Martinho, uma das organizações envolvidas, a campanha não se limita a fazer oposição aos projetos que tramitam no Congresso Nacional com propostas de redução da idade penal – atualmente, são 14 iniciativas nesse sentido, entre Propostas de Emenda Constitucional e Projetos de Lei. "Não existe interesse em bater de frente com quem discorda das nossas idéias", adianta ele. "A gente quer apenas esclarecer a sociedade, trazer o tema à discussão".


Com esse objetivo, a campanha está realizando uma série de oficinas. Na primeira, realizada em 22 de agosto, o foco foi sobre o sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Participaram do evento o secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, João Luís Duboc Pinaud; a diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Univesidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber; e o desembargador e professor da UERJ Sérgio Verani.


Em breve será realizada uma nova oficina, dessa vez sobre a inimputabilidade para uma política criminal, em que será discutida a idéia de que os jovens infratores não devem ser responsabilizados criminalmente. Deverão estar presentes a professora Vera Malaguti, do Instituto Carioca de Criminologia, o advogado Nilo Batista, o juiz Geraldo Prado e, novamente, o desembargador Sérgio Verani.


Uma terceira oficina terá como tema o sistema socioeducativo, procurando debater a adequação das instituições às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.


O advogado Pedro Pereira – que integra o Centro de Defesa Dom Luciano Mendes, da São Martinho, e está envolvido na coordenação da campanha – destaca que um dos grandes objetivos é justamente estimular a aplicação do Estatuto. "Queremos divulgá-lo, porque ele ainda é muito pouco conhecido, e por isso mesmo freqüentemente desrespeitado. E as pessoas às vezes criticam sem conhecer", lamenta.


De acordo com os organizadores da campanha, 90% dos crimes no Brasil são cometidos por adultos. Pedro Pereira afirma que há exemplos mundiais de que a redução da maioridade penal não vai ajudar a reduzir o número de menores infratores. "No mundo inteiro se discute a falência do modelo das prisões na tarefa de ressocialização", argumenta.


Segundo dados fornecidos pelos organizadores da campanha, 90% dos crimes no Brasil são cometidos por adultos. Nos Estados Unidos, após sete anos de endurecimento das sentenças aplicadas a jovens, o número de crimes praticados por adolescentes triplicou. A Alemanha, por sua vez, está criando uma justiça especificamente para analisar os crimes cometidos por jovens na faixa de 18 a 21 anos.


Embora admita que a grande maioria da população é favorável à redução da maioridade penal, Mauro Gaspar Filho acredita que essa não seja uma reação racional. "Crimes cometidos por adolescentes têm um impacto grande e, infelizmente, acontecem. Mas não são a raiz do problema", pondera. "Até costumo brincar dizendo que, se continuarem reduzindo a idade, daqui a pouco vão querer prender as crianças preventivamente logo depois de nascerem".


Com duração prevista de seis meses, a campanha tem como desafio chamar a atenção da mídia para o debate em torno do Estatuto da Criança e do Adolescente, que está completando o seu décimo-primeiro ano de vida sem ainda ter sido compreendido ou respeitado.

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