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As várias faces da intolerância

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Às vésperas do seu início, no próximo dia 31, em Durban, na África do Sul, a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância se vê às voltas justamente com uma acusação de discriminação. A ILGA (International Lesbian and Gay Association) teve sua participação impedida, em veto liderado pelos países islâmicos, que rejeitam o homossexualismo. A decisão, porém, ainda pode ser revista. Delegações de vários países, entre os quais o Brasil, vão apresentar um recurso em favor da entidade na abertura do evento.

pMembro da comissão brasileira que vai a Durban, Cláudio Nascimento Silva – que também é secretário-geral da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Tavestis e presidente do Grupo Arco-Íris, do Rio de Janeiro – atribui o problema a um episódio ocorrido em 1994. Na ocasião, a ILGA fazia parte do Conselho Consultivo de Organizações da ONU e recebeu a acusação de que alguns de seus integrantes estariam envolvidos em pedofilia. No mesmo ano, a ILGA identificou e expulsou o grupo de seus quadros. "Em nenhuma ocasião a entidade fez defesa da pedofilia. Mas os países islâmicos usaram essa história para questionar sua participação", diz Cláudio.

A repercussão da polêmica não se limitou ao movimento homossexual. Athayde Mota, coordenador de Comunicação da revista Afirma, voltada para a comunidade negra, reagiu com indignação: "O veto é uma vergonha. Não se pode vetar ninguém, a não ser que seja uma organização criminosa". Embora lamente o episódio, Athayde acredita que a Conferência poderá conseguir um consenso sobre uma agenda global de combate às diversas formas de discriminação. "O que se espera é que seja elaborado um documento que possa ser aplicado em todo o mundo. A ONU não pode impor nada, mas tem condições de negociar em torno de reivindicações comuns. É delicado, mas possível", analisa.


Athayde constata que, em sua terceira edição, a Conferência Mundial contra o Racismo enfrenta, pela primeira vez, a situação de não ter um tema que centralize as atenções – como foi o apartheid, na vez anterior. "Não há um assunto dominante, cada um tem no seu quintal um problema para esconder", diz ele.


Ao lembrar que todos os países têm casos de populações discriminadas por serem diferentes, Athayde reconhece na Conferência o mérito de ter trazido esse problema para a pauta do dia em todo o mundo. “Essa conscientização de que a discriminação não é exclusiva de algumas áreas ou alguns países, de uma certa maneira, redimensionou a questão, transformando-a em uma situação global”, afirma. Segundo ele, há temas que prometem gerar debates acalorados, como as reparações históricas e a proposta das nações árabes de discutir o problema palestino e igualar sionismo e racismo. "São temas 'cabeludos', que contribuem para um quadro incerto", adverte.


Um dos que insistem nas reparações históricas é o presidente do grupo Atobá, Raimundo Pereira. Ele lamenta que não se discutam indenizações para os gays que tiveram suas roupas marcadas, como forma de segregação, na Alemanha nazista. Raimundo considera interessantes as propostas que foram apresentadas pelo Brasil nas reuniões preparatórias e pede apenas que o tema da orientação sexual seja tratado com dignidade pelos conferencistas. “Somos um segmento numeroso, muito unido, muito coeso. E temos sofrido com a violência e a impunidade”. Embora admita que o movimento homossexual vem obtendo algumas conquistas, Raimundo acredita que muito ainda falta para que os gays sejam respeitados como deveriam.


Respeito, aliás, é o que todos querem – não importa a que grupo, raça, religião ou nação pertençam. Índios, homossexuais e negros desejam o reconhecimento formal da discriminação como crime. E reivindicam uma legislação global progressista, com incentivo a políticas públicas que respeitem a diversidade.


Durban pode ser um marco para uma possível mudança, mas será preciso superar divergências políticas, históricas e religiosas. A habilidade para contornar as diferenças é que vai permitir o convívio dos diferentes.

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