Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O governo federal deve anunciar nos próximos dias a criação de um conselho - com participação de ativistas índios, negros e homossexuais - para tratar da discriminação e das formas correlatas de intolerância. Essa iniciativa é resultado dos debates realizados nas reuniões preparatórias, nas quais a delegação brasileira - formada por representantes do governo e da sociedade - defendeu posições consideradas avançadas. Entre elas o reconhecimento dos povos indígenas e do conceito de discriminação sexual e a reparação histórica aos afro-descendentes.
As propostas brasileiras são vistas com reservas pelos próprios ativistas. Athayde Mota, coordenador de Comunicação da revista Afirma, é cético. “Não houve um processo interno de discussão forte. Além disso, o Brasil costuma ratificar as posições da ONU, mas não costuma aplicá-las. É um discurso para fora, outro para dentro”.
Athayde recorda um fato recente para justificar a sua descrença no discurso apresentado pela diplomacia brasileira: “O governo já vacilou ao não realizar no Brasil uma das reuniões preparatórias. A Conferência Regional das Américas seria aqui, mas foi cancelada na última hora, durante uma seccional em Genebra. Os delegados brasileiros alegaram que não havia interesse das organizações do país em realizar o evento, o que absolutamente não era verdade. Portanto não acredito que agora eles sejam defensores da ação afirmativa”.
Em alguns casos, a reação é de surpresa. Em entrevista ao jornal “O Globo”, a socióloga Azelene Kaingang, representante indígena, teve uma reação de espanto, pois o governo sempre temeu que o uso da expressão “povos indígenas” pudesse transformar-se em uma ameaça à soberania nacional. Para ela, no entanto, existe uma contradição. Ainda que assuma uma posição de vanguarda no cenário mundial, o Brasil não se comporta da mesma forma no âmbito interno.
Cláudio Nascimento Silva, secretário-geral da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis e presidente do Grupo Arco-Íris, concorda: “É necessário que essa política internacional se materialize em políticas públicas no próprio país. O Brasil está sendo visto como vanguarda, então é importante que assuma esse papel também internamente”.
Nascimento conta que o embaixador Gilberto Sabóia, secretário nacional de Direitos Humanos e um dos principais membros da representação brasileira que vai a Durban, entregou nesta semana ao presidente Fernando Henrique Cardoso um documento contendo reivindicações dos movimentos negro, homossexual e indígena. Eles desejam, por exemplo, ter participação efetiva nos órgãos responsáveis pela formulação de políticas públicas sociais.
As propostas apresentadas pelo Brasil receberam a adesão de Canadá, Argentina, Chile, Austrália, México e vários países da União Européia. Apesar do apoio, porém, a luta não deve ser fácil, particularmente em relação às conquistas pretendidas pelos homossexuais, que devem contar com forte oposição das nações islâmicas.
A partir do dia 7 de setembro, quando se encerra a Conferência, as entidades mundiais de defesa dos direitos humanos pretendem formar um grupo para monitorar o cumprimento das resoluções. “Daqui pra frente, as organizações não podem deixar a bola murchar”, conclama Athayde. “A estratégia, agora, é divulgar os resultados da participação brasileira, monitorar a ação do governo e cobrar o cumprimento da agenda”.
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