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Um olhar crítico para a TV

Autor original: Marcos Lobo

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor

Um teste de DNA realizado em pleno auditório. Duas crianças e duas famílias. À medida que o tempo passava, as crianças começavam a chorar, inseguras, pois o seu destino estava a prêmio diante de uma platéia ansiosa por uma troca de família. Esse foi o cenário de um programa exibido há algum tempo no horário nobre da televisão.


“Recebemos a denúncia de um telespectador que ficou chocado com o que estava vendo. Conseguimos uma cópia do programa e entramos com uma ação no Ministério Público contra a emissora”, explica Laurindo Leal Filho, presidente do TVer, uma ONG criada há três anos e que tem como missão abrir o debate sobre a qualidade da programação da televisão brasileira.


O caso descrito por Laurindo é apenas um entre muitos outros que, diariamente, entram sem pedir licença nos lares de famílias de todo o país. A necessidade de evitar que certos abusos sejam cometidos pelas emissoras foi a principal motivação para o surgimento do TVer, em 1997 - inicialmente, um grupo de trabalho cujo objetivo era contribuir com elementos de reflexão sobre o mal-estar gerado pela baixa qualidade da programação televisiva.


Laurindo conta que a idéia de torná-lo uma ONG surgiu no ano seguinte. “Hoje, nosso grupo é formado por jornalistas, psicanalistas e advogados, todos interessados em melhorar a qualidade das produções”, afirma. “Percebemos que o grupo acabou se tornando uma referência na discussão da programação da televisão brasileira, principalmente em um país como o nosso, onde a TV tem mais poderes que a própria República”, compara.


Desde então, o TVer vem atuando na análise das conseqüências e responsabilidades da televisão no dia-a-dia das pessoas, na formação da mentalidade do brasileiro e no estudo da legislação para a comunicação no país. “Questões como a presença dos negros em novelas, por exemplo, fazem parte das nossas discussões”, comenta o presidente do TVer.


De frente para a TV


Apesar de a televisão ser de livre acesso a pessoas de todas as idades, são as crianças a maior fonte de preocupação para a entidade. “Muitas ficam mais tempo de frente para a TV do que na escola”, observa Laurindo. Segundo ele, esse contato diário permite à televisão exercer um influência maior no jovem do que a própria família ou escola. “Nesse caso, a televisão substitui os pais e professores como formadores de mentalidade e cultura”.


A influência da televisão sobre jovens e crianças explica, na opinião de Laurindo, o fenômeno da sexualidade precoce observada na juventude brasileira. Para o TVer, qualquer tentativa de conscientização sobre cidadania, violência, gravidez na adolescência, desrespeito à mulher, entre outros temas, deve levar em conta a atuação da televisão.


Falando sobre violência, Laurindo chama atenção para a generalização que certos programas fazem de alguns casos. “Eles generalizam aspectos isolados, e isso desperta nas pessoas uma sensação de que tudo pode ser resolvido pela violência”, ressalta. Para ele, há programas - como alguns programas de auditório - que acabam estimulando conflitos em situações que poderiam ser resolvidas através do diálogo. “A Unesco inclusive já fez um estudo mostrando como a televisão exacerba situações de violência”, lembra.


Apesar de a sociedade estar mais atenta aos exageros cometidos pela televisão, Laurindo afirma que não houve uma melhora significativa na qualidade da programação das emissoras. “A resistência delas é muito grande. Quando encaminhamos análises sobre determinados programas, a resposta muitas vezes é arrogante”, revela.


Porém, o que muitos não esperavam é que o debate atingisse em cheio escolas e universidades. “Os professores agora estão começando a abrir discussões sobre o papel da televisão no Brasil”, avalia. No entanto, ele ainda não sabe dizer até que ponto essa troca de informações irá sensibilizar as emissoras de TV. “Nosso trabalho ainda representa uma gotinha no oceano”, compara.


TV Pública


Uma das formas encontradas no exterior para melhorar a qualidade dos programas de televisão foi através do investimento pesado nas produções das emissoras públicas. A inglesa BBC e a norte-americana PBS são alguns exemplos vivos de que é possível ter um canal público de qualidade.


“A televisão pública forte passa a ser uma referência para as emissoras comerciais, que procuram exibir produções com a mesma qualidade que a TV pública”, explica. “Infelizmente, nossa televisão pública ainda é fraca, pois não há recursos para investir na programação”, lamenta.


Mesmo assim, Laurindo lembra que programas infantis de alta qualidade exibidos pelo canal público de São Paulo chegaram a influenciar produções de qualidade semelhante em emissoras comerciais o que, na sua opinião, já é um avanço.

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