Você está aqui

Agora os transgênicos - essa é demais! (será mesmo?...)

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

*Wladimir Jimenez Alonso


Estacionar o carrinho na frente das prateleiras de alimentos dos supermercados convida muitos consumidores conscientes a um pequeno e íntimo momento de desencanto e impotência. O desfile impecável de sorrisos, imagens e calorosos apelos nos rótulos, que seduz nosso instinto de compra, tem uma segunda e mais amarga leitura para os mais céticos: grande parte da nossa alimentação provém hoje em dia de práticas agrícolas que parecem inspiradas em algum ódio inconfessável contra o solo, as águas e contra a mínima manifestação de natureza insubmissa e selvagem.


Obviamente, essa sanha para silenciar o frenesi de vida dos antigos ecossistemas e das saudosas paisagens rurais e substituí-los por horizontes de espremidas monotonias também acaba nos atingindo diretamente: temperando nossas comidas furtivamente com agrotóxicos e hormônios, secando e envenenando nossas fontes de água, fazendo-nos cúmplices de crueldades em granjas etc. Não é surpreendente, portanto, que a reação de muitos cidadãos ante uma nova interferência de "modernidade" nos alimentos – a modificação genética mediante técnicas de biologia molecular - seja de um enérgico "basta!".


O aparecimento dos alimentos geneticamente modificados (OGMs) forneceu assim um alvo contra o qual todo esse descontentamento e insatisfação pôde ser articulado. O protesto encampa também a indignação contra as práticas monopolistas e abusivas das grandes empresas do setor, já que as mesmas que procuram consolidar a dependência absoluta dos agricultores aos seus ‘pacotes’ de sementes e pesticidas são também as que, obviamente, se lançam entusiasticamente a utilizar qualquer avanço científico (OGMs incluídos) para reforçar sua conquista predatória do mercado.


No entanto, uma vez que a sociedade se organizou sob o efeito catalisador dos OGMs, não pode perder a oportunidade de realizar uma reflexão constante para assim atacar de forma eficiente e ampla seus verdadeiros fins. Não se deve perder de vista o fato de que a luta é contra o envenenamento da terra, a segurança alimentar, a destruição da diversidade genética, o abuso monopolista do setor de sementes e agroquímicos etc. Lamentavelmente, um amplo setor ainda engloba todas estas questões no saco dos OGMs, confundindo o elemento ferro com o problema guerra, que utiliza este metal para fazer as armas.


Vejamos: o homem, desde a antigüidade, procurou modificar suas criações e plantações para que estas produzissem alimentos mais saborosos e nutritivos, em solos mais pobres, durante mais épocas do ano. O sucesso pode ser visto em qualquer feira: o pré-agrícola Adão nem sonharia em ter uma maçã como as que comemos hoje em dia – a que o tentou provavelmente não seria aceita em nenhuma feira, por ser pequena e amarga, mesmo em um país tropical (de onde a maçã não é nativa). Brincadeiras à parte, são inegáveis as extraordinárias conquistas em termos de qualidade, diversidade e produtividade dos alimentos que herdamos através do trabalho paciente e sábio de nossos antepassados – e, ultimamente, dos institutos de pesquisa agropecuária. No entanto, há características que não podem ser conquistadas pelo velho (e eternamente bom) método de seleção dentro da variedade genética existente em uma espécie. Nestes casos, a biologia molecular pode nos ser extremamente útil, permitindo que se importem, para uma determinada linhagem de uma espécie, características de outras espécies, como produção de vitaminas, resistência à seca ou salinidade, maior crescimento etc.


Reconhecendo estas possibilidades, o uso positivo desta tecnologia foi aprovado por órgãos que não detêm interesses econômicos na sua comercialização e que, pelo contrário, obedecem a objetivos de desenvolvimento social e combate à pobreza, tais como a ONU, a Oxfam (que apóia o Brasil contra as práticas monopolistas das multinacionais que detêm as patentes dos remédios contra a Aids) e a própria Embrapa (que tanto vem contribuindo para a melhoria dos alimentos no Brasil pelos métodos tradicionais). O uso em grande escala dos OGMs em outros países (contidos em mais da metade dos alimentos nos EUA) e os experimentos realizados até o momento nos permitem afirmar que não há nada intrínseco nos OGMs que os façam mais ou menos perigosos que os outros produtos obtidos por outros métodos. Obviamente, isto não diminui a necessidade (como com qualquer outra tecnologia, remédio, carro etc.) de ser testada a segurança sanitária e ambiental de cada OGM antes deste ser lançado ao mercado, nem a necessidade de divulgação da informação correta ao consumidor – há pessoas que, por diferentes razões, querem, e devem ter o direito de, não consumir OGMs. Mas também deve-se assegurar o direito de – cumpridas as normas pertinentes – pesquisa e disponibilização à sociedade de produtos que tenham características benéficas importadas de outras espécies por meio das técnicas da biologia molecular.


A pesquisa científica nos fornece chaves-mestras que abrem muitas portas. Assim, a mesma chave que abriu a porta à produção de insulina barata e não alérgica a partir de bactérias geneticamente modificadas pode abrir a porta para a produção de armas biológicas. Se a sociedade (e não os grandes grupos econômicos) mantiver o controle dos avanços tecnológicos, então a luta para a recuperação do equilíbrio ecológico das paisagens rurais, a segurança alimentar e a conquista de justiça social no campo terão um grande aliado (e não um carrasco) na modernidade. Passear o carrinho na parte de comestíveis do supermercado poderá voltar a ser, então, uma experiência cívica prazerosa.


*Wladimir Jimenez Alonso, biólogo, é doutorando no Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford.


Este artigo foi publicado originalmene no Correio da Cidadania.







A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer