Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
Ao se reunirem, em 1996, em Roma, para o Fórum Mundial sobre Alimentação, realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), chefes de governo de 185 nações assumiram o compromisso de reduzir o número de famintos à metade até 2015. Cinco anos depois, é hora de analisar o que foi feito. De volta à capital italiana, de 5 a 9 de novembro, eles terão de buscar explicações para o fracasso desse compromisso. Eram, então, 800 milhões de pessoas passando fome – hoje são 830 milhões. Destes, 96% vivem em países em desenvolvimento e cerca de 200 milhões são crianças abaixo de cinco anos.
No Brasil, o quadro não é mais animador. Estudo publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado aqui mesmo, na Rets, mostrou que 53 milhões de pessoas – quase um terço da população – vivem abaixo da linha de pobreza – 22 milhões em condições de indigência.
Os números da fome são, de fato, assustadores. O site do International Development Research Center (IDRC), do Canadá, impressiona ao exibir um relógio com a atualização ininterrupta, de acordo com estatísticas oficiais, do crescimento da população mundial em paralelo com a redução da área cultivável no planeta. Às 14 horas do dia 6 de setembro, éramos 6.146.861.100 pessoas para 8.585.944.400 hectares de terra produtiva. Também na internet, no The Hunger Site (através do qual podem ser feitas doações com um simples clique de mouse, assim como acontece no brasileiro Click Fome), um mapa animado mostra que 24 mil pessoas morrem de fome no mundo diariamente. Estamos chegando a uma situação-limite?
“O mercado produz o que se pode adquirir. Quem determina quanto vai ser produzido é o mercado. Mal comparando, podemos imaginar quantas Ferraris são produzidas no mundo. Muito poucas, apenas o que as pessoas podem comprar. Não há alimento suficiente no mundo porque não existe uma política global para matar a fome da população. Acho que essa briga por espaço ainda vai demorar”, diz Maurício Andrade, coordenador-geral do Comitê Rio da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Para ele, existem problemas mais graves, que também afetam diretamente a produção de alimentos, como a questão da água. “A crise da água pode acontecer neste século, com conseqüências ainda piores. A água é vítima do desperdício e da falta de cultura e planejamento estratégico. E não apenas no Brasil, onde essa falta de interesse já provocou o problema do racionamento de energia elétrica. Em vários países, a água contaminada não permite seu consumo. Nos últimos cinco anos, o Brasil criou o Conselho das Águas, que tem atuado timidamente, mas, pelo menos, já é o primeiro passo”.
André Spitz, secretário-executivo do Comitê de Entidades no Combate à Fome, diverge. “Certamente podemos chegar a uma situação-limite. Quando a gente pensa em termos de desenvolvimento excludente, os dados são assustadores se a gente considerar a fome, as áreas cultiváveis, a energia e também a exaustão de recursos naturais. Acho que é preciso pensar em como se pode resolver isso. O mundo cada vez concentra mais recursos nas mãos de menos pessoas”. Para ele, é preciso repensar o modelo da sociedade de consumo e a própria ordem econômica mundial. “Acho que a gente está indo em direção a um muro”, adverte.
Agricultura familiar
Alguns preferiram não esperar até novembro para retomar a discussão. Em Havana, Cuba, de 3 a 7 de setembro, cerca de 300 representantes de mais de cem países participaram do Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar – uma iniciativa autônoma patrocinada por 16 organizações não-governamentais. Membro do comitê executivo do evento, Francisco Menezes, coordenador de Processos Sociais de Inclusão do Ibase, compôs a delegação brasileira, ao lado de gente como Dom Mauro Morelli, do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, e Alberto Broch, vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros.
“A idéia do fórum”, diz Aírton Faleiro, secretário de Política Agrícola da Contag, “é tentar alertar e criar resistência internacional aos grandes commodities, que se apresentam numa lógica de quem não está se preocupando com a segurança alimentar, mas sim com o negócio alimentar”. O Brasil levou para o encontro a proposta do desenvolvimento sustentável e da agricultura familiar.
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a agricultura familiar emprega 13,7 milhões dos 25 milhões de trabalhadores rurais do país e é responsável por quase 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. A Contag acredita que o potencial do modelo familiar de produção é capaz de, ao mesmo tempo, saciar a fome e acabar com a exclusão.
É curioso notar que, consideradas as propriedades rurais cadastradas no Brasil, os latifúndios (que são 2,8% dos imóveis) ocupam 65,7% da área total, ao passo que os minifúndios (62,2%) ficam apenas com 7,9%. “O problema não é só de miséria, mas de desigualdade”, afirma Faleiro. “Mas nós acreditamos numa reação em busca de uma nova forma de viver, de se alimentar e de fazer política. Por que não pode haver uma reação da sociedade?”, ele pergunta.
E, afinal, por que não?
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