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Poucos avanços para tantas necessidades

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Do outro lado da linha está a jornalista e escritora Cláudia Werneck, diretora do Instituto Pró-Sociedade Inclusiva e autora de oito livros sobre deficiência e exclusão reconhecidos pelo Unicef e pela Unesco. Exposto o tema desta reportagem – pessoas com necessidades especiais – o repórter dispara a primeira pergunta: “O que mudou, nos últimos anos, em relação à presença do deficiente físico no mercado de trabalho?”. Réplica dela, no ato: “A sua matéria é sobre o quê?”. O repórter: “Como?”. Ela: “A matéria é sobre deficientes físicos ou sobre pessoas com deficiência?”.


O ato falho explica, em boa parte, o que muitas vezes acontece no mercado de trabalho. Leis federais reservam cotas de cargos em empresas públicas e privadas para pessoas com deficiência. O problema é que a preferência dos empregadores, em geral, recai sobre o portador de deficiência física. “Quando se fala de deficiente, você tem que pensar em deficiente motor, mental, sensorial, físico... Mas as pessoas, mesmo sem perceber, associam deficiência com deficiência física. Para o deficiente físico, o mercado de trabalho melhorou bastante. Para o deficiente, não mudou quase nada. De uma maneira mais abrangente, ele não chegou ao mercado, não chegou às escolas. Esse é o grande nó”, reclama Cláudia.


Embora reconheça que a mudança de mentalidade é muito sutil e não caminha lado a lado com a lei, a jornalista teme que isso seja pretexto para que a sociedade se acomode e deixe de lutar por transformações. “É um problema histórico? É, sim, mas a gente precisa refazer a história. Temos que desconstruí-la para construir tudo de novo”, propõe.


Jorge Márcio Pereira de Andrade, médico psiquiatra e presidente do DefNet – Centro de Informática e Informações sobre Paralisias Cerebrais, acredita que um dos princípios da mudança deve ser o investimento na capacitação das pessoas com deficiência. A sociedade, diz ele, é desigual e injusta – e mais ainda com o portador de paralisia cerebral. “O portador de deficiência não é uma pessoa que precise viver apenas de artesanato. Ele pode ter acesso à tecnologia, produzir muito mais”, afirma.


Jorge lamenta que ainda impere uma visão meramente assistencialista em relação ao deficiente. E protesta: “As pessoas com paralisia cerebral são tratadas como cidadãos de segunda categoria”.


Mas há quem veja progressos. Marta Gil, gerente da Rede Saci, por exemplo, acredita que o portador de deficiência está mais presente no mercado de trabalho. E atribui esse avanço ao aumento da escolaridade, à crescente responsabilidade social das empresas e ao “braço duro da lei”. Ela admite, no entanto, que pessoas com deficiência mental e paralisia cerebral ainda sofrem mais com o preconceito. “Evidentemente, os casos severos de deficiência mental certamente não vão chegar ao mercado”, constata.


De fato, o Decreto nº 3.298, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, certamente foi responsável por algumas transformações. A Avape – Associação para a Valorização e Promoção do Excepcional tem como uma de suas atribuições a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Só no ano passado, 300 pessoas conseguiram vagas com o auxílio da instituição. Isto significa um aumento de 30% em relação ao ano anterior.


Por outro lado, há empecilhos surgindo – e restringindo o acesso a essas oportunidades. Algumas empresas estão estabelecendo normas rígidas para admissão de profissionais. Há casos, por exemplo, em que exige-se o 2º grau completo (atual Ensino Médio) para quem trabalha no setor de higienização, o que dificulta o aproveitamento de uma pessoa deficiente. Marcelo Vitoriano, chefe de Reabilitação Profissional da Avape, se preocupa com isso. “Nós temos procurado discutir essa flexibilização, do contrário vamos ter uma gama imensa de excluídos. A gente procura fazer com que as empresas sejam mais flexíveis. Mas, apesar das dificuldades, quando elas aceitam empregar o deficiente, percebem que a pessoa pode render”.


Uma das queixas dos empresários diz respeito à pouca quantidade de profissionais suficientemente preparados para ocupar as vagas previstas na lei. Esse é um problema que vem de longe, porque, em geral, desde cedo, as pessoas com algum tipo de deficiência sofrem com a dificuldade de acesso às mesmas oportunidades das pessoas ditas normais. “De qualquer modo”, pondera Marcelo, “a gente já vê empresas que não tinham nenhum funcionário com deficiência e hoje têm 40”.


O Decreto nº 3.298 pode garantir a inserção do profissional no mercado, mas não sua permanência. Por isso é preciso investir em capacitação e educação. Organizações não-governamentais como a própria Apave vêm tomando essa iniciativa, mas – apesar do lema “Educação para Todos” usado pela Secretaria de Educação Especial do MEC – a realidade ainda é de exclusão. Segundo dados oficiais de 1998, mais de 6 milhões de jovens de idade até 19 anos com deficiências diversas não têm qualquer tipo de assistência pedagógica. Uma prova de que a “escola para todos” ainda é de poucos.

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